(pt) [Cuba] Mamãe há um elefante branco no banheiro! Crônica das IV Jornadas Primavera Libertária de Havana. By A.N.A. (ca, en, it)
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Domingo, 8 de Setembro de 2019 - 08:37:42 CEST
Inspiradas pelo estranho slogan "mamãe há um elefante branco no banheiro!", ocorreu em
vários espaços sociais desta cidade do Caribe do norte as IV Jornadas Primavera Libertária
de Havana, um espaço sustentado por aqueles que habitam o Centro Social e Biblioteca
Libertária ABRA e as iniciativas da Oficina Libertária Alfredo López e dos Guarda Bosques.
---- Sermos conscientes de que somos um elefante branco em um banheiro desta ilha é como
entender o que o lúcido Ricardo Mella apontou desde o início do século XX, "a razão não é
virtude das maiorias, mas da inteligência desenvolvida no uso da liberdade". E é nesse
sentido que nos esforçamos nestas Jornadas, como nas anteriores, em assumir nossa condição
de minoria, mas conscientes de que no uso da liberdade poderíamos aumentar nossas
inteligências e contribuir para que a mesma liberdade se alargue nesta ilha para além de
nossos próprios egos.
Definimos várias áreas temáticas para esta ocasião: os mais recentes ativismos que foram
delineados em Cuba no calor da atualização do capitalismo estatal; os problemas do
autoritarismo e do antiautoritarismo na educação oficial e nas experiências e
possibilidades na gestão dos espaços pedagógicos autônomos; a revalorização do chamado
Período Especial dos anos 90 do século passado em Cuba (enfrentando o cenário de escassez
e crises de suprimentos que se avizinha novamente) e as contribuições práticas de
desenvolver uma abordagem de resiliência na gestão da vida cotidiana.
O espaço dedicado ao ativismo na manhã de 4 de maio foi um dos menos concorridos, o qual
fala do interesse limitado que persiste em Cuba por tudo o que se trate de reunir-se para
raciocinar sobre o que fazemos como sociedade, mais além do crescente mal estar contra o
Estado. Uma mostra do quanto se calou nas últimas gerações em Cuba as delícias do esporte
de falar mal do governo e suas sequelas de auto-vitimização e autocomplacência, como se os
governantes fossem marcianos insensíveis vindos de outro planeta.
Apesar do exposto e da baixa afluência, foi gerado um diálogo muito raro, onde foram
analisados os procedimentos do ativismo dos direitos pró-animais, que produziu a primeira
manifestação pública autorizada pelo governo cubano nos últimos 60 anos. Houve uma sólida
análise do movimento de ativismo contra a implementação do Decreto 349, que legaliza a
censura e a repressão a todas as práticas artísticas que se desenvolvem fora das
instituições estatais e privadas ligadas à oficialidade e também houve uma aproximação ao
fenômeno das redes autônomas de solidariedade que se desenvolveu no calor da devastação
produzida pelo primeiro tornado conhecido que devastou Havana.
Mais além dos fatos pontuais, o espaço gerou um diálogo incomum entre o que já se define
como três gerações de militantes sociais na ilha; analisamos as potencialidades de tais
ativismos no contexto da degradação social desenfreada em Cuba hoje e, ao mesmo tempo
aprofundamos as limitações da lógica ativista, a fim de superar a mera oxigenação do
despotismo policial stalinista, que precisa maquiar sua imagem decrépita. Por isso, houve
consensos sobre a necessidade de cultivar os espaços de diálogo sobre as perspectivas
estratégicas de ação individual e coletiva com um espírito antiautoritário e
anticapitalista, diante da nova configuração do poder em Cuba que já anseia se estabilizar.
O segundo encontro da Jornada teve lugar em 5 de maio, com uma assistência mais variada e
concorrida, que no final da tarde se tornou muito animada em uma alegria contagiante. Tudo
começou sob o sol ardente de 14h00, com a apresentação de Esse Mundo Chamado Escola,uma
exposição de desenhos de canetas concebidas por dois companheirxs da Oficina Libertária
Alfredo López, que apontou para os efeitos psicomotores produzidos pelos mecanismos de
instrução coercitiva em pessoas desde os primeiros anos de vida. E isso acompanhado por um
texto substancial que explora a centralidade do sujeito no anarquismo e a contribuição de
várixs pedagogxs anarquistas para uma educação não autoritária. A necessidade de
documentar a trajetória histórica do sujeito no movimento anarquista em Cuba se fez sentir
no espaço.
A apresentação desta contribuição levou a um amplo diálogo sobre as experiências dos
presentes sobre o assunto em todos os níveis de educação em Cuba. Apontou-se os efeitos
nefastos que a chamada Revolução Educativa que o falecido Comandante-em-chefe projetou e
implementou, que, entre outras coisas degradou ao máximo o processo de formação pedagógica
dxs docentes e, ao mesmo tempo tecnificou o controle centralizado do conteúdo do ensino em
Cuba, que uma década mais tarde desmoronou, mas sem definir alternativas claras.
Destacou-se ainda o processo simultâneo de desaparecimento de jogos, desenho e trabalho em
equipe entre as crianças, e como parte dela, a mutação de uma matéria como o Mundo Em Que
Vivemos na escola primária que passou de conteúdo geográfico, físicos e biológicos sobre o
nosso arquipélago para a glorificação dos heróis fundadores da casta dominante hoje em Cuba.
Como anarquistas intervimos no diálogo apontando a limitada conduta do pensamento crítico
que quase invariavelmente se concentra na crítica do existente e deixa nas mãos do azar
institucional o que deve ser a busca constante de soluções próprias e refratárias, a
altura da natureza dos problemas detectados.
Felizmente, esta sessão da Jornada contou com a presença de vários membros da família que
têm mantido por quinze anos o laboratório e oficina de jogos de solidários El Trencito,
que mostrou uma outra maneira de interagir com suas circunstâncias, desde a criação de
alternativas relevantes e autônomas, enfrentando os impulsos pessimistas que emanam da
sofisticação do pensamento crítico. Isso levou a uma sessão em que os compas do El
Trencito colocaram em prática uma dinâmica de jogo que teve interação coletiva com um
nível lúdico muito estimulante.
A sessão seguinte da IV Jornada Primavera Libertária foi um espaço que tinha o painel de
diálogo Olhares Antiautoritários ao Período Especial. Um momento muito aguardado e
movimentado da Jornada, onde de diferentes ângulos foram abordados a dinâmica social,
institucional, cultural, etc. que caracterizou uma das etapas em que a presença do Estado
cubano na vida cotidiana foi mais sentida e como a sociedade cubana reagiu a ela e que
experiências podemos tirar disso.
A partir daqui vamos passar a apresentar a experiência do projeto Co-pincha[em cubano
coloquial espanhol "pincha" é trabalho, portanto, "co-pincha" é um trabalho conjunto]de um
grupo de engenheirxs e designers que trabalham para o desenvolvimento de tecnologias e
dinâmicas com base na noção de resiliência e reutilização, a partir do qual eles estão
repensando a relação de engenheiros e tecnólogos com a sociedade, em um contexto de
desabastecimento crescente em Cuba e ainda mais de uma deficiência produtiva evidente, do
que os meios de comunicação oficiais referem suas causas somente ao bloqueio ianque, mas é
relacionado igualmente ao sufocamento criativo imposto pela classe burocrática policial
estalinista sobre a sociedade Cubana.
Xs animadores da Co-pincha propuseram desenvolver uma dinâmica de preparação coletiva de
uma refeição temática com arroz, baseada em um livro de preparação culinária com alimentos
resilientes de baixa estima social em Cuba, uma contribuição para os tempos que correm e
ante os ares de consumismo na miséria que está trazendo a atmosfera de atualizar o modelo
de dominação em Cuba.
Neste espaço foram sentidos os efeitos da divisão social entre trabalho manual e
intelectual, vendo como os mais agudos analistas e críticos podem facilmente se tornar, no
mesmo espaço, os consumidores passivos esperando por aqueles que cozinham e seus ajudantes
sirvam suas criações culinárias, para em seguida se retirarem apressados porque têm outros
compromissos... Estes são detalhes cruciais em espaços autônomos que devemos colocar em
primeiro plano para que eles não se contaminem com os vícios da sociedade da qual nós
reivindicamos ser antagonistas. Este espaço da IV Jornada em um dos locais da Co-pincha
concluiu com um desempenho sonoro coletivo coordenado por um dxs animadorxs do espaço, que
permanecerá como um registro da Jornada e ao mesmo tempo uma experiência criativa em comum
que foi muito incitante.
O último dia da IV Jornada Primavera Libertária foi um momento que deixamos aberto ao
circunstancial e alguém propôs participar de uma sessão do laboratório e oficina de jogos
de solidariedade do El Trencito e de lá somamos ao que estava sendo desenvolvido para uma
marcha autônoma contra a homofobia no movimentado Paseo del Prado. A presença neste espaço
era baixa e no transcorrer da manhã percebemos que nossos compas Jimi e Isbel, midiáticos
ativistas pro LGBTIQ e anarquistas, haviam sido sequestrados pela Segurança do Estado,
para impedi-los de participar da marcha contra a homofobia, ao que iniciamos várias ações
de contra-informação para impedi-los de serem tratados como "mercenários a serviço do
imperialismo dos EUA" e, assim, legitimar sua prisão prolongada.
Depois da experiência reconfortante no espaço do El Trencito, fomos juntar-nos à marcha do
Prado. Ficamos surpresos com o número de pessoas LGBTI que se reuniram lá, as expressões
de júbilo e apoio que as pessoas deram de suas casas e, em contraste, a implantação
grotesca da maquinaria policial que fizeram neste lugar para garantir uma "tranquilidade
cidadã" que nunca foi alterada.
Para aqueles que participaram desta marcha, esta foi uma escola para ativistas. Fomos
capazes de ver a nossa própria dinâmica de confronto com a polícia, as táticas de resposta
intuitiva que os presentes desenvolveram, os procedimentos de desmobilização utilizados
pela polícia e seus testas de ferros para-policiais, a gestão da escalada de violência
verbal a física, a chantagem emocional, as técnicas de controle de multidões e, acima de
tudo, a necessidade prática e sincera de aprender com a existência desses saberes
policiais, de modo a não ser enganado pelo encantamento da palavra "Revolucionária" o nome
pelo qual a polícia nacional é definida em Cuba, pouco diferente da de qualquer Estado do
mundo.
Esta IV Jornada Primavera Libertária de Havana teve momentos muito frutíferos e outros
menos, mas eles novamente demonstraram a sua relevância no contexto atual cubano e
internacional e a necessidade de uma perspectiva antiautoritária, anticapitalista e
antipatriarcal que seja implantada através das mais extensas e variadas áreas da prática
social.
Fonte:
https://f-anarquista-cc.blogspot.com/2019/08/mama-hay-un-elefante-blanco-en-el-bano.html
Tradução > Liberto
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agência de notícias anarquistas-ana
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