(pt) Spain, Barcelona: Solidaridad Obrera #370 - [Espanha] A vigência do anarquismo por Antonio Galeote By A.N.A.
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Quarta-Feira, 23 de Maio de 2018 - 06:33:58 CEST
"As grandes corporações iniciaram a luta de classes; são marxistas autênticos, mas com os
valores invertidos. Os princípios do livre mercado são ótimos para se aplicar aos pobres,
mas os muito ricos deles se protegem". - Noam Chomsky ---- A globalização, isto é, a
tomada de controle no capitalismo pelos setores mais especulativos, em oposição aos
empresariais e industriais, obviamente tem importantes consequências ideológicas. Uma
delas que está sendo amplamente difundida é de que a tese de que todas as ideologias e
concepções intelectuais mais ou menos extensas da dinâmica social estão defasadas. Já não
existem mais. Desta forma, teríamos alcançado a apoteose do pensamento único. O corpo
doutrinário dominante indica que apenas a ideologia economicista e a lógica do crescimento
econômico existem. Esses critérios se tornaram, assim, os novos eixos da sociedade, de sua
evolução e eventuais conflitos. O que está fora do equilíbrio econômico-financeiro não
existe, é pura marginalização, populismo, lixo ideológico.
Naturalmente, a ofensiva do capitalismo financeiro e especulativo quase destruiu o modelo
capitalista anterior, baseado na produção empresarial. No terreno, isto é, nas empresas,
nas cidades, nas ruas e nos bairros, a vitória da globalização implicou também o quase
total desaparecimento de estruturas, organizações e grupos que até então eram considerados
como de esquerda. Neste sentido, a derrota tem sido enorme, com um declínio muito
significativo dos escassos direitos trabalhistas que se haviam conseguido arrancar dos
empresários, e com a conversão dos sindicatos em máquinas burocráticas ao serviço das
necessidades do sistema. Os sindicatos, através de sua cumplicidade com o poder,
completaram o processo de destruição dos poucos direitos trabalhistas que mantinham os
trabalhadores vivos.
Esta nova ordem social, esta nova situação que surgiu agora, mas que vem se preparando há
algum tempo, depenou quase completamente e de maneira definitiva, alguns sistemas
ideológicos e políticos que tiveram até agora um significado social importante, como a
socialdemocracia ou o capitalismo de estado, chamado comunismo por seus funcionários e
líderes. Portanto, é completamente verdade que o novo esquema, baseado na especulação
financeira como método básico de acumulação de capital, ganhou a luta política, social,
econômica e ideológica.
A autodenominada esquerda
Como esta situação foi atingida? Uma das razões tem sido o fim do que até agora tinha sido
chamado de esquerda. Isto é, a socialdemocracia e o capitalismo de estado, este último
chamado comunismo. Nesse ponto, é necessário lembrar que os movimentos libertários e
antiautoritários já haviam previsto essa situação. Os libertários disseram que os
socialistas, a socialdemocracia, eram meros gestores do capitalismo, que estavam
envolvidos, entre outras coisas, para tentar tornar mais palatável a exploração da grande
maioria dos cidadãos a cargo de uma minoria poderosa. Quando chegou o momento mais difícil
da crise, isto é, quando o ataque do capitalismo financeiro ao industrial intensificou-se,
a socialdemocracia diluiu-se como açúcar na água, porque o capital dela já não
necessitava. Os libertários, portanto, analisaram a situação corretamente.
O capitalismo de estado também foi considerado pelo movimento libertário como uma variante
do capitalismo puramente. Nestes sistemas, como a antiga União Soviética ou a China, os
proprietários privados são substituídos por funcionários públicos, que formam a minoria
exploradora. É essa minoria que dirige o processo de acumulação de capital, apropria-se
dos benefícios e mantém o sistema através da repressão. A estrutura dessa classe dominante
pode ser explicada pela aplicação de sua própria linguagem: o proletariado é substituído
pelo partido; o partido, pelo comitê central; o comitê central, pelo bureau político; o
bureau político, pela comissão permanente e a comissão permanente pelo secretário geral.
Mais uma vez, os libertários já haviam dito isso.
A socialdemocracia se diluiu em um sistema capitalista mais selvagem e mais agressivo que
o anterior, e o capitalismo de estado, após a implosão política que simbolizou a queda do
Muro de Berlim, torna-se um capitalismo privado, embora com magnatas intimamente ligados
ao estado. É um capitalismo mais autoritário do que o chamado democrático. Basicamente, a
Rússia e os EUA ou a Grã-Bretanha são o mesmo, embora haja algumas diferenças de matiz
político. O sistema chinês mantém o partido único, embora os grupos econômicos e
financeiros controlados pelos grandes oligarcas sejam os que tomam as decisões
importantes. Houve uma espécie de convergência entre o capitalismo clássico - encarnado
por sua versão mais financeira e especulativa - o capitalismo ligth da socialdemocracia e
o antigo capitalismo de territórios como a Rússia ou a China.
Há outros países que anteriormente estavam no grupo do chamado Terceiro Mundo (Cuba,
Venezuela e outros países latino-americanos, Argélia, Vietnã, etc.) que, após um período
de descolonização política, mas não econômica, passaram por sistemas de gestão semelhantes
de alguma maneira ao capitalismo de estado, degenerando de alguma forma em situações como
as da Rússia ou da China. Trata-se de máscaras com fachadas mais ou menos de democracias
parlamentares, mas controlada por minorias que exploram as suas populações com a
cumplicidade de grandes multinacionais, no contexto de um esquema político e institucional
pseudo-totalitário marcado por uma tremenda corrupção.
A reação antiglobalização
É óbvio que essas transformações do sistema capitalista produziram reações internas,
porque atingiram com força alguns setores sociais. A principal vítima desta evolução não
foi apenas a camada inferior da pirâmide social, isto é, os mais pobres, os
marginalizados, aqueles que não têm quase nada. Desta vez, o golpe também foi dirigido
contra grandes setores das classes médias, que a ofensiva especulativa e financeira
colocou em um acelerado processo de proletarização. Essa situação causou uma reativação
dos fenômenos identitários e ultranacionalistas, com forte conteúdo xenofóbico, racista e
supremacista. Alguns exemplos ilustrativos são o surgimento de lepenismo na França, dos
apoiadores do Brexit na Grã-Bretanha, da Liga na Itália, da extrema-direita na Alemanha,
de Donald Trump nos EUA, ou o caso da Catalunha.
A reação contra o naufrágio social das classes médias tem causado na Catalunha um retorno
à identidade, a mitos quase medievais, com um forte componente xenófobo promovido a partir
da supremacia catalã, que foi misturado com um surpreendente ressurgimento do carlismo
agrícola e ultraconservador. Neste grupo profundamente reacionário, apoiado por um
ultranacionalismo rural e protecionista patético e grotesco do século XIX, se juntaram
depois influentes grupos de elementos carreiristas que carregam quarenta anos
compartilhando o dinheiro público em um lamaçal de corrupção escondido por bandeiras
nacionalistas. Nisso consistiu o processo soberanista, que já está em claro recuo após ter
sido humilhado pelo nacionalismo espanhol. Também aqui devemos nos lembrar da constante
denúncia e crítica dos libertários em relação aos fenômenos nacionalistas, baseados na
irracionalidade. O nacionalismo não é apenas um fenômeno reacionário, mas é outra
manifestação das várias formas ideológicas que a dominação capitalista assume.
Na realidade, apesar de todas essas evoluções, a essência do sistema não mudou, exceto em
alguns aspectos políticos, isto é, em sua aparência. Minorias com controle sobre o aparato
repressivo acumulam capital e dividem os lucros explorando a vasta maioria de suas
populações. O aparelho repressivo e coercivo inclui, como sempre foi habitual, o direito,
a mídia, os partidos, as ideologias chamadas democráticas, os parlamentos, as votações...
Varia o conjunto, mas a realidade é a mesma. A essência do sistema não mudou, embora agora
tudo esteja mais claro, porque a socialdemocracia e o chamado comunismo estão onde sempre
estiveram: com o capital.
O estado é a base do sistema
No entanto, é necessário enfatizar que existe um elemento que aparece em todas essas
versões do sistema capitalista: o estado. É o instrumento comum a todas as formas de
opressão política, econômica e social. Na verdade, é o eixo no qual todo o sistema é
montado. Essa análise do conceito e da realidade dos estados sempre esteve na crítica
radical do movimento libertário em direção a qualquer estrutura estatal. Essa rejeição não
é apenas para o próprio estado, mas para qualquer meio de colaboração com seus elementos
organizacionais. Participar é reforçar o estado, dar-lhe legitimidade e, portanto,
beneficiar e legitimar o sistema. Essa é a base da rejeição libertária de esquemas
partidários, eleições e parlamentos. É ingênuo, infantil e imaturo pensar que o estado
pode ser destruído por dentro. É o contrário. É o estado que integra e utiliza para seu
benefício àqueles que querem destruí-lo usando seus próprios canais, os canais estatais. E
a situação atual mostra que essa crítica libertária da estrutura do estado está hoje mais
vigente do que nunca.
O próprio capital gerou pseudo-ideologias que podem servir como um substituto quando não
pode mais manter o álibi político dado pelos atuais partidos políticos. Isso é o que foi
chamado de nova política. Na França, o exemplo é Macron, um ultraliberal que substituiu a
velha guarda do sistema. No caso da Espanha e da Catalunha, são propostas alternativas
como Podemos, Ciudadanos ou o grupo de Ada Colau. É uma farsa. Eles não são mais do que as
antigas formas políticas do capitalismo, um alívio adaptado às novas tendências de opinião
e estrelado por políticos ambiciosos e oportunistas que buscam o poder e a distribuição de
dinheiro público entre seus amigos. Basta olhar para o que está acontecendo na cidade de
Barcelona, nas mãos de um grupo de carreiristas que estão a financiar o orçamento
municipal para entidades que usam como fachadas para viver à custa do dinheiro dos
contribuintes.
O que resta, portanto, para opor-se à avalanche capitalista? Quando a socialdemocracia e o
capitalismo de estado já se integraram perfeitamente na ofensiva especulativa contra os
setores populares, é evidente que uma análise crítica é essencial e sem armadilhas
intelectuais do que está acontecendo. Se desconsiderarmos as muletas ideológicas e as
hipotecas doutrinárias dos socialdemocratas, marxistas e nacionalistas, a única análise
crítica só pode basear-se naquelas baseadas em conceitos racionais e reais, não em ideias
preconcebidas. Daqueles que assumem que a realidade só pode ser interpretada e entendida
quebrando completamente os velhos esquemas que colocam as conclusões antes dos dados, em
vez dos fatos objetivos.
Ferramenta para a resistência
A abordagem libertária aparece como a única ferramenta adequada. Porque ela parte de uma
negação radical das estruturas do estado, e porque rejeita qualquer método de resistência
coletiva que caia no erro de usar os mecanismos do sistema. O sistema baseia sua
justificativa ideológica em uma democracia aparente, baseada nos votos de representantes
partidários para formar parlamentos que, na realidade, são apenas instrumentos de grandes
empresas multinacionais e bancos. Portanto, é necessário rejeitar com vigor a alegação de
que alguém pode resistir à agressão do sistema usando seus mecanismos e métodos. Não faz
sentido participar de eleições, partidos ou parlamentos, porque essa atitude só serve para
reforçar e dar credibilidade àqueles que gerenciam o sistema.
Trata-se de agir desde fora, sempre consciente de que os fins não justificam os meios. O
uso de métodos autoritários produzirá comportamentos e situações autoritárias e
ditatoriais. Os princípios assembleários e autogestionários são a maneira essencial de
criar formas organizacionais e métodos de ação que permitam a construção de uma autêntica
resistência. Nestes momentos, ante a selvagem ofensiva do capitalismo mais agressivo que
já se conheceu, não se trata de sonhar com os paraísos sociais do futuro. O problema, a
grande questão, é organizar a resistência. Porque se não houver resistência, não haverá
futuro.
Está claro que uma abordagem objetiva e racional de resistência contra a ofensiva
ultraliberal e especulativa passa por não usar as ferramentas do sistema, agir através de
métodos assembleários e autogeridos e não cair em posições autoritárias. A racionalidade e
a justiça nunca podem ser separadas da liberdade. Como pode comprovar-se, se trata de
princípios de atuação libertários. Mas devemos ir com a verdade à frente e dispensar
promessas, paraísos e projetos de sociedades supostamente perfeitas. Por enquanto, se
trata de resistir. Ou pelo menos, tentar. Em qualquer caso, a história mais recente
demonstrou e continua a demonstrar algo que o movimento libertário sempre manteve: se os
canais e métodos do sistema são usados, se acaba sendo parte do sistema.
Fonte: Solidaridad Obrera # 370, Barcelona, abril de 2018.
Tradução > Liberto
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