(pt) Coletivo Anarquista Bandeira Negra CAB: JLLE | Fazer resistência, construir memórias rebeldes: um relato das atividades em torno do centenário da greve geral de 1917 by CABN
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Sábado, 16 de Setembro de 2017 - 08:03:47 CEST
O ano de 2017 marcou o centenário de dois eventos fundamentais para construção da
resistência popular internacional, a Revolução Russa e a greve geral em várias cidades
brasileiras. Os dois episódios contaram com expressiva participação da militância
anarquista, possibilitando retomar diferentes aspectos das memórias e histórias
necessárias para o entendimento sobre a nossa trajetória. Em debates internos, a
militância do Coletivo Anarquista Bandeira Negra (CABN) encaminhou dedicar atenção ao
centenário da greve geral de 1917. Os critérios foram os seguintes: ---- A importância do
sindicalismo revolucionário no processo de inserção do anarquismo na história da formação
social brasileira. ---- A expressiva repercussão do movimento paredista nas cidades fora
do sudeste, como em Joinville, local que atuamos.
A necessidade de pensarmos sobre a possibilidade de um sindicalismo dedicado aos
interessados das classes oprimidas, independente e autônomo frente aos governos e patrões.
Tomando como ponto de partida as razões apresentadas, as atividades organizadas
objetivaram identificar as práticas de resistências e organização contra as classes
dominantes no processo de formação da classe operária urbana brasileira, com recorte na
cidade de Joinville. O meio encontrado para fazemos a pesquisa foi o levantamento
bibliográfico na produção histórica local, em diálogo com as novas interpretações da
história global do anarquismo e do sindicalismo. O meio de divulgação do material
levantado e as atividades comemorativas e reflexivas sobre o evento ocorreram com a
terceira edição do Sarau 1º de maio, a exposição "As condições de vida da classe
trabalhadora na década de 1910: 10 anos da greve geral de 1917", o Círculo de Estudos
Libertários e uma etapa do Cinema, Café e Bate Papo. Todas atividades modestas, realizadas
com muita dedicação, trabalho coletivo e resistência de esperanças.
Exposição do centenário da greve geral
Em tempos de reformas da previdência, trabalhistas e do ensino médio como obras dos
governantes e dos patrões, torna-se urgente promover um encontro das nossas memórias
silenciadas e escamoteadas pela classe dominante brasileira e internacional.
Costurar as nossas memórias dispersas em jornais, panfletos, fotografias e livros, muitos
destas empoeiradas em arquivos, não é um ato de culto ao passado. O que você, companheira
e companheiro, está prestes a interpretar, é uma ação política tomar de assaltos os
arquivos das lutas operárias de homens e mulheres de todas as idades, em diferentes
cidades brasileiras, no começo do século XX, contra as longas jornadas de trabalho, os
péssimos salários, assédio moral e sexual, condições torturantes de trabalho.
No começo do século XX, a classe trabalhadora sofria com a exploração capitalista nacional
e internacional, enquanto os governantes utilizavam de todos os meios policiais e
judiciário para fazer do protesto um crime. No contexto em questão, trabalhadoras e
trabalhadores organizaram as suas rebeldias em sindicatos sem a tutela do Estado, criaram
ações pedagógicas libertárias por meio de jornais, teatros, escolas e piqueniques. A
exposição trouxe um olhar sobre a greve geral em Joinville, ao mesmo tempo identificou a
presença das trabalhadoras mulheres e os trabalhadores negros, temas pouco pesquisados
quando o assunto é movimento operário no Brasil.
Na atividade do Sarau, foi onde a exposição recebeu o maior número de visitantes,
aproximadamente 300 companheiras e companheiros. No Círculo de Estudos Libertários,
realizado em 12 de julho, na sede do Centro dos Direitos Humanos Maria da Graça Bráz,
contou com 28 visitantes, mas como a exposição ficou por mais três semanas é possível
contar aproximadamente 60 pessoas. Outro ponto a considerar é o uso da exposição pela
organização-irmã Federação Anarquista Gaúcha (FAG), que adaptou o trabalho para as
questões pertinentes da greve geral em Porto Alegre, onde foi exposta no ato público em
memória ao centenário da greve geral de 1917, realizado em 28 de julho, no Teatro da Cia
de Artes. Por último, agradecemos a Biblioteca Carlo Aldegheri, de Santos/SP, que cedeu
fontes textuais e visuais para montagem da exposição.
III - Sarau 1º de maio
O terceiro Sarau do Primeiro de Maio foi realizado para reavivar a memória da luta da
greve geral, que completa 100 anos neste 2017. Numa segunda-feira de festa, respeito,
resistência e lembranças a comunidade do bairro Itinga e da aldeia guarani Piraí se
juntaram na Associação de Moradores e Amigos do Bairro Itinga (Amorabi), outro espaço de
lutas. Foram apresentadas músicas, coral indígena, leitura dramática, textos sobre a greve
de 1917 e a galeria José Martinez, em lembrança e respeito ao jovem morto na greve. Além
de uma partilha de alimentos.
A importância deste sarau se dá pela união dos trabalhadores que negam as festas
corporativas para se juntar aos seus companheiros e companheiras em uma comemoração
autônoma. Juntos lembramos daqueles que se foram em luta na década de 10 para que
tivéssemos nossos direitos garantidos hoje. As pessoas que passaram pela Amorabi no 1º de
maio puderam relembrar das conquistas feitas com a greve, do sangue derramado pelos que se
foram em luta e podendo repensar a importância da nossa resistência contra os ataques aos
nossos direitos que viemos sofrendo nos últimos anos.
CEL - 100 anos da greve geral em Joinville
O Círculo de Estudos Libertários (CEL) é uma continuidade do trabalho que deu origem ao
surgimento do anarquismo organizado na última década em Joinville. Entre os anos de 2007 e
2011, as nossas atividades de estudos anarquistas eram chamadas de Grupo de Estudos das
Ideias e Práticas Anarquistas (GEIPA). Depois da adesão dos nossos esforços organizativos
junto a companheirada de Florianópolis, passamos a atuar como um núcleo do Coletivo
Anarquista Bandeira Negra (CABN). Neste caminho adotamos, com o objetivo de afinar as
ações, o nome de CEL para o nosso grupo de estudos. O espaço de estudos é público e tem
como objetivo pensar publicamente sobre a teoria, a prática, a história e a conjuntura.
Também montamos a banca com os livros da Livraria 36 em diferentes espaços, este que é um
meio de agitação e propaganda, assim como levantar recursos financeiros para bancar as
nossas ações cotidianas.
Em 12 de julho, foi marcada uma etapa para um companheiro do CABN apresentar a repercussão
da greve geral de 1917 em Joinville. O evento contou com a participação de 28
participantes, a sua maioria de trabalhadoras e trabalhadores da educação no ensino
público e privado e de estudantes, incluindo presença de compas de Florianópolis e Lages.
A exposição oral apresentou a contextualização do surgimento da ideologia anarquista junto
ao movimento operário na segunda metade do século XIX, enquanto no Brasil as mobilizações
operárias com forte presença anarquista, ocorreram nas primeiras décadas do século XX. O
sindicalismo revolucionário entendido como uma porta de entrada para os anarquistas no
contexto das lutas de classes urbanas. A formação da Confederação Operária Brasileira
(COB) e os seus três congressos (1906, 1913 e 1920) formam marcas profundas que ecoaram em
vários cantos do país, sempre pautado na greve geral, na ação direta, federalismo,
descentralização, internacionalismo e independente de uma linha ideológica.
A década de 1910 foi marcada por intensos conflitos sociais, inúmeras revoltas nas cidades
e nos campos. É neste momento que temos a construção da classe operária urbana brasileira.
Os grandes exploradores da agricultura utilizaram deste capital acumulado para investir no
campo fabril. Onde a força de trabalho de brasileiros, imigrantes, população negra,
mulheres e crianças realizavam jornadas de 10 a 12 horas diárias em fábricas, oficinas,
comércios e construção civil. Sempre com mulheres e crianças recebendo salários menores.
O surgimento da classe operária se deu no processo de exploração capitalista em aliança
com os governos que endureçam a repressão, ocorrendo o "nível de conscientização, seu grau
de mobilização e capacidade organizativa" (BODEA, 1978), o que entendemos como elementos
das condições subjetivas.
Enquanto as condições objetivas, o contexto de eclosão da Primeira Guerra Mundial
(1915-1919), Bodea sustenta que o Brasil passou a ser um fornecedor de gêneros
alimentícios para as nações da "Entente", inclusive de produtos de primeira necessidade,
fato que deslocou produtos do consumo interno para o mercado externo. Medida governamental
para atender as elites econômicas, o que aumentou os preços dos alimentos para população
brasileira. O governo federal, em 1915, realizou a mudança da sua política inflacionária e
de sustentação do café, gerando uma crise na economia nacional. O governo passou a exigir
uma contribuição do povo trabalhador, as contribuições pró-pátria, aumentando o custo de
vida e levando a queda dos salários reais.
Joinville inserida neste contexto internacional, tem na década de 1910 o registro de
intensos movimentos paredistas, como eram chamados as greves naquele período. É o que a
professora Iara Andrade Costa chamou de construção da resistência urbana. Entre os anos de
1917 e 1943, foi possível identificar agitações e resistências populares. Em Julho de
1917, a greve contou com adesão de ferroviários, mecânicos, pedreiros, carpinteiros,
cervejeiros, operários de fábrica de fósforos, costureiras e padeiros. A principal
reivindicação era o aumento salarial. Os jornais da época trouxeram notas de que o
movimento era coisa de "pretos traidores". A luta durou por volta de 4 dias, o tempo
necessário para conquistar o reajuste salarial em 20%, criação de uma cooperativa de
alimentos e projeto de habitação popular.
Em 1920, foi organizada uma greve de padeiros com objetivo de folgar aos domingos. A
conquista ocorreu. Neste mesmo ano, o movimento operário realizou um atividade de grande
importância para o contexto de intensas resistências operárias; "...uma sessão preliminar
do COB, achando-se entre os participantes numerosos representantes de associações
operárias locais, demonstrando que estes estavam engajados nos movimentos nacionais."
(COSTA, 1995, p. 134). Atividade representativa para identificar o quanto as lutas locais
estavam em diálogo constantes com outras cidades, assim como em adesão aos debates
nacionais sobre a organização e os métodos do sindicalismo revolucionário defendidos pela COB.
Em 1924, uma greve de trabalhadores de carga e desembarque de madeira e erva-mate. No
Moinho Boa Vista, em 1927, ocorreram fortes mobilizações operárias com a reivindicação de
jornadas de trabalho de 8 horas, inclusive estabelecendo a organização de trabalhadores de
Joinville e São Francisco do Sul. O movimento sofreu uma expressiva repressão policial,
assim como os convencionais ataques na mídia local.
Seis anos depois, em 1933, foi a vez dos trabalhadores da construção civil reivindicarem a
jornada de trabalho de 8 horas por dia. Nessa greve, o Jornal de Joinville, em janeiro de
1933, afirmou que; "Pode-se dizer que os grevistas estão divididos em duas facções: uma
apoiando a greve geral, ou seja a dos operários de construções civis e industriais
conexas; a outra quer greve exclusivamente da classe." Nos cabe ressaltar um ponto para a
futura reflexão, o debate sobre o uso da greve geral é uma tática sustentada na resolução
de fundação da COB, já citada em parágrafos acima, como o importante papel da
solidariedade de classe. Ou seja, é uma visível repercussão dos encaminhamentos e
resoluções do movimento operário fortemente marcado pelo sindicalismo revolucionário com
presença da militância anarquista.
O fechamento da exposição trouxe as razões para o anarquismo perder o seu vetor social,
que segundo as nossas referências, como nos escritos da Federação Anarquista do Estado do
Rio de Janeiro (FARJ), se deveu aos fatores conjunturais, entre eles a repressão. Como a
Lei Adolfo Gordo, que em 1921 buscou expulsar companheiros e companheiras estrangeiros
identificados com o anarquismo à Colônia Penal de Clevelândia no Amapá; o refluxo das
lutas sociais em todo o mundo; o crescimento do PCB e o atrelamento dos sindicatos ao
Estado. Outro fatores são particulares do anarquismo, como a confusão entre os níveis de
atuação, ausência de uma organização política anarquista para sistematizar os acúmulos
políticos no momento de refluxo das lutas sociais.
Na sequência a fala abriu uma roda de diálogo sobre as possíveis contribuições da greve
geral de 1917 com o atual cenário. Especialmente por ocorrer no dia seguinte da votação,
pelos deputados federais, da reforma trabalhista. Um duro golpe em nossos direitos. Neste
sentido, as falas lembraram da necessidade da organização das trabalhadoras e
trabalhadores pela base, com independência de classe e combatividade, construindo um campo
de diálogo e solidariedade com as demais lutas contra as diferentes formas de opressões.
Cinema, café e bate papo
No processo de erguer a organização política anarquista, entendemos como necessário a
retomada das ações culturais e artísticas para construção de novas subjetividades em
combate aos sujeitos neoliberais que nos tornamos nessa sociedade capitalista,
individualista e opressora. Neste intuito iniciamos um diálogo, desde a sua fundação, com
o Espaço Cultural Casa Iririú, onde realizamos e apoiamos os trabalhos do local. Uma
dessas parcerias é o cine-clube "Cinema, Café e Bate Papo". Em 2016, realizamos uma mostra
com filmes temáticas a Revolução Social na Espanha por conta dos 80 anos do levante
popular contra o fascismo e o capitalismo.
Em 2017 exibimos o documentário curta metragem "O sonho não acabou", dirigido por Cláudio
Kahns, produzido nos primeiros anos da década de 1980, com depoimentos do historiador
autodidata Edgar Rodrigues e da anarquista Elvira Lacerda. O filme aborda o teatro social
realizado pelo movimento operário no contexto da greve geral de 1917. A atividade contou
com participação de 18 pessoas, entre trabalhadoras e trabalhadores da cultura e da
educação, além de trabalhadores/estudantes.
Um novo mundo a construir
Em seis anos de construção da organização política anarquista em Santa Catarina, atuamos
inseridas e inseridos nos movimentos sociais e procuramos identificar as expressões
históricas das classes oprimidas, como apresentado neste modesto relato. O intuito não é
olhar para o passado e tratar derrotas da nossa classe como vitórias, nem ideologizar as
práticas do povo. Neste sentido, ao encontrarmos a atuação do sindicalismo revolucionário
em Joinville, a entendemos como um elemento da construção da resistência urbana contra os
governos e os patrões. Em nosso entendimento, no momento de luta e confronto com o
capitalismo, reescrevemos as nossas memórias de rebeldias, amor e resistência.
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