(pt) [GT Gênero da CAB] MULHERES CONTRA A VIOLÊNCIA PATRIARCAL, O ESTADO POLICIAL E O ASCENSO FASCISTA NO BRASIL E NO MUNDO by Coordenação Anarquista Brasileira (CAB)
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Quinta-Feira, 29 de Novembro de 2018 - 08:08:52 CET
"Se me matam, levantarei os braços do túmulo e serei mais forte" -- Minerva Mirabal ----
Neste 25 de novembro, dia internacional de combate à violência contra a mulher, nós,
mulheres anarquistas das organizações que constroem a Coordenação Anarquista Brasileira,
propomos uma reflexão sobre o significado da data e convidamos todas e todos a somarem-se
na luta contra as violências machistas e patriarcais. ---- Esta data foi instituída em
homenagem às irmãs Minerva, Patrícia e Maria Teresa Mirabal, assassinadas em 25 de
novembro de 1960 pela polícia secreta durante o regime do ditador Leônidas Trujillo. As
Mariposas, como eram conhecidas, tinham uma trajetória de militância e resistência contra
o regime autoritário. Tiveram seu veículo interceptado, sendo assassinadas e jogadas em um
barranco, afim de fazer parecer que haviam sofrido um acidente. Desde 1981 este dia
tornou-se marca da luta das mulheres latino-americanas contra as violências que nos acometem.
A desigualdade de gênero é um fato construído historicamente, presente na maioria das
sociedades humanas e nenhuma nação do mundo concede às mulheres os mesmos direitos dos
homens. A violência contra as mulheres é uma das mais graves violações de direitos
humanos, mantida através de mecanismos subjetivos, materiais e simbólicos que a naturaliza
e justifica sob múltiplas formas. Sendo assim, a desigualdade de gênero é um dos elementos
mais fortes e antigos de dominação que estrutura a ordem hierárquica de nossas sociedades.
Quando falamos sobre violência contra a mulher, queremos reforçar que ela diz respeito a
um conjunto de praticas inseridas em nosso cotidiano. Desde a exploração física de nossas
forças produtivas e reprodutivas, sobre formas como o estupro (presente na prostituição,
pornografia, pedofilia e etc.), a retirada do controle de nossa própria natalidade (aborto
criminalizado e ilegal, falta de políticas públicas de saúde - da mulher, dominação dos
conjugues, etc.), trabalho domestico não remunerado ou em condições precárias, assédios
morais/sexuais no espaço de trabalho e/ou estudo, privação do acesso a educação e ao
patrimônio, além de torturas psicológicas e/ou física. Ou seja, tudo aquilo que nos impede
de sermos vistas, compreendidas, respeitadas e aceitas como seres humanos. Em muitas
partes do mundo, desde a antiguidade, mulheres são excluídas do status de pessoas com
direito à dignidade. Atualmente, nas sociedades capitalistas, patriarcais, racistas e
classistas que se espalham pelo globo, essas formas de violências são mantidas,
atualizadas e acobertadas por leis injustas, impostas por governos conservadores e
neoliberais - a exemplo dos crimes chamados de "passionais", que nada mais são do que
Feminicídios.
O patriarcado funda um código social de honra que é masculino e se dá por meio do controle
das mulheres e da disputa com outros homens. Esse código é construído, sobretudo, com base
em uma sexualidade ativa (fálica) imposta a uma suposta passividade da mulher, esse jogo
binário legitima os padrões de masculinidades tóxicas e violentas. É a imposição do
sujeito sobre o objeto - a mulher. A lógica masculinizante nos impõe certos papéis que
devem ser socialmente interpretados, em que qualquer desvio está sob pena de punição.
Nessa lógica, os homens exercem uma violência disciplinar sobre as mulheres. Assim, ao
autor da violência nunca é atribuída a responsabilidade: "Ele bateu porque ela provocou,
estuprou por causa da roupa, porque ela saiu na rua na hora errada." ,"Estuprou para ela
aprender a ser mulher". Porque nós, mulheres, não exercemos o papel moralizante que os
homens pensam que lhes cabe nos impor.
O estupro, autorizado pelo erotismo agressivo do masculino ocidental, é uma forma perfeita
de assassinar a(s)identidade(s) do feminino. Não à toa é pensado e utilizado como arma de
guerra há séculos. E atualmente continua sendo estratégia corretiva e coercitiva no
cotidiano de guerra que é existir enquanto mulheres, racializadas, lésbicas, pobres e em
tantos outros lugares de vulnerabilidade. Quando no final do ano de 2017 aqueles 18 homens
de uma Comissão especial da Câmara dos Deputados aprovaram o texto da PEC 181/2015 (que
impede a interrupção da gravidez inclusive em casos de estupro ou risco de morte para a
mãe), celebraram a manobra que realizaram, celebraram mais uma forma de matar o feminino.
Se sentem no direito de decidir sobre nossos corpos, e nos negar nossa autonomia, nossa
liberdade de escolha sobre nossos próprios órgãos. Religião, estado e família tentam
arrancar a agência de inserção nas relações sociais e nos tornar meramente corpos à
disposição. O que acontece é a tentativa de uma demonstração de superioridade de forças
(física e política), com o intuito de nos submeter. Não podemos deixar de mencionar também
que as mulheres que mais sofrem com a criminalização do aborto, são as mulheres pobres,
negras e periféricas, que se vêm negadas de acesso a políticas públicas de saúde,
prevenção e subsistência.
No caso da América Latina, assim como em outras sociedades estruturadas pelo marco inicial
do estupro colonial de mulheres nativas e trazidas pela diáspora e do racismo criado por
um regime de escravidão que fundamenta o capitalismo global, nós mulheres, sobretudo
negras, indígenas, nordestinas e periféricas, enfrentamos uma verdadeira guerra para
sobreviver. Esse ciclo iniciado na exploração colonial mostra que as consequências dessa
violação foram e continuam sendo a concepção de nova\os sujeita\os possíveis de serem
escravizada\os e submetida\os. Quando os homens e o Estado (como uma extensão ampla do
poder patriarcal) interferem na autogestão dos nossos corpos, estão controlando
mão-de-obra para a exploração capitalista. Seja nas questões de controle demográfico e
aborto, seja na exploração do trabalho doméstico e de cuidado, não remunerados.
As violências nos atingem no espaço doméstico, no trabalho, na rua, na escola, na
militância e em tantos outros ambientes e situações. Enfrentamos violações e assédio
sexual por parte de conhecidos, desconhecidos, por parte dos Estados. Nossos direitos não
são respeitados e nós acompanhamos cada vez mais a retiradas dos mesmos, conquistados por
tantos anos de suor e sangue.Em muitos locais ainda não temos acesso à educação, à saúde,
à moradia digna, a água, a luz, trabalhamos mais e recebemos menos, nos tornamos mães cada
vez mais cedo e quase sempre assumimos uma criança sozinhas (pelo abandono dos
companheiros muitas vezes até antes da criança nascer), enfrentamos a violência e o
assassinato dos nossos filhos e filhas nas periferias, somos chefes de família e perdemos
o sono para plantar, colher e colocar comida na mesa, não conseguimos creches para nossos
crianças, somos ridicularizadas e desrespeitadas todo tempo, tratadas como objetos na
maioria das propagandas na TV, que sexualiza nossos corpos para vender mercadorias que nem
sequer tem algo a ver conosco. Enfrentamos a violência da pobreza que nos mata de fome, da
miséria que nos desumaniza, do estado que toma nossos territórios, casas, pertences, e
destrói nossos recursos naturais, morremos em abortos inseguros, morremos assassinadas por
sermos mulheres: 13 vezes por dia no Brasil (dado de registro desde 2013). Sem falar dos
crimes de ódio cometidos contra mulheres trans e travestis no país que mais mata LGBT,s no
mundo, e que vem crescendo cada vez mais com a onda conservadora e neopentecostal hoje
ativa no Brasil.
No marco dessa conjuntura de reconfiguração do capitalismo financeiro, ajuste fiscal e
estados policiais, a farsa da democracia burguesa vai representar cada vez mais um inimigo
violento aos nossos direitos. Nossos corpos sempre foram territórios de disputas,
negociações e butim de guerras. Muitos são os exemplos de como a violência ceifa a vida
das nossas. Não esquecemos do corpo de Claudia Silva Ferreira, mulher preta, periférica e
mãe, arrastada pela policia no asfalto por 350 metros. Não esquecemos de Luana Barbosa
Santos, mulher preta, periférica, lésbica e mãe, espancada e morta pela policia
principalmente por não performar feminilidade. Não esquecemos Marielle Franco , mulher
preta, lésbica, liderança, vitima de um assassinato escancaradamente político. Não
esquecemos da travesti morta a facadas por quatro homens que gritavam por ‘Bolsonaro', que
assim como tantas outras travestis e transsexuais não tem nem nome nas reportagens. Não
esquecemos de tantas mulheres indígenas, expulsas de suas terras e mortas, por violências
que são físicas, psicológicas e espirituais.
A eleição de Jair Bolsonaro é mais um acontecimento dentro do fenômeno de organização de
uma extrema direita, de uma retomada neoliberal e fascista que representa, no Brasil, na
América Latina e no mundo a atualização e o aprimoramento da violência organizada dentro e
fora dos marcos institucionais. Tendo nós, mulheres, como um dos principais alvos. Temos
contra nós ataques de setores conservadores, dos senados e congressos, de grupos
religiosos, de homens do nossos círculos da vida íntima, pública e política. A engrenagem
simbólica do patriarcado controla os corpos (e sua relação com os direitos sexuais e
reprodutivos) através do Estado, que, por sua vez, é controlado pelo capital. Nossa luta
é, portanto, fundamentalmente antisexista, antirracista, anticapitalista e antiestatal . O
Estado patriarcal é nosso inimigo, ele é a já mencionada violência disciplinar também no
âmbito público da violência política.
É necessário envolver toda a sociedade na superação dessa cultura violenta. É preciso
reconhecer e dar atenção para as formas institucionais de violência perpetradas pelo
Estado. Temos todos os motivos para seguir lutando. Enquanto escrevemos, chegam notícias
de mais e mais mulheres assassinadas por serem mulheres. Por isso nós, anarquistas,
acreditamos que o combate a esses mecanismos, de dominação e extermínio das nossas
existências, devem ser construídos através de lutas, organizadas e engajadas na
transformação social. Pelo reconhecimento político, econômico e moral de nossa humanidade,
pelo fim da mercantilização de nossos corpos e forças, pelo fim das humilhações e
violações simbólicas. Sem nunca perder de vista quão intimamente ligadas são nossas
batalhas. Construir um povo forte é construir mulheres fortes!
Por todas as que não estão. Em memória de todas as lutadoras. Pelas debaixo, com as
debaixo, seguimos sendo e construindo resistência.
https://anarquismo.noblogs.org/?p=988
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