(pt) cab anarquista: Os últimos protestos e a classe dominante contra a saúde pública
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Segunda-Feira, 22 de Junho de 2020 - 07:38:00 CEST
´ação direta, antifascismo, antirracismo, bolsonarismo, coronavírus, covid-19, luta de classes, luta popular, saúde pública ---- Nos últimos
dois domingos foram realizados protestos em diversas cidades do país. Os protestos rechaçaram o racismo estrutural e a violência policial,
assim como expressaram a indignação frente a postura genocida do governo Bolsonaro diante a pandemia do Corona Vírus. ---- Ante as
manifestações, uma polêmica circulava nas redes. Motivada por músicos, intelectuais, membros de partidos políticos e outras referências,
começou a se difundir a ideia de que o retorno às ruas seria uma irresponsabilidade política grande, frente a pandemia de covid-19 e seus
possíveis impactos nos/as trabalhadores/as.
Para nós, não havia e não há dúvidas de que a escolha de ir ou não à rua é coletiva e não exclusivamente individual. Há uma leitura sobre o
momento que estamos vivendo de parte de muitos movimentos populares e organizações políticas e do porque esse é o momento de ir pra rua.
Temos acordo com essa leitura e fomos às ruas contra o racismo e por vida digna. Com todo o cuidado em relação às medidas sanitárias e a não
exposição de pessoas do grupo derisco.
Algumas constatações. O governo Bolsonaro, as elites políticas e a burguesia brasileira trabalharam cotidianamente para destruir quaisquer
possibilidades das classes oprimidas manterem o isolamento social desde o início da pandemia. Hoje, essas forças conseguiram efetivamente
destruir qualquer possibilidade de quarentena social para os/as trabalhadores/as e já se contam os milhares de mortos. O governo
Bolsonaro-Mourão-Guedes sufocou e atrasou a ajuda financeira aos mais pobres, incentivou carreatas bolsonaristas pelo fim da pandemia,
chantageou os governadores, deteriorou a ação do ministério da saúde, difundiu uma bateria de fake-news, ignorou as recomendações da OMS e,
agora, trabalha com os militares para esconder a quantidade de mortos no país.
Cabe dizer, que desde o início da pandemia, um contingente enorme de trabalhadores precarizados (maioria de pobres e negros) sem quaisquer
direitos ou possibilidade de usufruir da quarentena com pagamento integral, foram obrigados a sair às ruas para trabalhar. Para esses
sujeitos e setores, a quarentena nunca existiu. Ou se existiu, foi destruída pelo lucro voraz da burguesia brasileira e pela sandice
bolsonarista, que usando de expedientes jurídicos e políticos, seguiu mantendo diferentes serviços e empresas em funcionamento.
A saída dos movimentos populares às ruas é, portanto, uma decisão de defesa da saúde coletiva e do direito à quarentena. Cada militante que
se arriscou para ir às ruas nos últimos domingos, arriscou sua própria vida, em defesa das vidas negras e em prol de um direito coletivo de
saúde, que é impedido pela ação criminosa do governo Bolsonaro. Para os/as moradores de favelas e a população negra, o direito a quarentena
e ao isolamento foi desrespeitado pelo próprio governo e por sua ação genocida, operacionalizada pelas polícias militares, que mesmo na
quarentena, assassinaram 15 pessoas no Complexo do Alemão (Rio de Janeiro/RJ), assassinaram o jovem João Pedro Mattos (14 anos) e seguem
assassinando jovens e trabalhadores pretos nas favelas.
A burguesia e sua máquina de moer gente, fez com que a maioria do povo não tivesse condições de ficar em quarentena em casa. Esses
trabalhadores foram obrigados a trabalhar, viraram as noites numa fila da Caixa para tentar conseguir o auxílio de 600 reais. Enquanto os de
cima ignoram as recomendações de saúde da OMS, os trabalhadores ficam sem saneamento básico e sem água para se higienizar. Não possuem
aparelhos nem internet para fazer ensino à distância ou ensino remoto, que o capitalismo quer impor ao povo como "política de educação". E a
maioria do povo que se contamina com o Covid-19 terá muita dificuldade para conseguir vagas e UTIs nos hospitais públicos, sucateados pelos
cortes neoliberais. O governo Bolsonaro segue com o rolo compressor do ultraliberalismo matando a população, levando o país aos maiores
números de contaminação e mortes do mundo.
Nas periferias, vilas, favelas e baixadas, a falta de água, estrutura básica de serviços e infra-estrutura, mesmo com a ação aguerrida e
organizada de moradores e movimentos populares, prejudicou quaisquer possibilidade de isolamento social. Muitos desses moradores,
organizados/as ou não em movimentos populares, coletivos, organizações diversas, decidiram assim, arriscar suas vidas e sair às ruas, para
dizer: Vidas negras importam! Chega de Racismo! Pelo Fim da Polícia Militar! E Fora Bolsonaro!
O reformismo se acovarda diante a luta
Mais uma vez a realidade atropela a conciliação de classes, o reformismo e o oportunismo da esquerda institucional. Movimentos de população
negra, torcidas organizadas, setores populares se manifestaram pois já não aguentam mais a política de extermínio de negros e pobres do
capital operada por governos como Witzel, Dória e pelo governo Bolsonaro.
Depois dos atos do último fim de semana afloraram as mesmas leituras sectárias e elitistas que vimos em 2013, de uma esquerda burocrática
que permanece míope à realidade. Uma esquerda que abraçou de vez o carreirismo político-parlamentar e rompeu com o povo. E se o povo pobre e
negro se organiza para ir para as ruas ou com participação de movimentos populares sem a tutela desta esquerda eleitoreira, não tardam os
discurso de desqualificação e criminalização dos atos, fazendo coro com a mídia burguesa e com a direita. Ou considerando esses atos como
"espontaneístas", "desorganizados", mesmo que estes tenham sido planejados coletivamente por diferentes forças políticas e sociais.
Temos uma Lei Antiterrorismo aprovada por Dilma (PT), e para parte desses intelectuais e organizações políticas, são as possíveis "vidraças
dos bancos quebradas" que serão o estopim para Bolsonaro dar um "golpe militar", e não o acúmulo político da classe dominante, escancarado
com mais evidência, desde o golpe que derrubou a presidente em 2016.
A política do Estado policial de ajuste é austeridade e violência e escancara a sua face renovada, dentro do contexto político-social deste
período. Ainda vamos ter que conviver por um tempo com os riscos da contaminação, e buscar formas de lutar nessa realidade. E além disso,
estarmos atentos para a utilização dos mecanismos e tecnologias aplicadas na pandemia em um maior controle e repressão social. Tecnologias
de vigilância, violações de dados pessoais e monitoramento. Aplicação de medidas como quarentenas, fechamento de cidades, toques de
recolher, proibição de manifestações de rua, Garantia de Lei e Ordem ou Estado de Sítio, com suspensão de direitos. A pandemia abriu vários
precedentes e brechas para a repressão a movimentos sociais e manifestações, mesmo dentro do regime democrático burguês, que endurece e cria
armadilhas. Aliado a isso, observamos um estado cada vez mais aparelhado por militares em cargos e secretarias do governo, e um possível
cenário onde a defesa nacional se mescla cada vez mais a políticas de segurança pública, em um país onde a lógica da defesa é a do "inimigo
interno".
Mais uma vez essa dita esquerda coloca a culpa da violência do Estado no povo, na manifestação popular. E não numa decisão estratégica
equivocada que nos levou a uma derrota histórica sem precedentes. Estratégia de subordinar às lutas aos movimentos parlamentares, de
abandonar as periferias e comunidades, de não fazer trabalho de base e de burocratizar qualquer ato que fuja do controle de determinadas
vanguardas políticas reformistas.
Diante das últimas manifestações populares, o PT, e seus satélites do campo democrático-popular, se acovardaram mais uma vez. Repetiram o
mesmo papel histórico do reformismo, buscando sempre o acordo sem luta, a conciliação com o capital para manter o jogo "democrático"
funcionando. Só que o capital não quer mais jogar este jogo.
A Frente Ampla é mais uma proposta de direita, que quer reabilitar o rei das privatizações, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), recolocando no
jogo os mesmos oligarcas da política para novamente apertarem o torniquete no pescoço do povo. E o PT sabe que não pode apoiar a Frente
Ampla da direita, para não perder sua base eleitoral e partidária. Mas também não radicaliza muito o discurso, nem incentiva a ida às ruas,
porque ainda quer acenar para a mesma direita e para o capital, quer se colocar ainda como alternativa "responsável" e "republicana" da
conciliação de classes, mirando as eleições municipais e federais em 2022. Quer uma solução por "cima", sem que haja qualquer ameaça para as
costumeiras e viciadas eleições.
Mas ficar inerte diante da realidade, só pode nos levar a ser atropelado pelas forças reacionárias e golpistas!
E com miséria, falta de saúde e violência não se convencerá o povo a sangrar até as eleições. Então mais uma vez, diante do povo nas ruas, a
esquerda institucional e democrática tem medo, se acovarda, recua, não dialoga com o povo, não se faz presente nos processos sociais e reduz
a ação política ao terreno viciado do parlamentarismo burguês. Para isso, utiliza teorias e aparatos viciados de análise da realidade, quase
"teorias da conspiração de esquerda", enquanto a realidade grita nas ruas.
O que fazer, como agir?
Diante destes cenários o único papel que a esquerda pode assumir nesta conjuntura é buscar todas as formas possíveis de apoiar, mobilizar e
participar de ações que confrontem a política genocida de Bolsonaro e apontem para a anulação de suas medidas anti-povo, racistas e
anti-vida. Tentando manter ao máximo os critérios de saúde e segurança possíveis. Pois o bloqueio do avanço da direita bolsonarista e
ultraliberal não vai se dar pelo Congresso nem pelo STF. Muito menos pelas frentes parlamentares, que inevitavelmente, levarão a acordos
pela direita. Lutar contra Bolsonaro é uma questão de saúde pública e ética, mas a luta vai para além de sua figura, e para além de seu
governo. Pois o capital ultraliberal não quer mais jogar no campo da democracia e da constituição.
Nós, que acreditamos na ação direta, na organização em movimentos populares, defendemos que é preciso ter um papel de protagonista diante a
realidade, elevando o nível da luta diante dos ataques da direita e dos capitalistas. Por isso, é necessário aprofundar o grau de
organização, de segurança, disciplina, de vontade militante, para enfrentar tal conjuntura, que não permite ingenuidade ou nenhuma ação
artesanal.
É preciso reinventar as táticas que possam dar resposta ao contexto social em meio a pandemia. Não ser alvo fácil da repressão ou da
burocratização com táticas repetitivas, nem substituir a ação concreta e de intenção revolucionária pelo palavreado radical vazio, que muito
seduz em forma, mas que não diz nada, se não tem um conteúdo prático, se não organiza, se não constrói e aponta alternativas pelo exemplo.
Não podemos mais ter ilusões que vão ocorrer "giros keynesianos" ou políticas de desenvolvimento por parte do Estado. Não podemos esperar
que o SFT e o congresso, esses fiadores do golpe nos direitos dos trabalhadores, resolverão o problema Bolsonaro. Abandonemos qualquer ideia
de "normalidade" e de solução dentro da república burguesa.
Devemos trabalhar para canalizar a insatisfação de todos/as os/as trabalhadores insatisfeitos com o governo genocida de Bolsonaro em espaços
organizados da nossa classe (sindicatos, movimentos comunitários, estudantis etc.) e impregnar esses espaços de combatividade, independência
de classe, anti-capitalismo e solidariedade de classe, ao invés de somente considerar os trabalhadores como "futuros eleitores" de mais um
projeto reformista que se coloca no horizonte de 2022. Aqui, nossa modéstia e generosidade deve guiar nossa ação política, trabalhando para
incluir cada vez mais amplos setores da nossa classe social, dos oprimidos e oprimidas, ao invés de seguirmos nos mesmos espaços e
categorias clássicas do mundo do trabalho.Fortalecer a ação, a solidariedade e a organização de trabalhadores autônomos, terceirizados,
precarizados e independentes.
É necessário fortalecer as instâncias e campanhas de solidariedade e cuidados de saúde nas periferias, bairros, territórios, escolas e
fábricas onde estão os/as de baixo. Avançar em campanhas que respondam aos anseios e necessidades do povo - tais como a Campanha por Vida
Digna - e ao mesmo tempo o organizem, acumulando força social para aumentar sua força eorganização.
Para nós, militantes da CAB, vivemos mais uma etapa de resistência, um momento crucial. Redobrar os esforços revolucionários e a organização
popular é algo fundamental, para provar que o povo pode lutar e vencer.
http://cabanarquista.org/2020/06/17/os-ultimos-protestos-e-a-classe-dominante-contra-a-saude-publica/
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