(pt) [Espanha] "A liberdade não tem fronteira, começamos Rojava e vamos seguir até o final" By A.N.A.
a-infos-pt ainfos.ca
a-infos-pt ainfos.ca
Domingo, 21 de Abril de 2019 - 08:48:57 CEST
Conhecer-se. Falar. Cuidar-se. Essa é a base desde a qual se constrói a revolução. ----
"Que classe de mulher queres ser? Que vida queres levar?", pergunta a comandante Arian a
suas companheiras das YPJ (Unidades de Defesa das Mulheres). Muitas não sabem o que
responder. Olham o chão, suas mãos, seus rostos refletem a imensidade da pergunta. Nunca
se questionou que vida escolhem para si mesmas, que mulher querem ser ou em que entorno
querem viver. "Se não nos conhecemos não podemos triunfar", explica Rohash Shexo,
representante na Europa da organização Kongreya Star, guarda-chuva que acolhe as
organizações de mulheres do Curdistão e que pretende extender a revolução da emancipação
da mulher a todo Oriente Médio. "A revolução se constrói sobre a experiência", e a
primeira coisa é nos conhecermos e nos organizarmos.
Ainda que Rohash tenta nos pôr na pele do povo curdo, é difícil alcançar a compreender a
experiência destas mulheres revolucionárias e de um povo que sofreu 74 genocídios em sua
história. Eriça os pelos da pele, as lágrimas brotam dos olhos, reações puramente físicas.
Para interiorizar suas palavras é preciso de dias. Semanas. Meses. "Sinto falta de minhas
companheiras, a luta, a guerra. Sinto falta de compartilhar sua dor e suas dificuldades, e
compartilhar também a alegria da liberação. É algo incrível sofrer e depois desfrutar da
liberdade", descreve a comandante Arian. E outra vez a pele de galinha.
‘Comandante Arian' é o filme documentário que se projetou na jornada ‘Rojava: Revolução
de Mulheres' que organizamos a CNT Comarcal Sul Madrid com Rojava Azadi, e que contou com
a participação de Rohash Shexo, que narrou em primeira pessoa a história da mulher curda e
seu povo. Ante um salão de atos lotado, Rohash expressou sentir-se "como em Rojava" e
mostrou sua alegria ao constatar o interesse que desperta sua luta e o perto que nos
sentimos deste povo e sua revolução. Uma revolução que começou em 1980 com a luta das
mulheres para conquistar seus direitos e alcançar a dignidade para seu gênero. A tirania
que sofria a mulher se explica em um exemplo estremecedor que narra o filme. Uma vizinha
de Arian, de 12 ou 13 anos, foi violada e ficou grávida. Quando sua família a encontrou e
descobriu seu estado, a assassinou. Arian teve claro desde pequena que queria ser
guerrilheira. Que não queria essa vida para ela nem para suas irmãs mulheres. E com 30
anos liderou um batalhão de mulheres que lutou contra o Daesh e conseguiu expulsá-lo de
Kobane, "o coração do Curdistão".
"Por que as revoluções árabes não triunfaram? Por que a revolução curda sim?
Organização". Uma ideia na qual insiste Rohash. Organização das mulheres e da sociedade.
Paralelas e independentes, mas unidas e relacionadas. Quando as cidades árabes começaram a
levantar-se a partir de 2011, "o povo não o planejou, por isso o resultado foi uma guerra
civil", explica Rohash. A população curda e suas mulheres estavam organizadas desde os
anos 80, e sua revolução prosperou sobre a base da liberação da mulher.
Quando a primavera árabe começou na Síria, os curdos do norte do país aproveitaram para
liberar-se de décadas de opressão que haviam sofrido sob o regime Baazista e para
desenvolver a chamada "terceira via", conhecida como Confederalismo Democrático: um modelo
baseado em promover direitos igualitários entre pessoas de diferentes etnias, religiões e
gêneros. A organização funciona através da autogestão e aproximadamente 4 milhões de
pessoas vive sob esta administração.
A sociedade em Rojava se organiza de baixo para cima em comunas e assembleias, tal e
como explicou Rohash. As comunas são a base da sociedade que gestiona o que lhes afeta
diretamente e que por sua vez está encarregada de escolher os e as representantes que
integram as assembleias, e assim sucessivamente nos diferentes níveis organizativos.
Sempre de baixo para cima. Sempre mulheres e homens.
Na evolução da revolução curda uma data importante é 2005, ano em que as mulheres
criaram a organização guarda-chuvas Kongreya Star (a que pertence Rohash) para impulsionar
a liberação da mulher mediante sua formação e defesa, apoiando-se no Movimento de Mulheres
Curdas, com 30 anos de experiência. Seu trabalho se converteu nos cimentos da organização
de mulheres e tornou possível a participação da mulher em todas as estruturas políticas e
sociais de Rojava. O único requisito para pertencer a Kongreya Star é a necessidade de que
a mulher esteja previamente envolvida na organização da sociedade. "Em qualquer sociedade,
se a mulher não está organizada não tem um papel", aponta Rohash.
Para desenvolver e aprofundar a revolução, criaram os denominados Comitês, 10 no total,
nos quais está integrada toda a sociedade e cada um versa sobre um tema específico:
político, social, economia, autodefesa, acadêmico...Nas questões que afetam diretamente a
mulher, são elas que tem sempre a última palavra.
A participação da mulher na luta armada é vista também como um aspecto estratégico,
porque "enquanto não participem em todas as áreas da luta e das instituições não poderão
alcançar a igualdade de gênero". As YPJ, integradas unicamente por mulheres, foram criadas
em 2013 para defender a mulher da ameaça do Daesh, "que valoriza mais um pedaço de pano
que a vida de uma mulher", explica Rohash. "As forças armadas nunca quiseram entrar em
batalha. Nos obrigaram para proteger nossos direitos e a identidade da mulher curda.
Estamos obrigadas a lutar pela liberação da mulher", insiste Rohash, ao tempo que recorda
que as mulheres curdas "tentaram sempre levar a paz, demostrar ao mundo que somos um povo
que queremos viver em paz".
O trabalho destas mulheres é ademais duplo: contra o Daesh e contra o patriarcado. Por
isso "cada casa em Rojava é uma academia", sustenta, um passo necessário "para mudar a
mentalidade do homem".
Falar e escutar a Rohash surpreende pela segurança de suas palavras e a amplitude de seu
pensamento. Os princípios ideológicos nos quais se assenta a revolução não reconhece
estados nem fronteiras. "Muitas pessoas nos perguntam por que não queremos um estado do
Curdistão. Nós dizemos que para ter um estado, uma pessoa que nos governe, não o queremos.
Para isso não teríamos feito tantos sacrifícios". As fronteiras, "símbolo do capitalismo",
tampouco as aceitam: "Quando vives livre não existe o sentido de fronteira".
"Hoje digo sou mulher curda, mas antes de tudo sou mulher. E quando digo sou mulher eu sou
a voz de todas as mulheres e todas as mulheres são minha voz. Assim como com os seres
humanos", e a sala estoura em aplausos. Rohash termina: "A liberdade não tem fronteira,
começamos Rojava e vamos seguir até o final".
CNT Comarcal Sul Madrid
http://fcs-villaverde.cnt.es/la-libertad-no-tiene-frontera-hemos-empezado-rojava-y-vamos-a-seguir-hasta-el-final/
Mais informações acerca da lista A-infos-pt