(pt) cab anarquista: Dia das professoras e professores: a melhor homenagem é a luta!
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Terça-Feira, 22 de Dezembro de 2020 - 08:42:18 CET
O dia 15 de outubro é conhecido nacionalmente como o dia das e dos professores.
Mas o que temos a comemorar nesta data? ---- A categoria docente, de Norte a Sul
do país, vem sendo alvo de duros ataques tanto no plano discursivo quanto no
plano material - com retirada de direitos, substituição de concursos públicos por
contratos temporários, assédio moral, desmoralização, falta de participação em
decisões que afetam diretamente seu trabalho, entre outras coisas. Quando
protestam contra essa situação, na maioria das vezes são recebidos com bombas,
balas de borracha, spray de pimenta e cassetetes pelo braço armado do Estado.
Esses ataques têm se aprofundado diante da crise sanitária, em que os de cima
impõem às e aos professores duas alternativas igualmente ruins: adequar-se a um
regime de trabalho remoto, que já se demonstrou ineficaz em proporcionar
condições dignas de ensino-aprendizagem, e o retorno às aulas presenciais, que
coloca em risco a vida de toda a comunidade escolar: professoras/es,
funcionárias/os, estudantes e suas famílias.
Do nível básico ao superior, no ensino público e privado, as e os professores
foram obrigadas/os a se adaptar a um ensino remoto precário e improvisado,
implantado, na maioria dos casos, sem o consentimento das comunidades escolares e
acadêmicas e sem levar em conta as condições inadequadas de trabalho e de estudo
que são a realidade de muitas casas de professoras/es e estudantes
precarizadas/os. Na realidade, o chamado ensino remoto é algo ainda mais precário
que a já precária educação à distância, a ponto de algumas entidades e movimentos
populares usarem a expressão "interação remota" ao invés de ensino remoto, já que
é impossível realizar um trabalho digno de educação com tais ferramentas
precarizadas.
Algumas das consequências do regime de trabalho remoto têm sido não conseguir
sanar de forma adequada as dificuldades de aprendizado enfrentadas pelas/os
estudantes ou mesmo saber que parte delas/es não está conseguindo acompanhar o
desenvolvimento da disciplina por impossibilidade de acesso. Além disso, o
trabalho remoto passou a significar, para muitas e muitos professores, trabalho
em tempo integral e prejuízo para sua saúde mental, o que agrava o já alarmante
adoecimento da categoria.
É importante ressaltar que as plataformas dessa interação remota são produzidas
por empresas privadas ou grandes conglomerados da educação e da tecnologia que
possuem objetivos de captar dados de milhões de discentes e docentes, assim como
trabalham para a mercantilização e privatização da educação. Os relatos
frequentes das e dos professores atestam que as plataformas não servem para a
realidade precária da classe trabalhadora brasileira.
O Ensino à Distância (EaD), para além dos objetivos já amplamente discutidos de
precarização e privatização da educação, também aprofunda os ataques à categoria
docente: o EaD possibilita um maior número de alunos por turma e,
consequentemente, um menor número de professores contratados. Exemplos disso
foram os inúmeros casos de demissão em massa de professoras e professores de
faculdades privadas durante a pandemia, o que tende a se aprofundar com a já
anunciada redução das graduações presenciais¹ pelos oligopólios do ensino
superior privado.
Cabe destacar que um dos principais alvos do EaD é justamente a formação docente,
ou seja, os cursos de Pedagogia e Licenciatura, que cumprem a função de capacitar
professoras e professores (com o menor custo possível) para a tarefa de formar as
e os profissionais precarizados do futuro. Para isso, nada melhor do que oferecer
às e aos futuros docentes uma educação mais aligeirada e de menor qualidade, em
que não haja estímulo ao pensamento crítico, mas sim à reprodução de um sistema
que também os explora. Por isso, o EaD também cumpre com o objetivo de
despolitização e desmobilização da categoria docente.
Para além dos ataques já mencionados, as e os docentes também enfrentam ataques
no plano discursivo e ideológico produzidos desde o campo neoliberal até o campo
conservador, que se aliam na tentativa transformar as e os educadores em meros
instrutores, que devem se limitar a repassar conteúdos exigidos pelo mercado de
trabalho. Ainda que estejam localizados no plano discursivo, esses ataques também
geram implicações na formulação de políticas públicas voltadas para a educação.
Produz-se um certo tipo de subjetividade entre docentes e estudantes que esvazia
o sentido crítico e integral da educação e coloca o tema do ensino como parte de
uma discussão "técnica" e não política, social, pedagógica.
De um lado, o Banco Mundial, por meio do relatório "Um Ajuste Justo: Uma Análise
da Eficiência e da Equidade do Gasto Público no Brasil"², atribui os problemas da
educação brasileira a uma "baixa qualidade dos professores": o desprestígio da
profissão estaria relacionado à falta de requisitos para ingressar em cursos de
licenciatura e para contratar professores e não à falta de investimentos nas
redes de ensino e na formação docente inicial e continuada, com melhorias nos
planos de carreira e salários.
No relatório, o grupo responsabiliza as e os docentes pelo baixo desempenho das
escolas em avaliações de larga escala e pelos altos índices de reprovação e
evasão entre as e os estudantes. Segundo eles, questões como a necessidade que as
e os jovens se responsabilizem cada vez mais cedo pelo sustento ou pelo cuidado
da casa não são determinantes para justificar estes números, mas sim questões
como a baixa razão aluno-professor (ou seja, o número de alunos por turma deveria
ser elevado), a baixa produtividade dos professores (que deveriam dedicar mais
tempo a atividades em sala de aula, reduzindo a hora-atividade), o número
excessivo de professores (que seria resolvido com contratos mais seletivos e
menos estáveis e não repondo professores que se aposentarem com novos concursos).
Além disso, o Banco Mundial vê com maus olhos os "generosos" planos
previdenciários dos professores e a progressão de carreira que os possibilita
ganhar mais que o defasado piso salarial: a defesa do Banco Mundial é que a
remuneração docente esteja vinculada ao desempenho das escolas, o que incentiva
conflitos entre a categoria.
Lembramos que o Banco Mundial é um dos principais entes privados que se articulam
em redes com o objetivo de tensionar a formulação de políticas públicas segundo
seus interesses e, portanto, possui influência no gerenciamento da educação
brasileira. A própria Lei 13.415/17 que reformou (ou melhor, deformou) o Ensino
Médio e a formulação da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) são exemplos de
políticas educacionais gestadas no campo empresarial - que, inclusive, passaram a
permitir que parte da carga horária do Ensino Médio (sobretudo na modalidade EJA)
possa ser realizada à distância, abarcando atividades consideradas como "trabalho
supervisionado".
Por outro lado, grupos apoiadores do Escola Sem Partido e seus representantes no
Congresso Nacional e nas Casas legislativas estaduais e municipais promovem uma
desmoralização da categoria docente, atribuindo às e aos professores o papel de
corruptores em potencial, seja promovendo "doutrinação comunista" ou propagando a
chamada "ideologia de gênero" entre as e os jovens. Esses grupos conservadores
defendem que as e os professores devem ser permanentemente vigiados, controlados
e punidos e reduzem o fazer docente a uma mera reprodução de conteúdos entendidos
como neutros e objetivos.
Por trás da ideia de uma educação "neutra", no entanto, reside uma educação que
naturaliza e reproduz a ordem vigente, que é incapaz de intervir no mundo e que,
portanto, é cúmplice das injustiças e violências que nele ocorrem. Nós, por outro
lado, defendemos as potencialidades da educação enquanto ferramenta de leitura e
intervenção na realidade, disseminadora do desejo de transformá-la e de pôr fim
definitivo a toda forma de dominação.
Ao criminalizar toda teoria e prática pedagógica que visa colaborar para que as e
os estudantes construam suas próprias visões de mundo de forma crítica e
autônoma, esses projetos cerceiam a liberdade de cátedra e, por isso, ficaram
conhecidos como "leis da mordaça".
Mesmo que ainda hoje não tenhamos uma legislação a nível nacional que coloque os
objetivos de censura aos docentes do Escola Sem Partido em prática, não são raros
os discursos advindos de figuras públicas que incentivam a denúncia contra
professoras e professores apontados como "doutrinadores", que têm que conviver
com o constante medo de sofrer assédios de estudantes e familiares por
simplesmente cumprirem com a sua função de educadoras/es. Essa situação leva à
autocensura e contribui com o adoecimento da categoria, além de tender a se
agravar com a virtualização do ensino - que amplia as possibilidades de
monitoramento e controle do trabalho docente. Conservadorismo e neoliberalismo,
portanto, se complementam nesse duplo ataque sofrido pela educação. Enquanto o
primeiro grupo persegue os educadores no campo ideológico, o segundo atua
principalmente pra esvaziar e precarizar a já tão sofrida educação.
Como apontamos, os desafios impostos às e aos trabalhadores da educação são
enormes, o que exige respostas à altura. Felizmente, não nos faltam exemplos de
históricas mobilizações no campo da educação que nos apontam o caminho para as
vitórias que almejamos: não há saída fora da luta coletiva, construída desde a
base e unindo professoras/es e estudantes na defesa de uma educação para o povo.
É necessário fortalecer as assembleias das entidades sindicais e estudantis da
educação pública e privada para construir uma saída que vá além dos marcos da
disputa jurídica, mas faça com que um amplo movimento de resistência e luta
popular em defesa da educação tome conta do nosso país.
Por isso, a Coordenação Anarquista Brasileira entende que a melhor homenagem às
professoras e professores é somar-se nesta luta.
Apenas construindo ferramentas de organização que rompam com a desmobilização e a
burocratização e que impulsionem as lutas autônomas e combativas que a conjuntura
exige nós conseguiremos acumular força social suficiente para alterar a atual
correlação de forças dentro e fora do campo da educação.
Professor/a lutando também está educando!
Construir desde baixo a resistência!
Coordenação Anarquista Brasileira
outubro de 2020
Notas:
1. Cogna Educação, maior empresa de ensino privado do Brasil, anuncia corte em
cursos presenciais de graduação.
https://valorinveste.globo.com/mercados/renda-variavel/empresas/noticia/2020/08/24/cogna-vai-reduzir-graduacao-presencial.ghtml
2. O relatório "Um Ajuste Justo: Uma Análise da Eficiência e da Equidade do Gasto
Público no Brasil", de 2017,é resultado de um estudo encomendado em 2015 pelo
ex-ministro da Fazenda do governo Dilma, Joaquim Levy, cujo objetivo era indicar
alternativas para reduzir o déficit fiscal brasileiro através do corte de gastos
públicos.
http://documents1.worldbank.org/curated/pt/884871511196609355/pdf/121480-REVISED-PORTUGUESE-Brazil-Public-Expenditure-Review-Overview-Portuguese-Final-revised.pdf
http://cabanarquista.org/2020/10/15/dia-das-professoras-e-professores-a-melhor-homenagem-e-a-luta/
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