(pt) Organização Anarquista Terra e Liberdade: Uma análise sobre o Liberalismo no Anarquismo por D0dds
a-infos-pt ainfos.ca
a-infos-pt ainfos.ca
Quarta-Feira, 31 de Julho de 2019 - 06:56:44 CEST
A Organização Anarquista Terra e Liberdade, fundada no dia 13 de Dezembro de 2011, nasce
do movimento popular do Rio de Janeiro com uma linha estratégica e uma história que
traçava caminhos bem claros: Construir uma organização anarquista, com unidade teórica e
prática, responsabilidade coletiva, e que atuasse como uma minoria ativa nos movimentos
sociais, com foco principal de atuação nas favelas e ocupações, por acreditar no
protagonismo destes lugares e pessoas na construção do poder popular. ---- Com o levante
popular de 2013, o fascínio exercido pelo anarquismo e a divulgação que a OATL alcançou,
provocou o crescimento da organização com um aumento muito grande do número de membros,
mas esse processo unificou pessoas em torno de um falso consenso, sem ter uma verdadeira
unidade teórica e prática, o que foi solo para o desenvolvimento do idealismo e do
individualismo em meio à organização. O resultado disso foram debates cansativos e um
cisma que seguiu com o desligamento de militantes.
Esta nova conjuntura, após 7 anos da nossa fundação e de muitas batalhas travadas, nos
coloca necessidades e desafios que precisam ser encarados com muita seriedade e maturidade
política, superando erros, traçando linhas estratégicas muito bem pensadas, fortalecendo a
unidade teórica e prática do grupo, efetuando uma luta madura e radical contra as
opressões, consolidando a existência da organização política e suas diferenças em relação
aos movimentos sociais (com sua forma e dinâmica interna) criando formas de segurança e
atuação que nos aproxime do nosso objetivo, que é a construção do poder popular.
A partir dessa necessidade de superação de erros e de fortalecimento da unidade teórica a
OATL expõe hoje a sua análise sobre o liberalismo no anarquismo.
1- Uma análise sobre o liberalismo no anarquismo
Uma das frases mais consistentes e impactantes da Plataforma Organizacional dos Comunistas
Libertários, escrita em 1926 por anarquistas russos e ucranianos que se encontravam no
exílio após o golpe de Estado bolchevique na Ucrânia (que chegou a ser uma república
autogerida e libertária no início da Revolução de Outubro), com certeza é essa:
"É muito significante o fato de que, apesar da força e o caráter incontestavelmente
positivo das ideias libertárias, (..) o movimento anarquista permanece fraco a despeito de
tudo".
Já neste texto, os anarquistas e camponeses russos e ucranianos, que fizeram a revolução
de 1917 e derrotaram o exército branco, apontam que alguns fatores responsáveis pela
inexpressividade política do anarquismo e a incapacidade de suas ideias guiarem o processo
revolucionário estão numa leitura desastrosa de alguns conceitos imprescindíveis ao
anarquismo como a ideia de liberdade:
No entanto, sem sombra de dúvidas, essa desorganização se origina de alguns defeitos de
teoria, notavelmente de uma falsa interpretação do princípio de individualidade no
anarquismo. Esta teoria freqüentemente é confundida com a total falta de responsabilidade,
os amantes da asserção ‘eu', com o interesse voltado unicamente para o prazer particular,
agarram-se obstinadamente ao estado caótico do movimento anarquista e citam em sua defesa
os princípios imutáveis do anarquismo e seus professores.
Mas os princípios imutáveis e os professores têm mostrado exatamente o contrário.
Dispersão e quebra de unidade são arruinantes: uma união bem suturada é um sinal de vida e
desenvolvimento. Esta negligência de luta social aplica-se tanto às classes quanto às
organizações.
Eles sentiram na pele os efeitos dessa desorganização, o desastre provocado pela linha
liberal-individualista. Ficaram isolados nas aldeias ucranianas, de armas em punho,
enquanto os "libertários" fugiam da revolução, os intelectuais "libertários" fugiam da
fome e da guerra civil, os autoproclamados "verdadeiros anarquistas" escreviam textos no
exílio os acusando de "bolcheviques", "anarco-bolcheviques", "autoritários", "centralistas".
Os membros da coluna Durruti, na Guerra Civil espanhola (1936-39), receberam os mesmos
adjetivos. Curioso, e nada estranho, é o fato de serem estas as experiências mais fortes e
concretas do anarquismo, onde os princípios da autogestão, do fim do capitalismo pela
coletivização dos meios de produção sob autogoverno dos trabalhadores, do federalismo,
democracia direta, anti-estatismo, ação direta, participação de minorias, valorização da
diferença, se realizaram na sociedade e mobilizaram milhões de pessoas. O que os seus
críticos fizeram? Quantas pessoas as suas ideias mobilizaram? A quantos corações chegaram?
Em que proporção ameaçaram o poder dominante? Essas são perguntas bem atuais. Em tempos de
pós-modernismo e militância em rede social (as novas expressões do liberalismo) é fácil
perceber que estes são os seus seguidores e como conseguem tornar ou manter o anarquismo
como algo inexpressivo, frágil, expressão estética de pequenos grupos de amigos, meros
barulhos de facebook contra uns e outros, além do êxtase com novas "tiradas" teóricas.
Aparelhados com novas armas de discurso nascidas na década de 60, que veremos abaixo, não
deixaram, entretanto, de usar os mesmos argumentos contra todas as formas de militância
organizada, comprometida, séria, dedicada a fomentar os princípios libertários na
sociedade e nos movimentos sociais e tirá-lo do desconhecimento e insignificância
política. Para estes, como para os críticos dos camponeses anarquistas, todos são
autoritários, centralistas, anarco-bolcheviques, marxistas enrustidos, personalistas,
heróis, etc. E quais são os elementos da prática destes que eles acusam? De forma bem
minuciosa, no que tange ao caráter organizativo e de ação, podemos apontar: a exigência e
valor que atribuem à disciplina e responsabilidade, ao planejamento e metodologia,
compromisso com o horário nas atividades, cumprimento de tarefas, participação em
atividades do grupo, dedicação ao coletivo, autoiniciativa, responsabilidade nas ações,
organização coletiva, respeito às decisões coletivas de um grupo, defesa de programas e
linhas táticas e estratégias, formação teórica, identidade ideológica, etc. Tudo isso,
para esse agrupamento de pessoas, é "careta", "moralista", "autoritário", "marxista",
"machista", "racista", "eurocêntrico", "heteronormativo", "velho", "ultrapassado".
O discurso destes militantes, verdade, é bonito, cheio de emoção e parte de questões muito
importantes. Aliás, a crítica à razão e ao "ocidente", um debate filosófico e político
extremamente sério, é constantemente banalizado e fetichizado. Suas ações são marcadas
pelo sentimentalismo, por uma excessiva emotividade, e pelo choro final. Uma militância
orientada por esses "valores" circula entre o entusiasmo eufórico e a tristeza derrotista,
o pessimismo sentimental, o abandono da luta. A fragilidade é a marca dessa militância.
Sob o sentimentalismo, quando estão no topo, com euforia, são incapazes de avaliar com
calma a realidade, as condições objetivas, as forças e passos do inimigo, entregando-se a
ele facilmente. Tudo é "na emoção", na "espontaneidade", "sem metodologia, regras e
controle", afinal, idealizam o conceito de liberdade, acreditam-se livres, indivíduos
autônomos que não aceitam "controle de ninguém". O voluntarismo é outra marca de suas
ações, pois a base do voluntarismo são dois de seus personagens fundamentais: o indivíduo
e a espontaneidade. O voluntarista age por conta própria, seguindo decisões de seu eu, e a
partir de uma determinada situação. Ele age por um impulso, guiado pela sua emoção, e
quase sempre gera grandes prejuízos ao movimento.
São individualistas. Na arte, alguns poemas e canções lindas foram escritas valorizando o
impulso, o sentimento, a liberdade irrestrita, a dor, a tristeza, a espontaneidade, o
prazer, mas na política, e sendo a política uma guerra de posições, conflito, luta,
dureza, isso só pode levar a um nada. E o nada marca a militância da maior parte dessa
tendência. Que força possuem para enfrentar os partidos burocratas, o Estado, e todos os
seus inimigos? Quantos prédios e terras ocuparam? Quantas creches construíram? Quantas
organizações com produção autogerida criaram? Quantas ações coletivas de ampla proporção
moveram contra as diversas formas de opressão? Quando fazem algo este algo logo acaba,
racha, se destrói. Por quê? Porque não acreditam numa perspectiva coletiva, não tem um
projeto de mundo comum, não constroem caminhos para alcançá-lo, negam toda a formação
clássica da esquerda, vivem e se importam apenas com o agora, o presente e os sentimentos
deste presente. Daí a grande impermanência que marca essa militância. Não sabem lidar com
divergências e erros. Colocam a vontade individual acima do que foi construído e do que
precisa ser construído. São liberais, pós-modernos, e é preciso entender porque podem ser
chamados assim e porque levam organizações à ruína.
2 - O pós-modernismo como tendência liberal no anarquismo.
A palavra "no", presente no título deste capítulo, constitui uma tese. Queremos debater o
fenômeno do pós-modernismo, sua teoria e prática, como uma tendência atual NO anarquismo e
não DO anarquismo. Compreender isso é fundamental, pois a luta pelo conceito de anarquismo
como uma experiência radicalmente coletiva, da classe trabalhadora e de todos os grupos
oprimidos em luta pela emancipação, é antiga. Já no tempo de Bakunin, Makhno, Louise
Michel, da plataforma, a luta contra as interpretações liberais e idealistas do anarquismo
era um ponto importante, e o que vemos hoje é a intensificação deste confronto com velhos
e novos elementos. Destacar esse conflito é uma necessidade, pois, devido aos esteriótipos
lançados sobre o anarquismo pelos partidos marxistas, muitas vezes esta concepção liberal
e idealista torna-se a imagem pública de uma filosofia política que para nós, e milhares
de anarquistas, possui sentido oposto. Desta forma, destacamos o que consideramos como as
duas bases filosóficas principais desta tendência: o liberalismo e o idealismo.
2.1 - O liberalismo
O ponto central da filosofia política liberal é o indivíduo como centro do mundo e o
livre-mercado como este mundo. Nesta visão, nascida com a burguesia, o indivíduo deve ser
o início, o meio e o fim "de todas as coisas", realizando-se com perfeição numa sociedade
estruturada pelo capital, com livre-concorrência, propriedade privada, circulação de
mercadorias, exploração do trabalho assalariado e movimentação de mercados mediados pelo
dinheiro. A razão e a forma racional de organização social para os liberais, o Estado,
seriam referenciadas neste novo personagem histórico, jamais visto antes, o "indivíduo". A
propriedade privada é a forma da razão, assim se expressou o filósofo liberal Jhon Locke.
Trazendo este debate para os dias atuais e para o meio anarquista, o liberalismo se
expressa na defesa da liberdade individual como negação de toda forma de organização
coletiva ou de toda forma de organização política que retire a "independência" do
indivíduo autônomo ou o seu protagonismo. Quer dizer, ele define como autoritária,
marxista, bolchevique, leninista, toda forma de decisão e ação que não garante ao
indivíduo a possibilidade de decidir e fazer sozinho. Nos termos militantes, qualquer
forma de centralização, mesmo sendo de base, com a participação deste, sem qualquer
hierarquia ou decisão tomada de cima, como nos moldes do "centralismo democrático"
defendido por Lenin ou na forma do "conselho geral" defendido por Marx na I Internacional
- um dos motivos da cisão com os anarquistas coletivistas - é repudiada por estes
anarquistas. A decisão, em última instância, dizem, cabe à individualidade, ainda que esta
se oponha à decisão tomada por seu grupo e que contou com a sua participação. O
individualismo é a característica central do liberalismo no anarquismo.
2.3 - O idealismo
Um dos princípios em comum entre marxistas e anarquistas, na I internacional, era a defesa
do materialismo contra as tendências idealistas. Na prática, o que isso representava?
Trata-se da contestação de uma visão filosófica que resultava em diversas práticas
voluntaristas, espontaneístas, que destruíam o movimento social. A base desta compreensão
era o lugar que atribuíam à vontade e à ideia. Os idealistas acreditavam que a ideia
determinava o real, que o mundo era a sua representação e vontade. Esta perspectiva levou
e ainda leva o movimento à ruína, pois ele retira da ação uma avaliação concreta,
detalhada, apurada, das condições objetivas do real. Basta, para o idealista, o seu
universo subjetivo, o que considera certo, justo, necessário. São as suas vontades e
ideias que determinam e movem, exclusivamente, a sua ação. Desse modo, se ele acredita,
por exemplo, ser justo deflagar uma greve, ele votará por isso sem considerar qualquer
critério objetivo para o seu êxito. Se julgar importante realizar uma ação direta
específica, ele fará, ainda que esta coloque o movimento, em determinado momento, contra a
sua posição, ainda que esta prejudique todo um movimento de resistência.
2.4 - O pós-modernismo
Quais são os pontos e argumentos principais do atual discurso e prática que identificamos
como pós-moderna?
1) Ruptura com a história. Negação das formas de organização e de pensadores do século XIX
e início do século XX. Todos são tratados, ainda que não explicitamente, como
ultrapassados, superados, etc. A frase emblemática - "Temos que construir a nossa teoria"
- parece muito interessante, mas ela carrega consigo uma prática desastrosa. Rompe o fio
do tempo, o elo entre as gerações e, com profunda arrogância, desconsidera o que outras
pessoas pensaram e fizeram. Desconsidera, inclusive, que o aprendizado é contínuo e se
desenvolve no tempo.
2) A interpretação dos debates entorno da "micropolítica", das esferas políticas do
cotidiano, como superação destas formas organizacionais consideradas ultrapassadas,
conservadoras e autoritárias (o que é um binarismo e uma oposição extremamente
reacionária). No lugar ocupado antes pelas organizações políticas, ela coloca os círculos
afetivos por afinidade, os pequenos grupos de convívio íntimo, onde as pessoas relatam
suas vivências. Internamente, colocam acima de todas as discussões o debate sobre o
"comportamento", sobre as práticas íntimas dos militantes, fazendo do coletivo e das suas
instâncias máximas um espaço, exclusivamente, de discussão sobre a subjetividade de cada
militante, sobre suas práticas cotidianas, deslocando-as de outras esferas e lutas e sem
pensar uma metodologia coletiva para resolver os conflitos. Caem, assim, sempre nos
grupelhos, em pequenos grupos de vanguarda, inexpressivos na vida política.
3) A tese principal, que sustenta o grupo de afinidade, é de que "o pessoal é político".
Cortam uma frase famosa de Malatesta - "Antes de pensar em estabelecer a anarquia no
mundo, devem pensar em tornar-se capazes de viver como anarquistas" - e transformam isso
num lema para tornar os debates entorno do cotidiano dos militantes como os temas
principais ou únicos de um grupo. Esquecem, entretanto, que assim como "o pessoal é
político", "o político não é pessoal". Dessa forma, caem novamente no individualismo
liberal onde o indivíduo decide e faz o que quiser. Esquecem que as contradições
atravessam todas as pessoas e que estes debates, portanto, devem partir de casos concretos
para atuarem como fortalecimento da pessoa realmente agredida e de aprendizado coletivo,
de política coletiva para o próprio grupo e para os movimentos sociais, contra o machismo,
o racismo, a homofobia, a transfobia, lesbofobia, e todas as outras formas de opressão e
dominação.
4) "A vítima decide" é um lema perfeito desta política liberal onde o poder está no
indivíduo. Baseada nela, questiona-se a necessidade de um grupo. Pra que existir um
coletivo onde o indivíduo que decide, no fim? Ah, claro, para dar apoio emocional ao
indivíduo, ao nosso amigue, pois este é o sentido real de um grupo de afinidade. Ainda:
cria-se um sistema de justiça onde a verdade é revelada para além de um discussão, um
debate, e sem a necessidade do acusado falar e de se averiguar os fatos. Em profunda
contradição com seus teóricos pós-estruturalistas, acreditam numa verdade que está ligada
a determinado sujeito a priori. O efeito disso é a conveniência, o oportunismo e a
injustiça. Como estamos num grupo de afinidades, os casos aparecem e são tratadas quando
são convenientes, quando interessam a determinadas pessoas deste círculo de amigos com
convívio íntimo. Cria-se um sistema de justiça mais autoritário e reacionário que o
próprio direito burguês, pois regressamos à política de vingança pessoal, de verdade
ligada a determinadas pessoas - "se o rei disse, aconteceu", e de negação do direito de
fala do acusado.
5) Não acreditam numa revolução social, numa esfera "macro-política" que alcançaria
estruturas e totalidades de uma sociedade. Consideram esta proposta como algo
"messiânico", "religioso", "teológico". Acreditam, somente, em "micro-revoluções",
"revoluções moleculares", transformações no cotidiano do indivíduo e a partir de pequenas
coletividades.
6) Na coletividade pós-moderna não há estratégia, programa, política coletiva, análise de
conjuntura, pautas sociais, mas apenas o que consideram como "apoio mútuo" entre xs
membrxs presentxs. Mesmo os coletivos que não se definem como grupos de afinidades passam
a ser como tais pois movem todas as suas reuniões, discussões, ações, para a resolução de
conflitos e para o apoio emocional de umx membrx específicx (não se delibera, nunca, uma
política geral para um determinado ponto e questão, que alcance todas as pessoas do grupo
e dos movimentos sociais, mas apenas uma política individual). Esta lógica, ainda que seja
sustentada por uma teoria de negação da família como organização social, acaba tornando um
espaço que deveria ser diverso em número de pessoas, bairros, profissões, num círculo
quase "familiar", uma outra família, espaço de amizade, pois o que une essas pessoas é o
apoio emocional ao indivíduo. Vale destacar, aqui, que políticas coletivas de apoio mútuo
são descartadas por estes, já que escapam do plano íntimo e da pessoa próxima, conhecida.
A política pós-moderna é uma política pessoalizada. Só participa dela quem participa do
convívio pessoal.
7) A centralidade do indivíduo e a ilusão da liberdade individual. Esta se mostra quando o
modelo de centralização coletiva das decisões - unidade tática e responsabilidade
coletiva, como as definem a Plataforma Organizacional dos Comunistas Libertários - é
tratado como autoritário, burocrático, "bolchevique". Este confronto acompanha o
nascimento do anarquismo e foi debatido por muitos autores em diversos momentos
históricos. Segundo traço dessa centralidade: cabe ao indivíduo, independente do coletivo,
a decisão em última instância.
8) O vanguardismo. Tratando todos e tudo - fora eles - como conservadores e sustentados em
suas práticas por uma filosofia política (liberal e idealista) que garante ao indivíduo o
poder exclusivo de ação e à vontade "irracional" o direito legítimo e positivo da ação
(resultando, como vimos, no voluntarismo e no espontaneísmo), desprezam o diálogo, o
debate, a conversa, o princípio da comunicação. Como a maior parte das vanguardas
artísticas, desprezam o outro, o leitor, preocupando-se exclusivamente com sua ação, a sua
mensagem e vontade. Agem impulsivamente, transformam a palavra de ordem "rebelar-se é
justo" e o lema "não confunda a violência do opressor com a reação do oprimido" num dogma
simplista e inquestionável que visa protegê-los da crítica. Sendo justa e boa qualquer
ação do oprimido, independente do contexto, não aceitam dialogar sobre suas práticas,
fazem ações diretas sem relação com o momento e com as pessoas de uma coletividade.
Consequentemente, caem num isolamento completo da "massa" reacionária e opressora,
culpabilizando-a.
9) A representatividade do capital. Desde 2013, sobretudo, considerando o campo da
militância política, algumas discussões tem se destacado, entre elas o tema da
representatividade e do centralismo. Desde sempre, na esquerda, algumas figuras
hegemônicas na sociedade exerceram o protagonismo, o lugar maior de visibilidade, fala e
expressão. Homens, brancos, europeus, héteros, cis e, em determinado local e tempo
histórico, membros da classe média e intelectuais, apareceram muito mais como os grandes
lutadores, pensadores, militantes. Eram mais ouvidos, lidos, e um dos motivos era a série
de privilégios que possuíam. A crítica, na década de 60, à ideia da representatividade -
que expandiu os limites da eleição e atingiu a ideia da verdade e o nível do discurso -
saiu dos muros da academia e chegou aos movimentos. No anarquismo e meios libertários,
questionou-se o protagonismo destas figuras, apareceu em questão o lugar de fala e a série
de privilégios existentes nos meios de esquerda. Fora desse campo ou às vezes dentro dele,
fortaleceu-se, por outro lado, passivamente e de modo acrítico, a distância com o discurso
de classe e passou-se a exaltar mudanças dentro do sistema (ao invés de rupturas) que são
cooptadas ou feitas pelo mercado. Essa via fortaleceu a perspectiva liberal, pautou as
questões a partir do indivíduo, do mérito, da conquista individual, e estimulou e
valorizou figuras de poder e riqueza como príncipes e executivos negros, número de
mulheres que são gerentes de empresa e donas de ações, etc. Sem uma perspectiva
anticapitalista, integrada às questões de classe a totalidade de um sistema, levou o
importante questionamento do sistema de privilégios e protagonismos nos meios de esquerda
e na sociedade à uma via, exclusivamente, de integração ao sistema do capital. É preciso
ressaltar! Questionar isso, de modo algum, implica em não apoiar as ações afirmativas,
políticas específicas para lgbts, mulheres e outros grupos oprimidos. Mudar a cor de uma
universidade, o número de médicos, é importante sim! Agora isso não pode aparecer numa
perspectiva capitalista e liberal. Não, as ações afirmativas, ainda que necessárias hoje -
justamente porque existe capitalismo e racismo -, não vão tornar brancos iguais a negros.
As oportunidades não serão iguais e, entre os ricos e pobres, a "representatividade" nunca
será igual. A presença cada vez maior de atrizes e atores negros na televisão, por
exemplo, é um aspecto positivo sim na questão da valorização da diversidade, da
auto-estima, da valorização de si, no ponto de vista de quem sofre racismo na pele, mas é
muito pouco e pode ser muito suja quando guiadas por empresários que buscam apenas
mercados de consumo com a estética negra. Neste caso, querem manter o lugar de objeto às
mesmas pessoas.
Como o eixo de teoria dessa tendência é a fragmentação - eles pegaram a crítica aos
estruturalistas na década de 60 e fizeram o que bem entendiam -, eles afirmaram uma via
boa para o capitalismo, algo, inclusive, bem velho, pois o capital já havia operado dessa
forma quando foi confrontado com a luta radical e revolucionária das minorias na década de 60.
3 - Reapresentação da organização, dos seus princípios teóricos, estratégicos e ideológicos.
A OATL é uma organização revolucionária específica anarquista de minoria ativa. Nos
organizamos em torno de um programa estratégico e histórico, visando como objetivo final a
construção do socialismo através da disseminação e fortalecimento dos Organismos
Populares, o desmantelamento do Estado e do centralismo político, a expropriação das
classes dominantes e o fim da exploração capitalista e de todas as opressões e dominações.
Entendemos o anarquismo como uma corrente do socialismo, um socialismo contra o Estado e
federalista. Como um produto histórico das lutas da classe trabalhadora brasileira e
internacional, contra o imperialismo, contra a dominação e repressão estatal e contra as
opressões dentro do próprio seio da nossa classe.
A organização revolucionária dos anarquistas é uma necessidade histórica e estratégica de
um projeto político que conduza para ruptura revolucionária, que garanta a vitória do povo
na consolidação de uma sociedade de transição temporal sem classes e contra Estado, no
qual o povo avança em suas expropriações, coletivizações e vitórias militares sobre a
reação. Desta maneira, a organização revolucionária dos anarquistas é o recipiente que
recolhe os frutos do trabalho militante para que não se percam as experiências de luta da
nossa classe, dando sentido, continuidade e direção no trabalho social.
Defendemos:
1. O materialismo como método para entender a sociedade, porém um materialismo
economicista não é suficiente; são os problemas concretos e objetivos da classe
trabalhadora que pautam a nossa luta e nosso método de análise da realidade; são as
condições dadas pela influência mútua de fatores políticos, sociais, econômicos,
ideológicos, culturais e ambientais colocam as possibilidades de construção dos caminhos
da revolução e que ordenam o devir histórico. Rejeitamos, assim, o idealismo, o
individualismo, o pós-modernismo, o voluntarismo e o coleguismo.
2. Que a luta pelo socialismo parte do princípio do classismo e da independência de
classe, isto é, é só a mais completa emancipação, econômica, política e subjetiva das
classes trabalhadoras e de todos os povos que caracterizam a função máxima da revolução
social. Entendido como a base da igualdade econômica, o socialismo só existe quando a
produção está sobre controle da classe trabalhadora auto organizada.
3. O federalismo - a negação e a destruição do Estado, a Anarquia, a sociedade contra o
Estado, do autogoverno dos povos. Da base ao topo, o controle de todas as esferas da
sociedade deve estar nas mãos da classe trabalhadora, organizados federativamente em torno
da realização das demandas sociais e sua transformação, gerindo a sociedade, negando e
destruindo o aparato estatal. É a base da igualdade política.
4. A ação direta como instrumento de ação coletiva da classe, pois a emancipação da classe
trabalhadora e dos povos oprimidos é obra de seu próprio e mais revolucionário esforço.
Isso significa o não-colaboracionismo com os aparatos burgueses (polícia, forças armadas,
judiciário e parlamento).
https://terraeliberdade.org/uma-analise-sobre-o-liberalismo-no-anarquismo/
Mais informações acerca da lista A-infos-pt