(pt) [Nova Zelândia] Algumas reflexões sobre a tragédia de Otautahi / Christchurch By A.N.A.
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Sábado, 6 de Abril de 2019 - 09:16:27 CEST
Faz pouco mais de uma semana duas mesquitas da Nova Zelândia foram atacadas por um
supremacista branco que portava quatro armas de fogo. 50 pessoas morreram, outras 50
ficaram feridas. O pistoleiro transmitiu o ataque por streaming na Internet e o vídeo foi
compartilhado rapidamente. Também publicou um manifesto de 78 páginas que resume sua
mentalidade e por quê levou a cabo o ato que cometeu. ---- Desde então, se debateu muito
sobre o passado colonialista da Nova Zelândia, sobre seus próprios grupos de
extrema-direita e sobre a existência do racismo na sociedade da Nova Zelândia em geral.
Todas estas são conversações importantes que devem ter, mas que realmente não podem
explicar o que aconteceu neste caso e por quê. Se tratou de um evento internacional que
ocorreu na Nova Zelândia.
Para entender realmente a natureza da aparição do racismo e a supremacia branca, logo o
sistema atual no qual vivemos, o capitalismo deve ser examinado, e ver como este utilizou
o racismo e continua usando-o em seu próprio benefício para controlar e dividir os
trabalhadores. Também requer uma análise cuidadosa de quem se beneficia com a opressão
racial. Simplesmente etiquetar os recentes ataques fascistas como algo inusual, ou como
ato de um indivíduo "malvado" não é suficiente.
O capitalismo está entrelaçado com o racismo. Como ideia, foi desenvolvida e utilizada
para ajudar a justificar a colonização e a escravidão. Seu uso como uma forma de
discriminação e opressão se utilizou para criar e justificar altos níveis de exploração e
foi um fator importante no desenvolvimento do capitalismo. O fim das estruturas racistas
mais claras como a escravidão e o império[britânico]não enterraram o racismo.
O racismo sobrevive como uma ideia e como uma prática, já que segue cumprindo duas funções
chaves no capitalismo. Em primeiro lugar, permite aos capitalistas obter fontes de mão de
obra barata, não organizada e altamente explorável. Por exemplo: imigrantes e minorias. Em
segundo lugar, o racismo permite que a classe dominante capitalista divida e governe a
classe trabalhadora, já que se utiliza para fomentar as divisões dentro da classe
trabalhadora local. Se usa o clássico bode expiatório dos imigrantes e refugiados que vem
"tirar-nos o emprego e a moradia". Enquanto que no exterior se reforça a imagem da Nação
Estado utilizada para criar um sentimento de superioridade sobre os demais trabalhadores
de outras nações, criando uma aparência de interesse comum entre os trabalhadores e os
capitalistas de uma raça ou nação, com quem na realidade os trabalhadores não tem nada em
comum.
Não faz falta dizer que necessitamos contra-atacar estas ideias. O racismo não beneficia a
nenhum trabalhador. Inclusive os trabalhadores que não estão diretamente oprimidos pelo
racismo perdem com o racismo porque divide a classe trabalhadora.
Apesar disto, muitas pessoas da classe trabalhadora geralmente apoiam o racismo devido à
hegemonia capitalista sobre as ideias. Os capitalistas não simplesmente governam pela
força, também governam promovendo uma visão do mundo capitalista. Alimentam as ideias da
classe trabalhadora de superioridade e orgulho nacional e racial através do sistema
educativo, dos meios de comunicação e da literatura. Não podemos subestimar o impacto gota
a gota desta propaganda ao longo de uma vida.
Outro fator são as condições materiais da própria classe trabalhadora. A pobreza deixa as
pessoas abertas às ideias de poder orgulhar-se de sua superioridade sobre outra quando seu
próprio status econômico e social é baixo. As pessoas da classe trabalhadora também
estamos presas na competição por uma quantidade limitada de empregos, moradia e outros
recursos, e é fácil aproveitar qualquer privilégio que possamos receber.
Com a crescente perda de muitos empregos devido à tecnologia, a crescente precariedade do
trabalho e a estagnação e a queda dos salários, muitos membros da classe trabalhadora
branca perderam a segurança que uma vez deram por certa. O ressurgimento da supremacia
branca representa a ansiedade por um descenso às condições que o capitalismo e o racismo
haviam deixado escapar para a maioria dos brancos.
Se, como afirmamos, é o capitalismo o que gera continuamente as condições para a opressão
e a ideologia racista, se deduz que a luta contra o racismo só pode se realizar de maneira
consistente mediante a derrocada do sistema capitalista. No entanto, a derrocada do
capitalismo requer a unificação internacional da classe trabalhadora, independentemente da
cor e da nacionalidade.
Não se trata de argumentar que a luta contra o racismo deve adiar-se até depois da
revolução. Ao contrário, defendemos que só uma classe trabalhadora unida pode derrotar o
racismo e o capitalismo e que uma classe trabalhadora unida só pode construir-se sobre a
base da oposição a todas as formas de opressão e prejuízo e ganhar o apoio de todos os
membros da classe trabalhadora. A todos os trabalhadores interessa apoiar a luta contra o
racismo.
Proibir os rifles de assalto, pedir aos provedores da Internet que bloqueiem o acesso a
certos sites, exigir que os espiões espiem à direita não terminará com o racismo. Tampouco
estamos buscando soluções com os políticos quando eles mesmos foram geralmente
responsáveis por ajudar a fincar as bases deste ataque. Tem que ser o trabalho das pessoas
comuns da Nova Zelândia.
O antirracismo deve ocupar uma alta prioridade nas atividades de todos os anarquistas.
Isto é importante não só porque sempre nos opomos a toda opressão, mas também porque esse
trabalho é essencial para a tarefa vital de unificar a classe trabalhadora, uma unidade
sem a qual nem o racismo nem o capitalismo podem terminar. O mundo que necessitamos criar
não deve conter uma categorização racial, nem "brancura e nem capitalismo. Uma forma
crucial de trabalhar para um mundo assim é defender os marginalizados aqui e agora. As
comunidades devem ir em defesa das pessoas de cor.
Os perigos da política de identidade branca devem ser explicados aos membros brancos em
sua própria comunidade e locais de trabalho. Qualquer esperança de construir um movimento
antirracista requer que os radicais brancos instruam a outros brancos para identificar que
o progresso para os demais grupos étnicos significa que todos os trabalhadores nos
beneficiamos e que seu ascenso não significa que outros tenham que cair. Temos que
desafiar àqueles que dizem "talvez a imigração seja demasiado alta" ou "os muçulmanos são
diferentes". Temos que evitar que os políticos e os comentaristas dos meios de comunicação
usem suas plataformas para abusar dos muçulmanos e dos imigrantes para obter pontos políticos.
Sem este tipo de ações, a extrema-direita continuará ganhando posições entre a classe
trabalhadora branca a medida que se apresentem como a alternativa que buscam, e encontram,
as respostas no mundo mutável que nos rodeia.
Necessitamos combater qualquer organização fascista em público, sem nenhuma exceção.
Quando os fascistas se sentem livres para organizarem-se em público, seu discurso se
normaliza e os partidários podem ganhar força e confiança com isto. Ademais, a organização
fascista é uma ameaça para a vida das pessoas que se convertem em bodes expiatórios. Não
os deixes enganar pelos argumentos a favor da liberdade de expressão, estas pessoas não
estão interessadas no debate, estão convencidas de suas ideias e só querem o Poder.
No entanto, deve se recordar a todo momento que o racismo não pode ser combatido só pelo
antirracismo. A luta contra o capitalismo e a luta contra o racismo são duas faces da
mesma moeda. Um não pode ter êxito sem o outro. A ultradireita tem sido boa ao apresentar
uma visão de uma alternativa ao descontentamento, temos que fazer o mesmo e devemos
fazê-lo melhor, já que toda nossa visão de um futuro igualitário com tudo incluído é mais
gratificante.
Uma coisa mais para refletir seria que o clamor comum a partir do tiroteio foi "isto não é
o que somos", mas devemos recordar que não há nenhum "nós" que abarque a todas as pessoas
de Aotearoa / Nova Zelândia. Este país, como todos os demais no mundo, é uma sociedade
dividida em classes, formada por classes opostas, com interesses de classe em conflito, e
só uma dessas classes governa, a classe capitalista. Essa é a classe que representa
Jacinda Ardern, e entre toda a glorificação da Primeira Ministra, isto deve ser tido em
conta. Se bem podemos buscar os valores comuns que nos representam como trabalhadores
explorados e a resposta do público da Nova Zelândia ao unir-nos foi reconfortante, não há
valores comuns entre a classe dominante e os nossos. Jacinda Ardern, apesar da forma em
que manejou a tragédia, como representante da classe dominante e suas instituições que
levaram ao supremacista branco que levou a cabo este ataque é parte do problema, não a
solução.
Fonte: http://awsm.nz/2019/03/25/some-reflections-on-the-christchurch-tragedy/
Tradução > Sol de Abril
agência de notícias anarquistas-ana
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