(pt) Organização Específica Anarquista - Amazonas (OEA): ANARQUISTAS ALEMÃES CONTRA HITLER
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Quinta-Feira, 18 de Janeiro de 2018 - 08:26:24 CET
A história da resistência anarquista alemã não é bem conhecida. Por isso tentarei fornecer
sistematicamente uma orientação mínima dentro de um tema tão pouco estudado. Para começar,
é necessário dizer algumas palavras sobre a história do movimento Anarquista na Alemanha.
Max Nettlau (historiador e militante anarquista) identificou suas origens no "Círculo dos
livres de Berlin", que se formou em torno de 1848, onde também faziam parte Max Stirner,
os irmãos Bauer entre outros. Na segunda metade do século XIX, gradualmente, toma forma um
movimento anarquista que tem a ver com o partido socialdemocrata mais forte da Europa, o
SPD (Sozialdemokratische Partei Deutschlands). ---- O pequeno movimento anarquista alemão
está experimenta um ‘boom' promissor, mas de curta duração nos anos posteriores a I Guerra
Mundial, em muito devido ao antimilitarismo presente na população, exausta pelo conflito e
suas pesadas consequências sociais.
Congresso da FAUD em 1922
A anarco-sindicalista FAUD (Freie Arbeiter Union Deutschlands - União Livre dos
Trabalhadores Alemães), surge em 1919 das cinzas de uma organização
sindicalista-revolucionária do pré-guerra, chegando a alcançar entre 1921 e 1922 a
significativo número de 200.000 militantes, afirmando-se como a principal organização
anarquista (mas não a única) da Alemanha. Ainda em 1923 se inicia uma fase de declínio que
leva a FAUD já em meados de 1929 a contar com alguns poucos milhares de militantes. São
sob estas condições que os anarquistas alemães começam a enfrentar a cada vez mais brutal
e preocupante ascensão do Partido Nazista e de Adolf Hitler. Da mesma forma como a
italiana, a resistência anarquista ao nazismo também é "longa". De fato, se inicia alguns
anos antes da ascensão e subida de Hitler ao poder, como contraposição ao partido
(nazista) que por sua vez, buscava expandir-se além das fronteiras alemãs.
ANTES DO REGIME NAZISTA
Membros da Schwarze Scharen da região da Alta-Silésia
De forma imediata, os anarquistas se preocuparam com a ascensão do nazismo, tanto que na
imprensa britânica do final dos anos vinte, podia-se ler artigos que já advertiam sobre o
perigo nazista. Porém o antinazismo dos anarquistas não se esgota com a atividade
propagandística. Das fileiras da FAUD surge no final dos anos de 1929 a experiência das
"Schwarze Scharen" (algo como "Formações Negras" em tradução livre), uma das expressões
mais surpreendentes e inovadoras do antifascismo anarquista nos anos precedentes ao inicio
do regime nazista. A Schwarze Scharen é uma rede de grupos espalhados por diversas regiões
da Alemanha (Alta Silésia, Berlin, Hesse, Turíngia, Renânia do Norte-Westphalia) que
praticam a autodefesa militante e antifascista, reconhecendo-se como organização
integrada, porém, independente da FAUD e apresentando-se em público totalmente vestidos de
preto. Estes grupos praticam e combinam o antifascismo com propaganda, em jornais como o
Die Proletarische Front (A Frente Proletária) de Kassel, e o Die Schwarze Horde (A Horda
Negra), além da ação militante.
Os membros da Schwarze Scharen (Ratibor) no funeral de um companheiro morto. No centro de
chapéu é Alfons Pilarski
As Schwarze Scharen, de fato, travaram violentos confrontos com os nazistas onde estes se
faziam presentes e em particular com as S.A (Sturmabteilung - "Sessões de Assalto"),
inclusive com pistolas e fuzis em mãos. Em 1932 a polícia descobre um deposito clandestino
de armas, pólvoras e explosivos escondidos pelas Schwarze Scharen (na previsão da tomada
do poder por Hitler), na região de Beuthen (hoje atual Polônia). Os militantes que cerram
fileiras e animam o Schwarze Scharen, em sua maioria são jovens proletários e sem
trabalho. Há algumas centenas de militantes espalhados por toda a Alemanha, e nas áreas
que estão presentes fazem sentir de forma contundente sua presença e peso, onde buscam
estimular a construção de uma ‘frente unitária' dos de baixo, de todos os explorados,
independentemente de sua vinculação ou origem política, baseando-se na ação-direta
antifascista.
CONTRA O REGIME NAZISTA DENTRO E FORA DA ALEMANHA
FAUD - Dusseldorf, 1933
A repressão desencadeada a partir de 1932 sobre as Schwarze Scharen e sobre o movimento
anarquista alemão se intensifica em 1933, quando Hitler assumiu efetivamente o poder. A
bem da verdade, já em 1932, a FAUD reunida em congresso na cidade de Erfurt, havia decido
preparar-se para a clandestinidade. Deste momento e esquematizando ao máximo, podemos
identificar cerca de três planos na resistência anarquista contra o nazismo.
Dentro da Alemanha (de 1933 a 1937/38):
Hitler: carrasco da humanidade
Poucas horas depois do incêndio do Reichstag (em 27 de Fevereiro de 1933), é preso o poeta
anarquista Erich Mühsam (que será assassinado no campo de concentração de Sachsenhausen no
ano seguinte), enquanto que Rudolf Rocker e sua companheira Milly, conseguem refugiar-se
na Suíça: assim são postos fora do jogo dois importantes expoentes do movimento anarquista
alemão. Depois de um primeiro momento de confusão e fuga, os anarquistas conseguem
organizar uma rede clandestina que conta também com alguns apoios no exterior (Amsterdã e
Espanha). Já em Maio de 1933, foram difundidas na Alemanha as primeiras publicações de
jornais anarquistas de forma clandestina.
Die Soziale Revolution, 1934
Entre elas devemos mencionar o Die Soziale Revolution (A Revolução Social) de Leipzig,
periódico promovido por Ferdinand Götze, que será publicado entre 1933 e 1935 (oito
números documentados), com uma tiragem em torno de duzentos exemplares por edição. As
atividades de resistência cessam entre 1937 e 1938 por causa da dura repressão que se
irrompe sobre as fileiras anarquistas, repressão essa que reduz a resistência a uma
dimensão "individual", mas que não cessam, por exemplo, as sabotagens nos principais
grandes portos do Norte como o de Hamburgo. Entre essas atividades de resistência, sem
dúvida com dimensões bastante reduzidas, porém, em qualquer caso importantes e
interessantes, há que recordar a figura de Fritz Scherer, responsável pelo chamado
Bakuninhütte ("Refúgio Bakunin" em tradução livre) nos anos vinte (se trata de um refúgio
numa região de montanha construído e mantido pelos anarquistas de Meiningen, uma pequena
cidade da Turíngia; ver artigo no Tierra y Libertad, nº 323, Junho de 2015). Durante o
regime nazista, Scherer foi deixado (mais ou menos) ‘tranquilo' pela Gestapo, por na
ocasião ser bombeiro na capital alemã. Assim, ajudou como pode seus companheiros em
dificuldade além de difundir material antifascista e libertário na região. Entre outras
coisas, consegue salvar da fúria do 3º Reich e da destruição da 2ª Guerra Mundial, muitos
livros, jornais e folhetos anarquistas, mudando os títulos por outros nada suspeitos
politicamente. Os livros e panfletos salvos e guardados por Scherer serão lidos,
reeditados e republicados pelas novas gerações de militantes e ativistas anarquistas
surgidos com a experiência do 68 alemão.
Fora da Alemanha (1933-1945) na Espanha, França, Polônia, etc:
A FAUD, desde a primeira metade dos anos trinta, acompanha com muito interesse o
desenvolvimento do movimento operário espanhol e da CNT (Confederação Nacional do
Trabalho). Em 1932, alguns militantes das Schwarze Scharen, perseguidos pela polícia
nazista, se refugiam não por casualidade na Espanha. As fileiras do anarco-sindicalismo
alemão no exílio engrossam desde o começo de 1933, enquanto que em 1934 se funda em
Barcelona o grupo DAS (Deutsche Anarcho-Syndikalisten - Anarcossindicalistas Alemães), que
passa a produzir um periódico/jornal próprio. O grupo participa nos combates em Barcelona
em Julho de 1936, tomando de assalto o Club Alemán, um importante e conhecido ponto de
referencia de adeptos do regime nazista na cidade de Condal. Posteriormente, encontraremos
militantes anarquistas em várias experiências da Revolução espanhola.
Ilustração em jornal da Schwarze Scharen (Ratibor)
O grupo "Erich Mühsam" combate no front de Huesca, outros militantes alemães formam parte
da "Columna Durruti" e há militantes como a Etta Federn que atua no grupo das Mujeres
Libres e em escolas libertárias. Com a vitória de Franco, os anarquistas alemães novamente
se espalham: alguns iniciarão uma jornada longa e penosa pelos campos de concentração na
Europa central (tanto os criados pelo governo francês para os veteranos e ex-combatentes
da Espanha, como, obviamente, os criados pelos nazistas), outros tomarão parte na
resistência francesa, como o ex-membro da Schwarze Scharen, Paul Czakon, ou na resistência
polonesa, como Alfons Pilarski, fundador da primeira Schwarze Scharen (em Ratibor), onde
na ocasião é gravemente ferido nos combates do Levante do Gueto de Varsóvia em 1944.
Dentro da Alemanha (final dos anos 30 e em meados de 1944):
Edelweisspiratens sendo enforcados em praça pública, Colonia 1944
Este é o período de mais difícil definição. Simplificando: podemos dizer que são os
elementos da juventude, apesar de serem doutrinados e enquadrados pelas instituições do
regime nazista (como as Juventudes Hitleristas), que no final dos anos 30 se rebelam
contra o regime, chegando em alguns casos numa resistência aberta. Quero ressaltar de modo
particular, que esses elementos saíram de um ambiente "obrero"[de trabalhadores], tais
como os Edelweisspiraten (Piratas de Edelweiss), da Alemanha Ocidental (especialmente em
cidades como Colônia, Wuppertal, Essen, Frankfurt, etc.) e as Meuten (Turbas) de Leipzig.
Dentro desses grupos de jovens, haviam presenças anarquistas: o grupo dos Edelweisspiraten
de Wuppertal, por exemplo, contava entre seus membros com antigos componentes das Schwarze
Scharen como Hans Schmitz (que narrará sua experiência no livro "Umsoust Is Dat Nie"),
assim como nas Meuten onde a presença libertária fora recentemente descoberta
(primeiramente o grupo havia sido considerado de tendência comunista), como a da Irmã
Götze, irmã de Ferdinand, que depois irá para a Espanha.
O anarquismo alemão é uma longa resistência e, sobretudo, sem fronteiras. Como o mundo por
qual lutamos.
Por: D. Bernardini. Publicado originalmente no jornal anarquista "Tierra y Libertad", nº
339 e traduzido para o português por Tércio Miranda em Agosto de 2017.
NOTA:
Para além da consulta do Tierra y Libertad, nº 323 de Junho de 2015, há este artigo[em
português]da revista online espanhola "Abordaxe" sobre a Bakuninhütte, o refúgio
clandestino criado pelo grupo que adere a FAUD alemã nos anos 30:
https://abordaxe.wordpress.com/2015/07/15/alemanha-bakuninhutte-um-refugio-libertario/
https://anarquismoam.wordpress.com/2017/08/14/anarquistas-alemaes-contra-hitler/
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