(pt) 150 anos da Comuna de Paris: Teoria da revolução e a luta anti-imperialista e antifascista - Comunicado: COPOAP & UNIPA
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Quarta-Feira, 9 de Junho de 2021 - 06:32:21 CEST
Comunicado Conjunto, Maio de 2021: COPOAP - Coletivo Pró-Organização Anarquista
em Portugal » embate-copoap.weebly.com « UNIPA - União Popular Anarquista
(Brasil) » uniaoanarquista.wordpress.com « ---- Praça Vendôme - grupo de soldados
federados próximo à barricada em Rue Castiglione. Fotografia de Auguste Bruno
Braquehais (1823-1875) ---- "O que unicamente pode salvar a França, em meio aos
perigos mortais, internos e externos, que agora a ameaça, é a sublevação
espontânea e livre, livre de compromissos, apaixonada, anárquica e destrutiva,
das massas populares de todo o território francês.[...]Creio que as únicas
classes agora capazes de uma insurreição tão poderosa são os trabalhadores e os
camponeses" (BAKUNIN, 1907: 215-216).
Este ano celebram-se os 150 anos da Comuna de Paris (1871-2021), um evento da
maior importância para a luta internacional da classe trabalhadora. Durante a
Comuna e em suas posteriores análises, ficou evidente as divisões
teórico-políticas no movimento dos trabalhadores, principalmente na questão do
papel do Estado e da guerra na revolução. Esta cisão teórica se desenvolve na
divisão e fim da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) um ano depois
dos acontecimentos da Comuna de Paris, ganha então a sua prova prática. Esta
discussão é, em geral, largamente ignorada pela maioria das organizações e
correntes políticas que agora comemoram a data, porém é essencial para
compreender as atuais tarefas da classe trabalhadora e das organizações
revolucionárias.
Articulando sua teoria da questão nacional e da luta de classes, Bakunin
apresenta uma análise e uma estratégia fundamental durante a Comuna de Paris.
Elas foram uma resposta aos desdobramentos da Guerra por razão de Conquista: a
Guerra Franco-Prussiana de 1870-1871. Com a invasão da França pelo exército
prussiano, a França tinha sua derrota eminente. Qual foi a política apontada por
Bakunin para combater a invasão prussiana? A revolução social na França - o
armamento geral do campesinato e do operariado para tomar as cidades e campos e
expulsar a invasão prussiana, enterrando juntas a Pátria Oficial francesa, o
Imperador e todas as classes privilegiadas do país.
Qual foi a política dos republicanos e da "esquerda eleitoral"? Foi contra a
revolução, que em sua visão representaria a divisão e o enfraquecimento da França
Oficial1, defenderam o parlamento (Assembleia Nacional) e foram contra o
armamento geral do povo. Bakunin, em "Cartas a um francês" (1870), analisa os
votos dos parlamentares da dita esquerda francesa que votaram contra a
legalização e venda de armas e munições durante o período, posição que avalia
como francamente reacionária, que visava manter o monopólio da violência pelo
Estado e deixava o povo desarmado frente a invasão.
O que Bakunin apontou era que as classes dominantes da França encaminhavam a
capitulação frente a invasão prussiana, o que se consolidou com o armistício em
1871. Para tais classes, a dominação prussiana seria um mal menor em comparação
ao de armar o povo e correr o risco de uma insurreição popular. A dominação
prussiana manteria a propriedade e a ordem na França subordinada, e os encargos
dessa dominação seriam jogados sobre a exploração do povo francês, como de fato
ocorreu com as pesadas taxas impostas pelo nascente Império Alemão, pagas pelo
proletariado.
Nesse sentido, a burguesia, a aristocracia e o Império, toda a França Oficial,
agiram de maneira entreguista, isto é, capitulando aos interesses das potências
externas em detrimento dos interesses do seu próprio povo. Porém, frente ao
armistício assinado pelo parlamento, Paris se insurgiu; e diante da insurreição
popular, a Assembleia Nacional, de composição monárquico-burguesa, declarou a
repressão ao movimento, marcando a ruptura completa e a guerra entre a Comuna de
Paris e a França Oficial mancomunada com o exército prussiano.
Transformar a guerra imperialista em guerra civil
Barricade The Paris Commune May, 1871. Andre Devambez, 1911.
Bakunin defendeu que a guerra imperialista deveria ser transformada em guerra
civil, como a única forma de defender a França Popular e vencer os Impérios. Tal
política mais tarde ficaria célebre nas frases de Lenin, que guiaram a revolução
russa, "Transformar a guerra imperialista em guerra civil", e se refere
claramente à política da Comuna2, que tinha sido elaborada politicamente por
Bakunin antes, mesmo do levante communard, no documento "Cartas a um Francês"
(1870). Neste escrito, faz uma detalhada análise da conjuntura francesa apontando
o caminho da guerra civil/popular, do armamento geral do povo, da unidade entre
operários e camponeses, da organização e federação de comunas populares, como as
únicas saídas frente o avanço do imperialismo e da barbárie.
Essa linha anarquista diz respeito à relação existente entre a política
anti-imperialista e a luta de classes. Polemizando com os bakuninistas,
hegemônicos no movimento operário na Itália dos anos 1870, o nacionalista
italiano Giuseppe Mazzini (1805-1872) afirmava que o exemplo da Comuna de Paris
trazia a desunião para a Nação por estar pautado em uma divisão entre interesses,
ou seja, na luta de classes. Para Mazzini, o povo italiano deveria esquecer suas
aspirações particulares em nome do "interesse geral" da Pátria.
Bakunin, ao contrário de Mazzini, defende que este antagonismo de classe era
natural e salutar, tendo em vista que toda a riqueza da nação havia sido
produzida a partir da exploração do capital sobre o trabalho. Assim, a exploração
e a aliança internacional dos capitalistas tinha como contraponto uma necessária
e natural aliança dos trabalhadores, demarcando uma situação social antagônica. A
internacionalização das greves era um sintoma desse processo.
Outro aspecto dessa questão é que o "mundo do trabalho" se afirmava como a Pátria
real dos trabalhadores. Bakunin aponta aqui um elemento que aparece em todo seu
pensamento: a pátria real e material como sinônimo dos interesses em comum.
Assim, as classes trabalhadoras e povos dos diferentes países estavam muito mais
próximos entre si do que com a burguesia de seus próprios países. Como vemos no
trecho abaixo sobre a Comuna de Paris:
"[...]as fronteiras de sua pátria ampliaram-se, a ponto de englobar hoje, o
proletariado de todo o mundo, oposto ao conjunto da burguesia, inclusive
evidentemente, a burguesia francesa. As declarações da Comuna de Paris são,
quanto a isso, categóricas; e as simpatias hoje expressas com tanta clareza pelos
trabalhadores franceses com a Revolução Espanhola, sobretudo na França
meridional, onde se constata uma nítida vontade do proletariado de aliar-se de
modo fraternal ao proletariado espanhol e até formar com ele uma Federação
Popular, fundamentada no trabalho livre e na propriedade coletiva, não obstante
todas as diferenças nacionais e as fronteiras estatais" (BAKUNIN, 2003, p. 45-46)
AIT e Comuna
Decreto da Comuna de Paris
O papel cumprido na Comuna pela Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT),
e pelos anarquistas, tem sido sistemicamente negligenciado pela historiografia
hegemônica, em particular no que refere ao trabalho dos associados à Aliança da
Democracia Socialista. A Comuna de París se insere numa longa jornada de lutas
laborais na França e confrontos entre povo e classes dominantes durante a II
República e III Império. Além disso, o episódio da Comuna não se limita à
experiência revolucionaria de Paris, já que entre os anos 1870-71 quase uma
dezena de cidades da França se insurgiram formando comunas com um programa
anti-estatista e em defesa do autogoverno dos trabalhadores. A primeira delas, a
Comuna de Lyon, teve Bakunin como um de seus principais dinamizadores.
A Revolução Burguesa de 1848 reinstalou a República na França. Inserido no
conjunto de revoluções europeias nesse mesmo ano com larga adesão popular,
apelidadas de "a primavera dos povos", este regime teve uma duração de 4 anos, e
rapidamente deixou o seu marco sangrento na repressão das e dos trabalhadores nos
"dias de Junho". A revolta do povo contra o fecho das Oficinas Nacionais, espaços
de trabalho destinados aos desempregados, uma conquista do processo
revolucionário, é brutalmente suprimida, contabilizando entre 1500 a 3000 mortos,
que resistiram levantando barricadas em Paris.
Abraçando os ensinamentos da consequência final da colaboração entre classes, o
povo retira o apoio à República, que uma vez instável, vai cair nas mãos da
reação monárquica com a formação do III Império, por um golpe de Estado de
Napoleão III, constituindo um regime não menos anti-popular, mas mais sincero.
Intensifica-se assim a construção de associações de trabalhadores, sociedades de
resistência e apoio mútuo e clubes políticos por toda a França, mesmo quando
estes foram considerados ilegais.
Alguns destes grupos acabam por contribuir esforços na construção da AIT, que
nasce fruto de correspondências e encontros internacionais operários datando de
1864. Crescem as primeiras seções locais e organizações aderentes, como é o caso
da Federação das Associações de Trabalhadores Parisienses, fundada em 1869 com a
contribuição de Eugene Varlin, partidário da Aliança.
Simultaneamente, inicia-se através da propaganda socialista e congressos
internacionais da AIT, a discussão em torno de pautas relativas às condições de
trabalho, a promoção do cooperativismo, a supressão da propriedade privada do
solo, as condições gerais de mulheres e crianças e a descriminação baseada na
raça e cidadania. Estas mesmas pautas, e ainda outras mais radicais, viriam a
figurar nos decretos e resoluções da Comuna de Paris.
Além disso, a agitação panfletária e jornalística torna-se norma durante toda
esta fase desde 1848 até 1872, nascendo e morrendo jornais de forma quase diária
nos momentos de maior atividade. Um exemplo concreto é o caso emblemático do
jornal "Le Cri du People", responsável pela divulgação do programa da AIT, cujo
editor, Jules Valles, era militante associado da AIT, e que viria posteriormente
a se tornar o principal jornal da Comuna.
Estima-se que a AIT em Paris, nos dias da Comuna, teria entre quinze militantes
nucleares (Bakunin, 2006) a cinco dezenas já em 1871, mas se contabilizarmos
todos os sócios de organizações laborais aderentes, temos de apontar para um
número gigantescamente maior. Entre os delegados eleitos pelas municipalidades
para o conselho da comuna, delegados estes revogáveis a qualquer momento, havia
uma minoria socialista, mas que concentrava uma enorme força política.
A maioria era formada por jacobinos-radicais. Estes, por consequência, formularam
propostas apenas tão socialistas quanto possível na ótica de quem dois meses
antes não se reveria nessa forma de pensamento (Bakunin, 2006). Contudo a
realidade dos eventos moldou seu pensamento e serviu de laboratório para variadas
teses. Ainda assim, o clima de improviso e a necessidade de uma organização
sindical mais consolidada não permitiu ir além.
A participação das mulheres anarquistas e da AIT foi decisiva, arrastando nos
vários momentos para as associações e para as barricas multidões femininas. A
participação das mulheres foi ainda presente nas comissões municipais e no
próprio estopim revolucionário em 18 de março de 1871. A participação feminina
nessa data pressionou a deserção de soldados que haviam sido enviados com ordens
do governo para roubar a artilharia parisiense no decorrer do processo de paz com
a Alemanha. Em vez de disparar sobre o povo, vários soldados desertaram em favor
dos sublevados, alguns dos quais entregando seus oficiais à justiça popular.
A exemplo da construção sindical de mulheres, a Seção Feminina da AIT enviou uma
delegada, Elizabeth Dimitrieff, como representante à Comuna de Paris, para
reafirmar a aliança popular com as e os sublevados. Juntamente a Nathalie Lemel,
também da AIT, viria a construir a União de Mulheres pela defesa de Paris. Outra
mulher revolucionária, Louise Michel, se converte em militante anarquista e
coletivista no decorrer do processo insurrecional e contribuiu de forma
incansável em diversas frentes, e mais notavelmente da União de Mulheres pela
defesa de Paris, reivindicando direitos iguais enquanto proletárias, milicianas e
não redutíveis a uma condição de donas de casa. Em suas palavras:
"Eu desci do monte, com a minha espingarda sob o casaco, gritando: Traição! Nós
pensávamos morrer pela liberdade. Nos sentíamos como se nossos pés não tocassem o
chão. Se morrêssemos, Paris haveria se erguido. De repente, vi minha mãe perto de
mim e senti uma terrível ansiedade, inquieta, tinha chegado, e todas as mulheres
estavam lá. Interpondo-se entre nós e os militares, as mulheres lançaram-se sobre
os canhões e metralhadoras" (MICHEL, 1973)
Desta forma, pode-se dizer que o papel iniciador dos quadros da AIT e da Aliança
nos movimentos, possibilitou a entusiástica adoção de várias das pautas centrais
de seu programa pela Comuna de Paris, mas a não consolidação destes organismos
dificultou a concretização mais promissora das tarefas a que se propunham.
Ensinamentos da Comuna sobre Guerra e Revolução, Luta de Classes e Questão Nacional
Louise Michel
As posteriores situações revolucionárias, na Rússia (1917) e na Espanha (1936),
expressam bem a necessidade de compreender a dialética entre Guerra e Revolução,
e Luta de Classes e Questão Nacional, colocada pela teoria bakuninista. Ambos
processos ocorreram em contextos de guerra imperialista (1ª e 2ª guerra mundial,
respectivamente) e tiveram, como na Comuna, um grande apelo dos republicanos
burgueses e da social-democracia pela "unidade nacional" contra a "ameaça
externa" e a defesa de que a revolução deveria ser deixada para um momento posterior.
A vitória da revolução russa expressou, no primeiro momento, o que defendeu
Bakunin décadas antes: que só a guerra popular anti-imperialista associada à
revolução social, levantando as massas do campo e da cidade, teria força para
instaurar uma nova sociedade socialista e barrar a guerra das potências
imperialistas. O caso espanhol representou a outra versão, a política de
colaboração entre trabalhadores e a burguesia republicana de "vencer a guerra
para depois fazer a revolução", o que levou a derrota tanto na guerra contra o
fascismo quanto na revolução social.
Essa mesma concepção está por trás dos clamores da social-democracia brasileira
pela unificação de todos os esforços de luta para priorizar a derrota eleitoral
do governo Bolsonaro, para que só depois se fale em revolução... se falam. Mas já
sabemos que eles jamais falarão e que nem poderiam falar, pois as alianças
parlamentares com a "burguesia democrática" sempre condenaram os trabalhadores a
servir aos interesses burgueses e desviarem-se dos seus interesses particulares,
de classe.
Diante de tantos desafios no século XXI, como crises socioeconômicas e
pandêmicas, ultramonopolismo de capitais e eminência de novas guerras
imperiais-coloniais, os anarquistas revolucionários devem resgatar e aprofundar a
nossa tradição de defesa socialista e anti-estatal das Comunas Populares de mais
de 150 anos sem reduzi-la a "slogans" genéricos.
Esse resgate deve formar parte de uma estratégia de reconstrução do movimento
revolucionário de massas, com independência de classe, federalista e
internacionalista, tal como na França de 1870; bem como a de reconstruir uma
aliança internacional dos anarquistas revolucionários.
Essa estratégia já encontra seus primeiros elementos postos na atualidade.
Diferentes povos tradicionais e organizações proletárias estão se movendo no
sentido da internacionalização das lutas por território e autonomia, por
independência econômica e política. Nessa construção podemos olhar para o
desenvolvimento do poder popular nos conselhos federais da Federação do Norte da
Síria - Rojava, nos territórios autônomos zapatistas, nas frentes de resistência
territorial Mapuche, entre outros levantes que se desenvolvem em diversas partes
do mundo. Neles, a guerra por libertação se conjuga com a construção da autonomia
territorial e do autogoverno dos trabalhadores, num processo similar ao dos
trabalhadores insurgentes da Comuna de Paris.
No Curdistão, os avanços levados a cabo pelo campo do confederalismo democrático
mostram que a guerra e a revolução são tarefas que não podem ser tratadas em
separado. Nas selvas de Chiapas, as comunas zapatistas formam uma base para a
expansão e reorganização do movimento internacionalista dos trabalhadores. Em
comum, estes movimentos entendem que a luta pela libertação dos povos é algo
necessariamente internacionalista, impossível de ser bem sucedido de forma
isolada, e apontam para soluções autônomas não estatais conectadas com táticas
avançadas de autodefesa.
Para nós, anarquistas revolucionários, é tempo de nos fincarmos nos nossos
princípios teóricos forjados nas batalhas da classe trabalhadora, corroborados
pelas experiências de luta contemporâneas. É tempo de superarmos os
confusionismos que por tanto tempo negaram o cerne da teoria anarquista, e,
armados com as ferramentas certas, reconstruirmos o movimento internacionalista
dos trabalhadores.
Os levantes anticoloniais contemporâneos que hoje configuram os frontes mais
avançados das lutas dos trabalhadores, através de uma longa trajetória de
tentativa e erro, chegaram, não por acaso, em conclusões muito similares às dos
aliancistas nas análises dos fatos daquele maio de 1871 em Paris, onde os
trabalhadores ousaram queimar os pilares da sua exploração e construir com as
suas próprias mãos tudo aquilo que lhes diz respeito.
Essa é nossa tarefa para honrar a memória da Comuna e, principalmente, organizar
hoje a ação histórica de libertação para construir um presente e um futuro de
Socialismo e Liberdade.
Erguer centenas, milhares, milhões de Comunas no mundo!
Referências:
BAKUNIN, Mikhail. Oeuvres - Tomo II. Paris, Stock, 1907. (Biblioteque
Sociologique, n° 38).
BAKUNIN, Mikhail. Estatismo e Anarquia. São Paulo: Nu-Sol: Imaginário, 2003.
BAKUNIN, Mikhail. A Comuna de Paris e a Noção de Estado. Verve. São Paulo, v. 10:
pg. 75-100, 2006.
Ler também: A Comuna de Paris e a Noção de Estado, por Mikhail Bakunin
Série Biblioteca Anarquista - Vol.I por UNIPA - União Popular Anarquista
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