(pt) Pró-Organização Específica Anarquista Amazonas (OEA) - 147 anos da Comuna de Paris: Autogestão, Democracia Direta e Federalismo
a-infos-pt ainfos.ca
a-infos-pt ainfos.ca
Sexta-Feira, 23 de Março de 2018 - 06:49:25 CET
Há 147 anos, no mês de março, pela primeira vez na história os trabalhadores puderam ter a
experiência, por um curto período de tempo, de se organizarem pela autogestão e pelo
federalismo. Acontecia na França o que ficou conhecido como A Comuna de Paris. ---- Na
época, a França estava em guerra com a Prússia (que originou o que hoje é a Alemanha), a
qual havia se industrializado e se organizado territorialmente depois de outros paises da
Europa, como a própria França e Inglaterra. No entanto, possuía um exército poderoso e um
enorme apetite por expandir seu território e seu poderio econômico. A França, que havia
acabado de sair de décadas do império de Napoleão III, se reorganizava como república
durante essa guerra (após a prisão do imperador pelos prussianos) e tinha como presidente
Thiers. Como estava perdendo a guerra para a Prússia, a burguesia francesa decidiu se
entregar de forma vergonhosa, a custo do sacrifício da maioria da população. Nessas horas,
o nacionalismo vai por água abaixo frente à ameaça de prejuízo dos negócios. O governo
francês decide assinar um acordo de paz em que desarma todo seu exército, com exceção da
guarda nacional de Paris.
A guarda nacional era composta em sua maioria por operários e a população de Paris,
majoritariamente, discordava dos rumos políticos do novo governo em relação à Prússia. No
dia 18 de março, o proletariado de Paris eclode em revolta com apoio da guarda nacional,
expulsa o governo, destrói os símbolos da opressão e passam a controlar o dia a dia da
cidade. Desmontam toda a lógica de administração estatal e passam a governar baseados nos
princípios da democracia direta. Cada distrito de Paris elegia um delegado, com mandato
revogável e que representava a opinião das pessoas que compunham aquele distrito.
Os governos provocaram a guerra, quem mais sofreu foram as camadas oprimidas e depois
quiseram acabá-la de uma maneira humilhante, com uma provável precarização da vida dos
trabalhadores. O povo procurou dar a sua resposta.
Era impossível resolver problemas criados por séculos de sistemas sociais injustos em
apenas 40 dias (tempo que durou a Comuna), mas seus feitos foram surpreendentes, como a
redução das jornadas de trabalho, o fim da pena de morte, a criação de um comitê para
organizar a ocupação das habitações vazias, igualdade entre os sexos, a separação da
igreja dos espaços de administração pública e, principalmente, o desmonte do aparato
estatal e substituição da antiga administração centralizada por uma organização federada e
sobre controle direto da população, este sem dúvida nenhuma um de seus maiores feitos.
Infelizmente, a Comuna não durou para realizar alguns de seus projetos como a autogestão
da produção, a rotatividade no trabalho e o fim do regime de salário. Vale destacar que a
Comuna adotou princípios internacionalistas e contava com a participação ativa de vários
estrangeiros, além de uma forte influência da AIT (Associação Internacional dos
Trabalhadores), entidade com aspirações socialistas que reunia trabalhadores
principalmente da Europa e EUA.
Após a fuga de Paris, o governo Francês se instalou em Versalhes e fez um acordo com a
Prússia, no qual esta liberou os soldados franceses que tinham sido feito prisioneiros
para reprimir a Comuna. 100 mil soldados marcharam sobre Paris, que era defendida por
heróicos 15 mil milicianos. A repressão como sempre foi desproporcional. Cerca de 20 mil
pessoas foram executadas, fora os mortos em combates. As mortes só cessaram com o medo de
uma epidemia na cidade, que estava amontoada de corpos. Quarenta mil foram presas e várias
outras foram deportadas.
As lições da Comuna e a questão do Estado
Apesar de seu fim trágico, a Comuna de Paris nos deixa a certeza de que uma nova lógica de
sociedade é possível. Uma sociedade autogerida, sem desigualdade econômica e livre. Feitos
impressionantes foram realizados em um período de guerra, imagine o que não poderia ser
feito em longo prazo num ambiente mais propício. As ideias postas em prática em Paris
foram o que sempre defenderam os setores libertários da AIT. Muitos dos seus membros
participaram ativamente do processo de sua construção, mas os socialistas não eram
maioria. Ou seja, não eram maioria nem os adeptos das ideias de Marx e nem os coletivistas
(adeptos das ideias de Bakunin). Apesar disso, os trabalhadores, de maneira geral, fizeram
um programa socialista, sem assim o chamar. As necessidades mais imediatas buscaram
soluções em perspectiva libertárias.
Em todos os documentos, textos teóricos e intervenções no seio da AIT e outros espaços do
movimento operário os coletivistas, que mais tarde viriam a ser conhecidos como
anarquistas, defenderam as ideias que foram colocadas em prática na Comuna. Mesmo não
sendo a corrente política de maior peso (Bakunin se referia a Jacobinos como os mais
numerosos na Comuna), suas ideias foram colocadas em prática. Para transformar as
estruturas injustas da sociedade capitalista somente com um movimento que tenha
efetivamente a participação dos oprimidos, mas não apenas no combate, na inevitável
violência revolucionária, mas na elaboração das estruturas da nova sociedade que virá. É
preciso organizar o trabalho e os aspectos gerais que garantam o funcionamento de nossa
sociedade. Somente na prática, entre erros e acertos, é que forjaremos o novo homem e
assim, juntamente com ele, uma nova sociedade.
O Estado é uma estrutura criada para manter as injustiças e o pólo oprimido da sociedade
sobre controle da minoria exploradora. Foi assim em todos os sistemas sociais existentes e
no capitalismo ele ganha um novo contorno: não apenas organiza o aparato repressor que
garante que a exploração continue, mas toma conta da administração da vida em sociedade
para que ela permaneça nos rumos que sirvam o interesse da elite. A burguesia se apoderou
direta ou indiretamente do Estado, quando em sua revolução destituiu a nobreza. Assim o
fez, pois o sistema que passava a consolidar com sua vitória exigia a manutenção da
exploração e, portanto, da sociedade dividida em classes. Na luta do pólo explorado para
derrotar a burguesia, somos movidos por ideais socialistas e temos como uma das nossas
grandes metas a extinção das classes sociais, por isso não podemos usar os mesmos
mecanismos que eles.
Em um processo de transição para uma sociedade socialista não poderíamos nos apoderar do
Estado, pois isso colocaria a perder todas as nossas aspirações. Ao invés do Estado temos
que construir uma nova forma de gerir a sociedade e a forma mais adequada nesse caso é
pela democracia direta num sistema federativo. Temos plena consciência de que um processo
de transição não é algo rápido, e para destruir as estruturas dessa sociedade não será
nada fácil. Porém, não podemos usar um dos principais instrumentos da classe dominante
para manutenção das injustiças: o Estado.
Na AIT existia outra grande corrente política com influência das ideias de Marx e Engels.
Os marxistas tinham um grande peso no movimento operário europeu, mas sempre defenderam
uma via diferente para construção do socialismo. Em seus materiais anteriores à Comuna de
Paris, deixava-se muito claro a necessidade da centralização do processo de transição e a
utilização do aparato do Estado para destruir a estrutura da sociedade. Podemos ver isso
no texto de maior divulgação de Marx e Engels, que é o Manifesto Comunista, no qual se usa
o termo Ditadura do Proletariado para qualificar essa transição. Por sinal, um termo pouco
aprofundado por Marx e que só vai ganhar maior importância com Engels e Lênin e as
necessidades destes em influenciar o movimento operário alemão e russo, respectivamente.
Esse processo seria bem diferente do que ocorreu na Comuna de Paris.
O fato é que logo depois da Comuna, Marx escreve um texto elogiando o processo ocorrido em
Paris e enaltecendo como um exemplo. Vale destacar que havia um acirrado debate dentro da
AIT entre os dois grupos citados, no qual um dos principais temas era justamente a
discussão entre centralização e federalismo. O que teria ocorrido? Oportunismo? Mudança de
ideia? Vale destacar que em texto da época Marx e Engels referiam ao Manifesto Comunista
como um documento envelhecido e ultrapassado em alguns aspectos. Infelizmente, essa
postura não se manteve após a Comuna e o próprio Engels reviu algumas ideias defendida
nesse texto de Marx. Além do mais, a postura de ambos e do seu grupo no congresso de 1872
da AIT, em Haia, foi o de expulsar Bakunin entre outras pessoas da AIT, rachando a
entidade e indo de encontro à maior parte das seções da AIT (principalmente as latinas).
Engels ajudou a fundar uma outra Internacional, mas não uma Internacional de associações
de trabalhadores, mas de partidos socialistas que passavam a disputar o parlamento. A
fração libertária continuou fiel aos seus princípios, mas infelizmente foi se enfraquecendo.
A Comuna de Paris tem que permanecer sempre viva na memória daqueles que lutam por uma
nova sociedade. Nossa vitória não está determinada, ela é apenas uma possibilidade. Por
mais que a radicalização da democracia direta, com autogestão e federalismo sejam mais
trabalhosos, é o caminho que levará ao objetivo almejado. Só podemos fazer isso com a
participação direta do povo e não por pessoas iluminadas que centralizariam o processo,
supostamente antenadas com o desejo da maioria. Por mais que tenham sido trabalhadores,
uma vez dentro do Estado se tornaram burocratas e continuaram fazendo funcionar a máquina
feita para garantir o aprisionamento da maioria e a manutenção das injustiças.
SOCIALISMO SEM LIBERDADE É OPRESSÃO,
LIBERDADE SEM SOCIALISMO É INJUSTIÇA!
VIVA A COMUNA DE PARIS!
Artigo originalmente publicado pelo antigo Coletivo Anarquista Zumbi dos Palmares (AL),
hoje Federação Anarquista dos Palmares (FARPA).
Mais informações acerca da lista A-infos-pt