(pt) federacao anarquista gaucha: Jornadas Anarquistas 2017, Montevidéu - Uruguai
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Quarta-Feira, 22 de Fevereiro de 2017 - 08:38:49 CET
Na tarde do dia 13 de fevereiro, a Federação Anarquista Uruguaia recebeu delegações de
distintos lugares para uma mesa redonda entre organizações políticas, desde a concepção
especifista que marca nossos modos de atuar e organizar. O propósito desta reunião
internacional, que dá sequência a edição de Porto Alegre (Brasil) em 2015, foi o de
ampliar em nossa região do mundo o debate sobre os elementos da etapa sistêmica e o que
traz de específico a atual conjuntura histórica. Trocar informações, experiências e
análises para a atuação social política do anarquismo organizado hoje, com os problemas e
matizes que nos apresentam o tempo em que lutamos e resistimos. ---- "Já faz tempo que
importantes problemas teóricos, metodológicos e também políticos estão colocados e
exigindo uma atualização de acordo com a nova situação que nos toca viver" diz um
documento apresentado ao plenário.
"O socialismo esteve presente e fazendo propostas no marco deste período histórico de
tantas mudanças. Muitas são as experiências que tem colhido, não poucos são seus fracassos
também. Quantos de seus paradigmas caíram junto e concepções inteiras tem demonstrado na
prática que não conduziam ao propósito enunciado. Toda uma concepção autoritária, de
instalação do socialismo por cima, tem ido pro ralo. Nem por isso o socialismo caiu. Segue
sendo o antagonista do sistema vigente."
"O acento posto pelo socialismo libertário na capacidade de resistência dos povos, no
saber que sua experiência social constrói, a solidariedade tantas vezes praticada, são
hoje mais necessários do que nunca. Não é a ciência, nem o desenvolvimento das forças
produtivas, nem a ‘história' em si e nem o progresso os que trarão mudanças que a
humanidade e os pobres do mundo necessitam, hoje talvez mais pobres do que nunca ."
O documento aponta em seus parágrafos finais: "Colocando a bom serviço a técnica, a
ciência e as teorias mais atualizadas e fecundas, as organizações de combate, políticas e
sociais inseridas profundamente no processo em curso, com suas aspirações éticas e firme
vontade resistente, terão que fazer o novo sulco deste tempo. (...) Que não arrotem
vitórias prematuras os inimigos e os capituladores. Não haverá fim da resistência e da
esperança"
Em seu conjunto participaram delegações da FAU (Uruguai), Federação Anarquista de Rosário
(Argentina), Via Libre (Colômbia), Federação Comunista Libertária e Comunidades
Organizadas (Chile), FARPA, CALC, FARJ, FAG, Org. Maria Ieda (pela CAB Brasil), OSL
(Suíça), Alternativa Libertária e Coordenação de Grupos Anarquistas (França).
Adiantamos sinteticamente que o acordo geral que chegamos aponta neste momento ao nosso
desenvolvimento teórico-político articulado com o aumento da incidência libertária nas
dinâmicas de luta e resistência da cena social política.
Reproduzimos abaixo recortes do texto que foi considerado durante a plenária e que
tematizam o acionar do sistema em nossa época e aparecem categorias de análise para nossa
produção teórica.
Estaremos publicando em breve o texto integral.
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Neoliberalismo no econômico, no ideológico e nas relações sociais
As mudanças que trouxe todo o processo de um período histórico, o que tem sido chamado de
"reforma neoliberal", ou simplesmente "neoliberalismo", incluiu o que já é mais que
conhecido: mercantilização dos serviços de saúde, pensões e seguros, as transformações
substantivas do sistema educativo, as privatizações de empresas públicas, a introdução nas
instituições estatais de modalidades de gestão próprias do setor privado, os mecanismos de
flexibilização laboral e de contratações, etc. Junto a isso a injeção no ideológico social
de uma "cultura de empresa". Não é um processo de mudança que pode ser explicado só
através do econômico, intervém nele, simultânea e constantemente fatores de outra ordem
como: o político, ideológico, cultural, judicial e mudanças de racionalidade geral.
Dita mudança produziu como efeito uma grande fragmentação no campo social, especialmente
no âmbito dos oprimidos e explorados. Um profundo individualismo, um processo massivo de
individualização, que mudou boa parte do caráter das relações, tentou instalar outras
modalidades que tem como centro a instabilidade e a fluidez. Onde o sentimento de
pertencer a coletivos e comunidades sociais é deslocado com intenções de faze-los desaparecer.
Com razão que tem sido dito que estamos ante uma situação social histórica onde domina o
mundo um sistema ecocida e genocida que está levando a humanidade à beira do precipício.
Junto com uma política de exacerbação do consumo, que se designa como consumismo, vai uma
destruição brutal da natureza, do ecosistema.
Biopolítica que mata e/ou deixa morrer
As perspectivas, no marco do sistema dominante, não são nada boas, são macabras. Sua
política, sua forma de produção não mudam os rumos, fazem parte substancial de sua
eistência. Sua depredação da natureza, sua exploração humana e a criação de miséria e
"população sobrante" seguirão como suas dependentes.
É a presença de uma nova biopolítica onde hoje se combinam fazer morrer e deixar morrer,
mais do que fazer viver.
Por estratégias de poder mundial temos: guerras de intervenção com massacres de
populações, milhares de assassinatos de civis, destruição de hospitais, sequestros e
assassinatos de prisioneiros, cadeias clandestinas em diferentes países para a tortura
brutal e o assassinato, os ataques com drones tão "cirúrgicos" e "precisos" que deixam
centenas de civis assassinados. Enormes populações desses "estados falidos" que depois de
seu destroço ficam a deriva, mergulhados na fome e no desespero. Essas enormes populações
de imigrantes vivendo em barracos até militarmente controlados e sem o mais elementar pra
sobreviver. Multidões a nível mundial estimadas pelo poder como material sobrante que não
importa nada, que pode se deixar que morra. Vão produzindo um enorme contingente humano
que está expulso de todo direito, está preso para fora e sua vida não vale nada. Pois a
lógica operante é: não são necessários para a produção e não tem capacidade de consumo.
A resistência que se manifesta dia a dia
As mudanças sistêmicas referidas estão aí, abarcando todo o tecido social. (...) mas isso
ocorre no marco de um processo permanente de tensões sociais. De rebeldias,
enfrentamentos, insatisfações, fortes resistências.
Ainda que a Resistência existe ao extenso e largo do poder dominante e tem múltiplas
expressões regionais, não tem que ser necessariamente algo atomizado. Pelo contrário,
distintos nós resistentes, agrupamentos, estendem frequentemente laços entre si e compõem
em tais circunstâncias forças sociais que originam mudanças conjunturais. Como modo de
exemplo tomemos a militância comum de camponeses, indígenas, feministas, ecologistas e
grupos de DDHH ou levantamentos populares compostos por uma gama de resistências como na
chamada Primavera Árabe ou no movimento Indignados da Espanha. Muitos processos de
subjetivação em meio de tensões que são unidos por laços solidários. Processos subjetivos,
engendrados em confrontações, que podem ser políticos e com propostas próprias em
determinadas circunstâncias.
As resistências, por tanto, não são marginais senão ativas no centro de uma sociedade que
se abre em redes; existem, nos fatos, os militantes do mundo dos oprimidos capazes de
viver a miséria do mundo até o final com rebeldia e liberdade, de identificar e enfrentar
as novas formas de exploração, dominação e sujeição.
Nossas reflexões e a atualidade
Nos anima então uma o propósito interessado de refletir sobre enfoques teóricos que possam
resultar efetivos estrategicamente para confrontar-se com formações empíricas, favorecendo
assim uma concepção de de teoria social não divorciada de uma prática de ação política com
intenções de ruptura. Ao mesmo tempo, se tenta buscar uma alternativa conceitual frente
aos numerosos problemas que hoje proliferam, e que em vez de tomar seriamente a
pluralidade e a contingência de um mundo social que tem se transformado, por suposto sem
tocar no núcleo duro do sistema mundo capitalista, termina ignorando as significativas
variações existentes na vida coletiva contemporânea, gerando assim estancamentos e certas
fossilizações no âmbito teórico-político com suas consequências no campo da ação
social-política.
Por exemplo, esta nova configuração sistêmica traz consigo, além de uma nova
racionalização, uma nova forma de Estado. Constituído em um processo, já tem elementos
diferentes do Estado chamado de bem estar social. Mantém sim, mas dentro de outra
articulação, o caráter repressivo das demandas de autonomia dos indivíduos e os coletivos,
seu papel de contenedor dos conflitos sociais, seu monopólio da força repressiva. Em
qualquer caso a dinâmica e determinadas críticas das classes detentoras do poder dominante
coincidiram na necessidade de dar uma virada de página e de superar (reformando a fundo) a
racionalidade welfarista (Estado de bem estar) em curso. Criou assim, em enunciados
"teóricos" e nos fatos uma nova racionalidade, para a atual situação do sistema em seu
conjunto como para o Estado que o integra. Não interessa um Estado não interventor, mas
que sua intervenção seja de determinada maneira. Seja salvando bancos falidos depois de
grandes roubos; fazendo espaço e apoiando o capital financeiro; criando forte controle
sobre populações jogadas na miséria e descontentes; ou criando estados de exceção para
zonas estimadas por eles perigosas no seio de países "democráticos".
Para um conjunto dessas práticas, um dos discursos de verdade, uma ideologia operativa,
será o da segurança da população, Ela vai cumprindo macabras funções ao mesmo tempo que
pretexta levar a democracia e defender direitos fundamentais no terreno exterior, a países
e regiões, com essas frequentes e criminais ocupações ou destruição de países que suas
estratégias geopolíticas de poder indicam.
Uma nova ordem interior respaldada por um sistema de informação geral, "uma espécie de
mobilização permanentes dos conhecimentos do Estado sobre os indivíduos". Isto implica uma
nova modalidade de relação entre o saber, a informática e o poder: não se trata exatamente
da informação e do saber ao mesmo tempo global e individualizante da era das disciplinas,
mas de um saber abarcador, massivo, que quer captar os grandes movimentos de conjunto.
Importam especialmente territórios, "zonas vermelhas".
Outro aspecto para que esta nova ordem interior funcione, é procurar a constituição de um
"consenso" que possa significar uma certa regulação feita efetiva pelo mesmo povo oprimido
que faça que "a ordem se autoengendre, se perpetue, se autocontrole".
Para isso além dos mecanismos e dispositivos do sistema intervirão organizações e
expressões sociais "amigas" que se desenvolvem no campo popular e que nos fatos já estão
integradas no sistema. Que pensam com a mesma lógica.
A nova estratégia de governo e novo Estado neoliberal consiste em garantir os fluxos
(financeiros, humanos, tecnológicos, etc.) e maximizar a proteção em áreas de circulação
massiva. Nesse sentido, se identificam zonas chave para a segurança e a economia (centros
comerciais, aeroportos, jurisdições fronteiriças, etc) e logo se calculam os custos e
benefícios do investimento em dispositivos de vigilância, que traçarão a linha divisória
entre zonas seguras e zonas desprotegidas. O fim é "poder determinar em cada momento quem
se desloca, de onde vem, aonde vai, o que ele faz ali onde está, e se efetivamente tem
acesso a rede em que se desloca e se tem ou não proibição".
https://federacaoanarquistagaucha.wordpress.com/2017/02/15/jornadas-anarquistas-2017-montevideu-uruguai/
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