(pt) [México] Sobre as raízes anarquistas da geografia crítica Por Gerónimo Barrerade la Torre By A.N.A.
a-infos-pt ainfos.ca
a-infos-pt ainfos.ca
Sábado, 23 de Setembro de 2017 - 08:10:00 CEST
As correntes predominantes da geografia crítica ocidental estiveram dominadas pela
perspectiva marxistas. A crítica "real", neste marco, está determinada pelo uso adequado
destas teorias e dos autores ligados a esta linha de pensamento. Ainda assim, a formação
da geografia tem um estreito vínculo com outras formas alternativas anticapitalistas,
anti-imperialistas, antirracistas, etc. Raízes profundas que, se bem foram invisibilizadas
na história da geografia e em seu desenvolvimento como disciplina, atualmente seguem
gerando novas aproximações na pesquisa geográfica. Na última década ressurgiu a geografia
radical vinculada ao anarquismo e as ideias libertárias. Por exemplo, vários números de
revistas geográficas foram dedicados a trabalhos em torno destas perspectivas, como refere
Ferretti, Barrera da Torre, Ince e Toro (no prelo); assim como, em diferentes conferências
internacionais têm se organizado sessões onde se expõem diversos trabalhos em torno das
geografias anarquistas desde questões geo-históricas a estudos sobre ecologia política
anarquista. Além disso, este ano se organizará o primeiro encontro internacional de
geógrafos e geografias anarquistas marcando a relevância que esta perspectiva têm adquirido¹.
Neste contexto, o professor Simon Springer destaca-se como um dos autores mais prolíficos
e como uma das figuras que têm organizado diversos encontros e mesas sobre geografias
anarquistas em diferentes reuniões e cenários. Em 2 de maio deste ano Springer ofereceu
uma palestra não auditório "Ing. Geóg. Francisco Días Covarrubias" do Instituto de
Geografia da UNAM (Universidade Autônoma do México), intitulada "Las raízes anarquistas da
Geografía". O professor da Universidade de Victoria no Canadá expôs nesta conferência
parte de seu mais recente trabalho, The Anarchist Roots of Geography: Towards Spatial
Emancipation (Springer, 2016) no qual examina a genealogia do pensamento anarquista na
geografia assim como uma sistemática reprovação ao monopólio da geografia crítica por
parte das correntes marxistas, apresentando alguns dos possíveis caminhos a seguir e
exemplos da utilização de um marco analítico anarquista ou libertário. Este livro integra
e atualiza alguns artigos que o autor publicou previamente. Mas, sobre a mesma temática,
Springer continuou seu trabalho com novas publicações como "Who's afraid of the big bad
anarchist? Rejecting Left unity and raising hell in radical geography" (Springer, na
imprensa). Nas seguintes páginas farei um relato da conferência do professor Springer,
assim como dos diversos trabalhos publicados, como um guia para futuras aproximações que
os leitores queiram realizar.
Como introdução o professor Springer explicou que sua aproximação das ideias libertárias
se deu durante seu trabalho no Camboja, onde focou nas geografias da violência,
particularmente do Estado, e o neoliberalismo. Suas experiências neste país, onde o legado
do regime Khmer Vermelho é evidente, assim como a predominância da geografia marxista na
literatura anglo-saxão, levaram Springer a buscar outras alternativas, outras críticas e
formas de questionar a violência exercida nestes espaços. Assim, a partir deste trabalho
no sudeste asiático publicou uma série de livros, artigos e volumes especiais de revistas,
que integram análises e reflexões em torno do neoliberalismo e da violência. Por exemplo,
publicou os livros "Cambodia's Neoliberal Order: Violence, Authoritarianism, and the
Contestation of Public Space" (Springer, 2010); "Violent Neoliberalism: Development,
Discourse and Dispossession in Cambodia" (Springer, 2015) e "The Discourse of
Neoliberalism: An Anatomy of a Powerful Idea" (Springer, 2016).
Com este panorama o argumento principal da conferência, e em geral em seu mais recente
trabalho, é a exclusividade que ostenta a perspectiva marxista como única crítica
possível. Assim, se questiona "Como a geografia pode considerar-se radical sem considerar
a primeira tradição de pensamento geográfico anticapitalista?", em referência aos
trabalhos de Piotr Kropotkin e Élisée Reclus. Parte de sua prática se centrou na descrição
dos (des) encontros e as formas em que foram rechaçadas e estereotipadas as visões e
filosofias políticas do anarquismo. Para este professor isto significou a imposição de
visões pouco informadas sobre os anarquismos e ideias libertárias, definindo-os de formas
toscas e sem considerar seriamente as alternativas que propõem. No entanto, como o
trabalho de Springer, entre muitos outros mostra que ditas alternativas apresentam um
panorama amplo, complexo e diverso, baseado no rechaço de qualquer forma de coerção e
opressão, observando a intersecção entre múltiplos e as vezes contraditórias formas em que
estes padrões de dominação e hierarquização se consolidam. Igualmente, em sua crítica não
rechaça ou desvirtua o marxismo, nem a diversidade que nele existe, senão que reconhece a
importância e valor de ditas análises em, por exemplo, processos de acumulação de capital.
Mas centra sua crítica na exclusividade epistêmica e inclusive ontológica que as
perspectivas marxistas mantêm como metanarrativas. Esta discussão o levou a um intercâmbio
de ideias com David Harvey através de alguns escritos² onde ambos mostram os desencontros
entre as diferentes aproximações.
Regressando à discussão central da conferência, as raízes da geografia radical se
encontram então nos trabalhos dos geógrafos anarquistas, que não se restringem só às
figuras de Kropotkin e Reclus, senão a toda uma rede de geógrafos, cartógrafos
corresponsáveis que participaram em diferentes projetos (Ferretti, 2014). Ademais,
seguindo as ideias de Springer, estas raízes abarcam posições filosóficas e políticas de
distintas índoles que propõem alternativas críticas diferentes às estabelecidas pelas
perspectivas marxistas. Assim, o palestrante convida a reencontrar e repensar as
geografias críticas e alternativas considerando estas outras aproximações, e a
possibilidade de aproximação mais diversos e complexos. Estas aproximações alternativas
tem como uma de suas colaborações chave seu dinamismo e fluidez. Diferente de outras
perspectivas, as geografias anarquistas propõem a emancipação espacial através de formas
não definidas a priori, não como projetos pré definidos, contrário às visões teleológicas
marxistas, senão como processos em contínuo desenvolvimento. Fundamentados no rechaço de
formas de coerção e hierarquias, focando-se na descentralização e na fluidez. Assim, não
se propõe seguir um caminho traçado previamente por uma vanguarda que considera ter o
poder de acesso ao verdadeiro projeto de emancipação. Questões como a ditadura do
proletariado ou o vanguardismo ficam descartadas dentro destas perspectivas pois se
consideram novas formas de opressão.
Neste sentido, as perspectivas libertárias e anarquistas se apresentam mais abertas às
diferentes realidades, as outras formas de ver e entender o mundo, a outras epistemologias
e ontologias, enfim, as "outras" geografias. Somado a isso, como explica Springer,
diferente do marxismo, o anarquismo não foi "inventado" por uma pessoa, não leva o nome de
nenhuma pessoa, e inclusive seguindo a Ranmath (2011), o anarquismo é parte de uma ampla
família de perspectivas libertárias que respondem aos diferentes contextos e
particularidades dos povos e sociedades. Esta aproximação entre "outras" geografias e as
geografias anarquistas foi tema de conversação durante a seção de perguntas da conferência
onde se destacaram os paralelismos e pontos de encontro entre estas.
A conferência examinou quatro aspectos principais: 1) a questão do Estado; 2) o debate
sobre os monopólios epistêmicos por parte das perspectivas marxistas na geografia crítica;
3) as ideias em torno da revolução, a vanguarda e a insurreição, assim como; 4) a
predominância do econômico e do estrutural como formas de entender realidades e definir
projetos. Se bem, como se mencionou anteriormente, o segundo aspecto foi central não só na
conferência mas também o é através da obra de Springer, as outras três questões também são
relevantes para apreciar as alternativas que implementam as geografias libertárias.
Claramente a questão do Estado, a forma em que este é compreendido e o papel que lhe
confere nos processos sociais, difere consideravelmente entre as diferentes perspectivas
críticas e radicais. Desde as perspectivas marxistas e libertárias, este foi
historicamente um dos debates mais conflitivos e que gerou cisões entre as distintas
posturas. Ao mesmo tempo, isso tem implicações sobre como o papel do Estado se analisa e
concebe, o que leva a formas diversas de compreender processos de territorialização e
desterritorialização. Para uma perspectiva marxista, o Estado adquire centralidade ou
importância como meio para a aquisição e manutenção do poder por uma vanguarda, enquanto
que para os libertários isso só representa a substituição de uma forma de coerção por
outra. Tudo isso está estreitamente vinculado com a ideia de revolução e, o que Springer
expõe como contrário, a insurreição. Assim, a primeira tem como objetivo obter o poder e
impor uma nova ordem, é um meio para um fim que supõe a superioridade daqueles que tem
"melhores" formas de organizar e pensar a humanidade. A insurreição entendida desde a
perspectiva libertária tem como âmbito o dia a dia, a ação direta e a prefiguração, os
meios e fins se definem em conjunto.
Como ressaltou Springer, a perspectiva anarquista permite uma aproximação mais detalhada e
descentralizada, pois o Estado é considerado como mais uma das instituições criadas pelas
sociedades, de origem recente, que não só define uma estrutura e impõe territorialidades,
senão que é também uma condição, uma forma de relacionar-se no dia a dia. Por isso, esta
aproximação foca em organizações espaciais que respondem a complexas condições locais.
Seguindo esta ordem de ideias, os axiomas econômicos que segue parte da tradição marxista,
evidenciam a subordinação da realidade complexa a preceitos definidos a priori. Frente a
isso as geografias libertárias reconhecem a existência de múltiplas formas de dominação
que intersectam. Assim, tanto a questão do Estado, a ideia de revolução e os axiomas
econômicos respondem, desde uma análise anarquista, a uma postura teleológica onde há um
fim da história predeterminado. As geografias anarquistas partem então da ideia de que não
há um processo linear, nem um fim universal, senão um contínuo desenvolvimento de
realidades complexas.
Mais que uma chamada a fazer parte das fileiras de uma tendência "nova" na geografia, a
conferência e os trabalhos de Springer convidam a considerar seriamente as outras formas
de fazer e pensar as geografias que abrem as ideias libertárias e anarquistas. Como marco
teórico e prático, as geografias anarquistas permitem aproximação alternativa aos
monopólios epistêmicos, não só o marxista, baseados na exclusão e o privilégio de certas
formas de produzir conhecimento em torno a diversas questões como as críticas ao
neoliberalismo, o rol do Estado e a territorialização. Tão válido e relativo como outros
marcos teóricos e práticos, o que as raízes anarquistas da geografia nos recordam é a
sistemática obliteração de "outras" geografias, não só as libertárias, para a imposição de
formas de conhecer territórios e paisagens. Esta exclusão está baseada em estereótipos que
no caso do anarquismo se centram na suposta violência que promove, em sua definição como
análogo ao caos e a desordem, assim como a uma suposta falta de rigor "científico" em sua
análise das realidades. Reducionismo que, como se mencionou anteriormente, não faz mais
que reproduzir um discurso pouco informado de uma vasta família de filosofias políticas
libertárias.
Para Springer as geografias anarquistas apresentam uma alternativa na geografia, novos
caminhos teóricos e práticos que, devido a sua ênfase no processual, no contínuo
desenvolvimento não invocam privilégios epistêmicos ou ontológicos, senão que abrem a
possibilidade de emancipação espacial desde múltiplas posições. Como um conjunto de ideias
e atitudes, estas geografias não clamam por nossa aderência a uma série de preceitos que
nos ajudem a entender a realidade senão a construir em diálogo com outras geografias, a
produzir conhecimentos de forma alternativa que rechacem formas coercitivas e
autoritárias. A obra de Springer³ é referência ineludível não só para questões sobre
anarquismo e geografia, senão também sobre temas atuais como o neoliberalismo, as
geografias da violência, o desenvolvimento e Camboja. Suas aproximações geraram em muitas
ocasiões polêmica, como seu texto "Fuck neoliberalism" (Springer, 2016) ou seu debate com
David Harvey, mas mais além das airadas discussões que geram, são referências para
repensar e ampliar nossas críticas sobre o que é o que fazer geográfico.
Referências
Ferretti, F. Barrera da Torre, G. Ince, A. e Toro, F. (no prelo). Introduction. Ferretti,
Federico; Barrera da Torre, G. Ince, A. e Toro, F. (Eds.). Historical Geographies of
Anarchism. Early Critical Geographers and Present Day Scientific Challenges. New York:
Routledge.
Ferretti, F. (2014). Elisée Reclus, pour une géographie nouvelle. París: Editions du CTHS.
Ramnath, M. (2011). Decolonizing Anarchism. An antiauthoritarian history of Indi's
liberation struggle. Chico-Portland: AK Press and Institute for Anarchist Studies.
Springer, S. (2010). Cambodia's Neoliberal Order: Violence, Authoritarianism, and the
Contestation of Public Space.Londres: Routledge.
Springer, S. (2015). Violent Neoliberalism: Development, Discourse and Dispossession in
Cambodia. New York-Londres: Palgrave Macmillan.
Springer, S. (2016). The Anarchist Roots of Geography: Towards Spatial Emancipation.
Minneapolis: University of Minnesota Press.
Springer, S. (2016). "Fuck neoliberalism." ACME: An International Journal for Critical
Geographies, 15 (2), 285-292.
Springer, S. (no prelo). Who's afraid of the big bad anarchist? Rejecting Left unity and
raising hell in radical geography. Dialogues in Human Geography.
Notas
[1]1st International Conference of Anarchist Geographies and Geographers (ICAGG) -
Geography, social change and antiauthoritarian practices. Reggio Emilia (Italia) - Centro
Studi Cucine del Popolo, 21-23 de setembro de 2017[http://www.icagg.org/]
[2]Os textos podem ser revisados em: https://goo.gl/iADbri.
[3]Para uma lista de suas publicações pode-se revisar seus trabalhos online em:
http://uvic.academia.edu/SimonS-pringer/CurriculumVitae.
Fonte: http://www.scienc
Mais informações acerca da lista A-infos-pt