(pt) federacao anarquista gaucha - As jornadas de Porto Alegre em 2013: a ocupação da Câmara de Vereadores -- A grande queda de braços entre os de cima e os de baixo na capital gaúcha PARTE 2
a-infos-pt ainfos.ca
a-infos-pt ainfos.ca
Sábado, 4 de Agosto de 2018 - 07:58:51 CEST
Hoje, estamos às vésperas de completar uma semana de ocupação da Câmara, o que por si só
já constitui um triunfo ímpar não apenas ao Bloco, mas a toda a esquerda e aos de baixo de
nosso estado e país, logrando uma importante acumulação de forças. O protagonismo do Bloco
como instância dinamizadora e articuladora de um conjunto de forças políticas e sociais,
que se esforçaram a trabalhar sem sectarismos e com a devida unidade estabelecida nas
ruas, marcou o caminho de uma tática lúcida, correta e vitoriosa. ---- Carta de Opinião da
FAG, 16 de Julho de 2013 ---- Faremos memória deste momento ímpar na conjuntura política
do país, através de uma narrativa engajada. De quem apostou sua militância na construção
ombro a ombro das diversas mobilizações na cidade de Porto Alegre. Marcaremos nas linhas a
seguir nossa opinião em relação aos acontecimentos políticos que indicaram alguns limites
e colocaram o movimento popular a prova. Mas, queremos destacar os acontecimentos que nos
mostraram que é possível intervir na cena política impondo uma correlação de forças
favorável aos de baixo.
Com democracia de base, ação direta, independência de classe e solidariedade ajudamos a
impulsionar as grandes jornadas de lutas de 2013.
Nós da FAG, organizados também no Bloco de Lutas, tomamos naquela semana (data da
ocupação) decisões muito importantes. Agindo de acordo com os debates acumulados nas
assembleias do Bloco, entendemos que era o momento de pressionar com maior força sobre o
tema do transporte público, com uma tática que nos desse maior evidencia, o que resultou
na ocupação da Câmara de Vereadores de Porto Alegre. Inicialmente, a decisão sobre o
ocupar ou não a Câmara de Vereadores gerou pouquíssimas divergências nas instâncias de
organização do Bloco, talvez porque não se imaginasse que poderíamos permanecer ocupando
mais do que algumas horas. Fato é que, ultrapassamos não só algumas horas. Permanecemos
por dias. A ocupação se configurou então como um marco importante de organicidade do Bloco
e como força de mobilização popular. Internamente, os resultados da Ocupa Câmara foram
revitalizantes para um movimento que já tinha provado de várias táticas de rua, como
marchas, atos, trancaços, propaganda em terminais, etc. Todos esses repertórios de ações
de rua foram, pouco a pouco, sendo pilares para impulsionar o Bloco como o principal vetor
de lutas na capital gaúcha. Mas estas ações, desgastadas pelas repetições, facilitava, do
nosso ponto de vista, a ação dos aparatos repressivos. Atos centrais que raramente
modificavam seus trajetos e quando modificavam não saiam do limite central da cidade (um
prato cheio para a Brigada Militar que sabia muito bem onde e como interferir para acabar
com o protesto). Portanto, ocupar a Câmara significava elevar o nível de nossa tática e
também testar internamente nossa (a do Bloco) capacidade de organização.
Nos dias que transcorreram a ocupação, temas incendiaram o debate, tanto internamente
quanto publicamente. Quanto ao funcionamento interno da Ocupação, fazíamos debates sobre
como nos manter ativos e como funcionaria a gestão prática do dia a dia, formando equipes
e comissões. A permanência ou não também era um grande debate do Bloco. Este tema, o da
possível retirada da ocupação no primeiro blefe dos vereadores rendeu boas plenárias.
Felizmente estivemos do lado que apontava a permanência da ocupação e que deveríamos
aproveitar o fato político criado para avançar nas nossas pautas. Para nós, resistir e
permanecer era o único caminho digno.
Publicamente, fora da ocupação, os ânimos também não estavam tranquilos. Pelo contrário,
havíamos instaurado uma verdadeira guerra de nervos que nos rendeu uma visibilidade
importante, pois obrigamos a grande imprensa e o debate público a enxergar nossa ação e
falar sobre o aumento da passagem e dos lucros injustos das empresas de ônibus. Favoráveis
ou não, estavam falando do tema que queríamos que falassem. Essa visibilidade e toda a
cobertura que ganhou nossa ocupação, por sorte, não foi obra só das mídias externas, pois
tivemos um excelente trabalho de comunicação popular. Fazíamos nossa própria comunicação.
Houve um momento bem particular da conjuntura onde nós, enquanto Bloco de Lutas, pudemos
experimentar os reveses de uma situação jurídica e obter vitórias pontuais. Após uma
ruptura do diálogo por parte da comissão "negociadora" da Câmara, e dos fiascos públicos
do seu presidente, revertemos uma ordem de despejo, e arrancamos uma audiência em que os
vereadores foram intimados a comparecer para que fosse possível estabelecer acordos. Claro
que para nós, nenhuma confiança foi depositada nestes acordos, ou na justiça burguesa, mas
para eles significava algo: desmoralização!
Nós, como anarquistas da FAG, que nos organizamos em 2013 dentro do Bloco de Lutas, fomos,
junto com a militância autônoma e independente, defensores de uma tática de ação direta
que, em concordância com a conjuntura política, pudesse fazer uma resistência contra as
ações dos grandes empresários do transporte público, grandes mídias e governos. Mas mais
do que isso, fazer da experiencia do Bloco um canal onde a democracia de base (assembleia
e comissões) fosse exercício de independência de classe no âmbito de um movimento popular.
Coisa rara no largo espectro da esquerda regional.
Toda a experiência das grandes jornadas foram ricas de significados e sentimentos para nós
militantes engajados nesse processo. 2013 e suas jornadas foram como um pequeno
laboratório onde pudemos viver um processo de mobilização inédito na história do país.
Irônico ou não, dentro de um contexto onde o "melhorismo" do PT estava em voga.
A geração questionadora de 2013 certamente foi protagonizada por anseios múltiplos,
difusos e não necessariamente uniformes. Foi um estopim de urgências, de decepções e
tentativas. Dizer que estas lutas foram gestadas pela direita é uma tremenda falta de
caráter, noção ou visão dos fatos. As demandas gestadas nestas jornadas não estão nem
perto das demandas da tradicional direita brasileira. A questão é saber o porquê se
desvaiu e não logrou encontrar canalização, saber o porquê jornadas gigantescas de
mobilização , com pautas populares tão sensíveis aos mais pobres do nosso país se
desconfiguraram em meio ao nada, a um grito sem eco .
A esquerda tradicional, governista, estava sempre pronta a dizer que havia infiltração da
direita, que éramos apenas bando de inconsequentes, sempre pronta para reprimir e
criminalizar a nossa luta. Claro, por medo do que não consegue controlar, do que não
consegue cooptar, o que fez foi tentar esmagar. Não sozinha, a esquerda tradicional e
governista, em conjunto com pequenos embriões direitosos e a grande mídia, começaram a
ganhar o "round". Isolaram e criminalizaram as ações mais independentes, criaram discurso
contra as ações diretas, propagandearam temor contra práticas autônomas de mobilização.
Não seria errado também dizer que havia um setor organizado por esquerda, bem expressivo,
que temia que setores populares espontâneos participassem das marchas e mobilizações. Era
nítido que estes ao ver a gurizada de periferia, quando chegavam nas mobilizações, já
ficavam "ouriçados" e com medo de "infiltrações". Ou seria medo da fúria popular, sem o
controle de suas "rédeas e bandeiras eleitorais"?
Leia a Parte 1 aqui.
https://federacaoanarquistagaucha.wordpress.com/2018/06/24/as-jornadas-de-porto-alegre-em-2013/
https://federacaoanarquistagaucha.wordpress.com/2018/07/21/as-jornadas-de-porto-alegre-em-2013-a-ocupacao-da-camara-de-vereadores/
Mais informações acerca da lista A-infos-pt