(pt) luta fob: INTERNACIONAL | Dentro da Rebelião Negra nos EUA: entrevista com o Movimento Abolicionista Revolucionário (RAM)
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Terça-Feira, 23 de Junho de 2020 - 08:53:43 CEST
Entrevista concedida por e-mail por nossos camaradas do RAM de Nova York para a Comissão de Mídia e Propaganda da FOB.O Movimento
Abolicionista Revolucionário (RAM, na sigla em inglês) participa diretamente em diversas cidades da histórica insurgência negra e
antirracista que abala as estruturas da América racista, da supremacia branca e do capital, um levante que contagia o mundo com a luta
antirracista no centro do imperialismo. ---- Para conhecer mais o RAM indicamos seu site revolutionaryabolition.org, a página do facebook
Revolutionary Abolitionist Movement e o instagram do centro político anarquista The Base, no Brooklyn, em Nova York, em @the_basebk.
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FOB: Irmãos e irmãs do RAM, primeiro gostaríamos que apresentassem o Movimento Abolicionista Revolucionário e suas atividades como
organização revolucionária, anticolonial e internacionalista contra a supremacia branca e o capitalismo na Amérika racista e centro do
imperialismo.
Nós estamos muito felizes em conversar com vocês sobre o que está acontecendo por aqui, especialmente porque nossas organizações terem
objetivos e finalidades similares em cada uma de nossas localidades. Nós somos anarquistas revolucionários. Nosso objetivo é trabalhar ao
lado dos que são oprimidos pelos Estados Unidos da América, é apoiar a rebelião, é construir contra-poder revolucionário para destruir este
Estado, para que as pessoas possam viver com dignidade aqui e em outros lugares. Nós temos seções de nossa organização em diversas cidades e
nos organizamos de forma descentralizada, para construirmos núcleos em diferentes locais que possam se organizar de acordo com as condições
específicas de cada localidade. O que carregamos em comum na nossa organização é o fato de acreditarmos que os EUA foi estruturado com base
na supremacia branca, e este ethos está tão enraizado neste país, que precisa ser destruído para a libertação do povo. Aliás, é através
desse processo de destruição que podemos nos desenvolver e encontrar nosso poder novamente.
Durante os momentos de calmaria, nos organizamos principalmente com pessoas encarceradas, negros e latinos que cumprem muitos anos de
prisão, frequentemente sendo submetidos à tortura e a execução por pequenos delitos. Nós temos um projeto através do qual enviamos materiais
políticos para as pessoas presas, o que conduziu para relações duradouras e alinhamento político. Nós apoiamos a resistência nas prisões,
como nas recentes greves de presos. Nós pretendemos aprofundar essas relações para que possamos nos organizar com os internos, com objetivo
de erradicar todo o sistema prisional. Também realizamos projetos comunitários, como arrecadações para fundos comunitários, doações de
alimentos e educação política através de exibição de vídeos, filmes e documentários, e por meio de grupos de estudos. A ideia é construir
relações com todos e todas que se identifiquem e carreguem as marcas da cólera do Estado. Por muito tempo sentimos que havia uma parte
significativa do povo que se levantaria para lutar, caso houvesse chance de vitória. As recentes insurreições demonstraram que a vitória é
possível, e abriram um novo caminho de resistência.
FOB: Como participam e avaliam essa nova rebelião negra e antirracista contra a brutalidade policial nos EUA, a partir do assassinato de
George Floyd em Minneapolis, como ela vai se estendendo por outras cidades e estados do país e vai se encaminhando para ser o maior levante
negro desde a rebelião iniciada em Los Angeles em 1992?
RAM: Esta nova insurreição negra nos Estados Unidos é sem dúvida uma das coisas mais importantes de nossas vidas. É importante lembrar que o
assassinato de George Floyd não é um caso isolado neste país. O assassinato de pessoas negras por policiais, brancos racistas, e por pessoas
armadas por agentes da repressão* é algo tão comum que dificilmente se transforma em uma grande notícia. No entanto, recentemente tem
aparecido muitos relatos recorrentes de violência dos supremacistas brancos, como o assassinato de Ahmaud Arbery e o incidente de Amy Cooper
Central Park (quando uma mulher branca chamou a polícia acusando injustamente um homem negro de ameaçá-la fisicamente). Estes
acontecimentos, junto ao violento assassinato de George Floyd, formaram a tempestade perfeita. O que começou como um protesto contra a
polícia se transformou em uma das maiores insurreições já vistas neste país. No primeiro dia em Minneapolis, começaram os confrontos com a
polícia. No segundo dia, o movimento começou a queimar empresas capitalistas, enquanto seguiam os enfrentamentos contra a polícia ao mesmo
tempo em que diversas lojas eram expropriadas. Neste momento, a maior parte de nós já havia percebido a intensidade dessa luta, e sabíamos
que era necessário agir. Três dias após o assassinato de George Floyd, a 3ª Delegacia da Polícia de Minneapolis foi completamente incendiada
e a polícia fugiu amedrontada, enquanto a rebelião tomava o controle das ruas. Isso foi um sinal para todo mundo ao redor do país e,
atualmente, pessoas ao redor do mundo inteiro perceberam que a luta nos EUA estava verdadeiramente ativa.
Em Nova York, o movimento nas ruas foi mais combativo do que qualquer coisa que havíamos visto. Os bairros ricos foram totalmente saqueados.
A imprensa capitalista e os porcos de farda argumentaram que era oportunismo, mas o povo sabe que esses bairros são a causa da nossa
miséria, e por isso viraram um alvo da luta de classes. A Polícia de Nova Iorque (NYPD) é de longe a maior do país: conta com mais de 35.000
policiais. É uma polícia que tem uma história bem conhecida pelo terror que causa nas ruas e em suas delegacias. Mas essa insurreição é um
dos primeiros momentos em que podemos ver as pessoas perdendo o medo destes fascistas, os confrontando, os atacando e os expulsando dos
bairros. Soho (bairro nobre de Manhattan conhecido por abrigar lojas de luxo e grandes cadeias de lojas transnacionais), por exemplo, foi
saqueado porque os porcos assumiram uma posição defensiva e estavam com muito medo para revidar. Esta resistência irá deixar o país marcado
permanentemente. Outro fato importante é que lugares onde nunca antes ocorreram grandes levantes ou protestos no geral estiveram na linha de
frente do movimento. Cidades em Ohio, Kentucky, Georgia, e Dakota do Sul tiveram grandes ações e algumas muito combativas.
Existem algumas coisas que queremos esclarecer. Os principais impulsionadores desta insurreição não foram os movimentos, foi a juventude
negra. A juventude negra demonstrou um dinamismo e um destemor que há muito tempo não se via nos movimentos dos EUA. Também podemos dizer
que essa energia não irá embora tão cedo. No nosso texto "Queime as Grandes Plantações dos Estados Unidos", escrevemos: "a luta do povo
negro tem o potencial de desencadear uma resposta para toda a violência sobre a vida dos negros/as e devolvê-la ao país inteiro". É por isso
que o governo, os liberais, a polícia, a indústria do entretenimento, ONGs, e todos os administradores da sociedade capitalista estão
fazendo o que podem para forçar uma linha reformista. Mas não irá funcionar.
FOB: Como avaliam a situação da Covid-19 nos EUA, que agora junto com o Brasil são os centros da pandemia no mundo, e como entendem a
ofensiva repressiva do governo Donald Trump contra as organizações revolucionárias e antifascistas e a repressão do governo que já deixou
alguns mortos nos protestos?
RAM: É uma afronta contra a humanidade o fato de que Trump e Bolsonaro intencionalmente diminuíram a seriedade da crise do COVID-19, o que
resultou em muitas mortes desnecessárias. Aqui nos EUA não houve nenhuma medida de prevenção, ainda que as notícias tenham chegado com
antecedência. Os EUA não levaram a doença a sério, a tal ponto que o Centro de Controle de Doenças advertia as pessoas para não utilizarem
máscaras, no momento em que a crise do coronavírus estava explodindo. Além disso, em Nova Iorque, onde nosso núcleo está sediado, a cidade
parou muito rapidamente e sem nenhuma preparação, o que resultou em demissões em massa e nenhuma assistência financeira significativa,
nenhuma suspensão de aluguéis e demais contas básicas, e nenhum auxílio de alimentação. Como a cidade estava completamente despreparada,
muitas pessoas morreram. Isso significa que muitas pessoas perderam alguém que amam, adoeceram, e tiveram que lidar com a fome e com o
distanciamento. O peso psicológico dessa crise também foi muito pesado. Tantas pessoas morreram, que tiveram que ser colocadas em caminhões
refrigerados do lado de fora dos hospitais. Trabalhadores tiveram que carregar os corpos de seus vizinhos e amigos, identificados apenas com
um número, para dentro e para fora dos caminhões. Pessoas que trabalhavam nos hospitais não tinham equipamento de proteção e havia grande
escassez de ventiladores pulmonares e suprimentos nos hospitais. Este resultado terrível foi claramente uma consequência da ignorância do
estado. Aliás, o prefeito da Cidade de Nova Iorque e o governador pediram desculpas pela crise alegando desconhecerem os efeitos do
COVID-19. Enquanto isso, o COVID-19 se tornou uma grande desculpa para o Estado reprimir ainda mais os oprimidos. Houveram muitos
espancamentos amplamente noticiados de jovens negros por não usarem máscara, e muitas outras atrocidades que nunca foram publicizadas. A
polícia se tornou ainda mais agressiva nos Conjuntos Habitacionais e nas comunidades pobres. Deste modo, as pessoas não só estavam sofrendo
por causa da doença e das mortes provocadas pelos governos municipais, estaduais e federais, mas também estavam sendo brutalizadas nos seus
bairros. Isso, e os contínuos assassinatos racistas provocados por policiais ao redor dos EUA (mais de 1 por dia), que conduziram às
incríveis insurreições que vimos emergir após o assassinato de George Floyd.
Na sequência dos acontecimentos, Donald Trump quis criminalizar os anarquistas e os antifas. Essa é uma típica tática de contra-insurgência
utilizada nos EUA: identificar os extremistas, tentar separá-los do povo e depois culpá-los pela instabilidade e pelos levantes. As pessoas
que foram presas durante as insurreições denunciaram que foram questionados sobre os antifas por agentes federais. Trump estava mirando os
antifas desde que o movimento organizou a resistência contra seus eventos de campanha, contra a inauguração de seu mandato, e contra algumas
de suas políticas mais graves (como a criação de uma rede de campos de concentração ao redor do país, os ICEs). Na verdade, anarquistas e
antifascistas não foram responsáveis por este levante. Nós somos responsáveis por nos solidarizarmos com a luta de libertação do povo negro.
Também somos responsáveis por popularizar algumas frases e pela ideia de abolição da polícia e das prisões. Somos tão responsáveis por tudo
isso quanto qualquer outra pessoa resolutamente antirracista. Quem foi realmente responsável por essa situação foi a polícia, os agentes
penitenciários, os capitalistas e os políticos, que afirmam que as vidas negras não importam neste país. A sociedade civil branca que
criminaliza a vida negra é responsável. Nós simplesmente nos colocamos ao lado da resistência. Recentemente, o FBI lançou um relatório
afirmando que os anarquistas não foram responsáveis, mas ridiculamente culpabilizaram as "gangues". Trump também estava pronto para a guerra
contra a rebelião. A Guarda Nacional foi chamada antes e depois que os incríveis lutadores de Minneapolis revidaram. Trump anunciou que o
exército seria chamado. Neste momento, oficiais militares o desafiaram e esse foi um momento interessante para percebermos as rachaduras do
Estado. Nós lembraremos disso no futuro. No entanto, uma forma ainda mais efetiva e perniciosa de repressão veio da esquerda institucional.
Houve um movimento orquestrado da mídia corporativa, dos políticos democratas e das ONGs. Eles organizaram protestos que apelavam para
sentimentos liberais: reforma, não revolução; convencer departamentos de polícia ao redor do país com uma campanha pública para "se
ajoelharem", como a famosa atitude de Colin Kaepernick; rodar uma narrativa midiática de que os saqueadores estavam ferindo pessoas e
atacando pequenos negócios, tirando vantagem das divergências políticas. A ideia era afunilar a energia dos manifestantes liberais em algo
que fosse servil à agenda dos Democratas, e criar uma base de poder para eles em suas negociações em curso com os direitistas Republicanos.
Essa tática foi muito mais efetiva para acalmar os movimentos de rua. Onde antes se encontrava policiais cada vez mais às margens da
manifestação, agora podem ser vistos em meio à multidão. No entanto, esta é uma falsa paz.
Podemos ver, a partir de nossa experiência nas ruas que algo realmente se transformou. As pessoas revidaram contra os opressores, e
encontraram um poder incrível nas ruas. As coisas ficaram um pouco mais silenciosas agora, mas é uma situação temporária porque não há
reforma que possa modificar as estruturas do Estado. As pessoas se levantarão novamente.
FOB: Por fim, pedimos que deixem aos lutadores e lutadoras revolucionários/as e anticolonialistas do Brasil uma mensagem do RAM para as
lutas combativas e antifascistas que se iniciam aqui contra o governo genocida de extrema-direita de Jair Bolsonaro, aliado do neonazista
Donald Trump.
RAM: Saudações revolucionárias, camaradas! Aqui nos EUA nós estamos enfrentando um dos Estados mais avançados em termos de tecnologia,
repressão e violência na história da humanidade. Também estamos vivendo entre uma população que em partepossui uma grande alinhamento ao
fascismo. Mesmo contra estas adversidades, conseguimos empurrar este país ao seu limite. Fizemos Donald Trump se esconder como um covarde no
bunker da Casa Branca. Para cada passo atrás que demos, avançamos muitos outros à frente. Estamos acompanhando de perto a situação do Brasil
e cultivamos amor e respeito por vocês. Nós acreditamos ter compreendido bem suas lutas. Em ambos os países enfrentamos líderes perversos no
poder, mas se continuarmos lutando nós vamos vencer. O povo reconhece que estamos certos. Quando estes governos caírem e jogarmos estes
fascistas de volta para os buracos de onde saíram, podemos construir um novo mundo mais digno. Solidariedade, camaradas.
* Do original, deputized people, o ato de um policial ou outras forças militares concederem armas à cidadãos comuns para auxiliar a captura
ou assassinato de "suspeitos", ou com a justificativa de manutenção da ordem. A concessão de armas é historicamente associada a figura dos
"xerifes", e é também conhecida como posse comitatus.
LUTAFOB
18 DE JUNHO DE 2020
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https://lutafob.wordpress.com/2020/06/18/entrevista-ram/
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