(pt) rusga libertaria: JUDICIALIZAÇÃO, CRIMINALIZAÇÃO, VIGILANTISMO E PERSEGUIÇÃO - REFLEXOS DA DOUTRINA DE SEGURANÇA NACIONAL
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Quinta-Feira, 31 de Agosto de 2017 - 07:35:01 CEST
O material que trazemos aqui é fruto de pesquisa e reflexões coletivas, da militância da
Rusga Libertária; são contribuições, também, fruto da pesquisa de doutorado de um de
nossos militantes. O material foi divido em três partes - que estaremos publicando de hoje
até quinta-feira - pelo tamanho do material completo e com a intenção de facilitar a
leitura e demais ponderações/crítica/contribuições da companheirada que realize essa
importante leitura. ---- O presente material pode sofrer algumas alterações... ---- Link
para Download em PDF: Opinião Anarquista 03 - DSN Uma Análise Anarquista (part.01) ----
Uma Análise Anarquista - parte 01 ---- Trazemos aqui nossa colaboração com alguns aportes
teóricos-históricos sobre o surgimento da Doutrina de Segurança Nacional (DSN), como suas
diretrizes nunca estiveram distanciadas da realidade dos que lutam com postura combativa e
utilizando a ação direta como mecanismo para construir um povo forte com intenção de
realizar severas modificações na estrutura de dominação. Além de tentar desmistificar algo
criado recentemente: que a Lei de Segurança Nacional foi criada para dar suporte ao
período da Copa do Mundo de 2014 e às Olimpíadas de 2016 - ela foi sancionada ainda no
Governo Dilma.
Com esses apontamentos pretendemos nortear algumas questões básicas sobre a forma
organizativa que acreditamos e os mecanismos de segurança, estratégia e tática essenciais
para o desenvolvimento das lutas das/os de baixo.
A herança da Doutrina de Segurança Nacional
No ano de 2008, o então presidente em exercício Luís Inácio "Lula" da Silva abonou o
decreto nº 6.703, de 18 de dezembro do mesmo ano. Esse decreto aprovou a "Estratégia
Nacional de Defesa", que entrou em vigor na data de sua publicação.
Em documento que antecede a proposta oficial, o grupo de trabalho composto pelo Ministro
da Defesa (na época Nelson Jobim), dos comandantes das três Forças Armadas e do Ministro
da Secretaria de Planejamento de Longo Prazo da Presidência da República (na ocasião
Roberto Mangabeira Unger), estabelecia-se os fundamentos doutrinários para o emprego das
Forças Armadas (FA) em atendimento às demandas da Defesa Nacional.
Quando nos colocamos a analisar a chamada Doutrina de Segurança Nacional, incluída ainda
na época em que os países do Cone Sul estiveram sob a tutela de governos militares, uma
das questões que vieram à tona foi a seguinte: como os militares concebiam a ideia de
Doutrina e Segurança? Alguma herança foi deixada no seio das organizações das Forças Armadas?
Na análise da DMD (Doutrina Militar de Defesa), há uma definição de tais palavras:
Segundo o documento:
As doutrinas representam uma exposição integrada e harmônica de ideias e entendimentos
sobre determinado assunto, com a finalidade de ordenar linhas de pensamentos e orientar
ações. Podem ser explicitas ou implícitas. Explicitas, quando formalizadas em documentos,
e implícitas, quando praticadas de acordo com costumes e tradições.
O documento ainda ramifica o conceito em doutrinas militares (que englobam a
administração, a organização e o funcionamento das instituições militares), doutrinas
militares de defesa (formuladas no nível político e estratégico, ligam-se a
particularidade de cada Estado, no entanto, no nível administrativo, logístico e
operacional, podem ser intercambiáveis, pois se valem da ciência e da técnica), por
último, descreve a doutrina militar de defesa brasileira (com produção de análise
especifica do território e de documentação interna).
No que tange o conceito de Segurança o documento nos traz a seguinte descrição:
Está relacionada à percepção da existência de ameaças que eventualmente, podem se
transformar em agressões. Tais ameaças podem ter origem e implicações no âmbito externo ou
interno de um Estado-Nação e manifestarem-se como agressões ao Poder Nacional em todos ou
parte dos seus campos.
Tudo que foi exposto, segundo os autores, é fruto dos debates estabelecidos pelo Estado
Maior das Forças Armadas (EMFA), criado em 1946. Desta iniciativa, foi construído o
primeiro documento doutrinário básico, que foi sendo aperfeiçoado, com o trabalho paralelo
da Escola Superior de Guerra (ESG), criada em 1949.
A linha que desejamos abordar aqui é que tais conceitos (Doutrina e Segurança) continuam
aportados no que o documento chamou de doutrina implícita (costumes e tradições) e na
ideia de segurança onde se concebe ameaças externas e internas. Além disso, queremos
apontar que houve um refinamento desses conceitos pela ESG, formuladora e disseminadora da
Doutrina de Segurança Nacional nos anos de chumbo, que acabou servindo como referência
para outros regimes.
Outro quesito que também nos deixou bastante intrigado é a ideia que aparece no último
capítulo: a prevenção e o combate ao terrorismo. Apesar de tomar o devido cuidado e
contextualizar "terrorismo", aos acontecimentos de setembro de 2001 nos Estados Unidos da
América (EUA), o conceito de terrorismo é descrito como sendo uma prática "composta por
grupos extremistas, aglutinados por compartilharem valores políticos, ideológicos,
religiosos, étnicos e culturais, integrados por profissionais determinados em suas ações"
e continua descrevendo os objetivos destes chamados ‘terroristas' que tem como propósito
"quebrar ou alterar a vontade do país ou dos países alvos por meio da manipulação do terror".
No Brasil, a ideia de um inimigo que pratica o terrorismo abriu espaço para a formulação
do Projeto de Lei do Senado nº 499, de 2013, que define o que é o terrorismo e quais as
penas para tal crime. Essa ideação, é parto da DMD que visa, com isso, virar lei e
substituir a Lei de Segurança Nacional (LSN) nº7.170 de 1983, que remonta ao regime
militar. Afinal, o que podemos perceber é que no Cone Sul, houveram heranças deixadas pelo
regime militar que podem e estão sendo colocadas na pauta do dia; principalmente quando os
maiores interesses é avançar nas políticas neoliberais - privatizações e imensa
precarização dos direitos sociais e trabalhistas das/os oprimidas/os e ter um segmento
armado dotado de novas diretrizes de intervenção remodeladas com a conjuntura política e
econômica, onde mecanismos de judicialização possuem maior eficácia através do
encarceramento e perseguição de militantes.
O Brasil continua sendo um formulador de teoria militar, embasando-se no processo que o
elegeu nesta parte da América como a nação que melhor aplicou o ideário da DSN. É possível
perceber que essas ideias, formuladas durante os anos de ditadura, continuam influenciando
no campo político latino americano, em especial, tendo como norte da compreensão o
crescimento da criminalização e judicialização das lutas sociais nos 14 anos de governo
PT, tendo maior ataque com os preparativos para a Copa do Mundo e as Olimpíadas de 2016.
Na década de 1960 e 1970, os EUA deram ênfase no antagonismo Leste-Oeste, fornecendo a
devida base ideológica para as ditaduras militares da América do Sul. Segundo Joseph
Comblin: "[...]em 1971 existia apenas no Brasil; os outros regimes, ainda que militares,
eram de cunho nacionalista[...]". O Brasil é importante dentro deste cenário, pois foi o
primeiro a sistematizar uma ideia latino-americana da DSN.
Durante os anos que se seguiram, podemos dizer que todos os países do Cone Sul tomaram o
discurso da DSN para legitimar as ditaduras impostas em seus territórios, em uma primeira
fase ainda não alinhados com o discurso anticomunista, mas sim voltados a resolver
querelas internas - problemas estruturais, como os econômicos.
Outro fato interessante é que na região sul-americana os militares apareceram com
frequência cumprindo papeis no campo político, fenômeno discutido em variados estudos. No
percurso histórico, os militares latinos americanos por vezes aparecem como árbitros de
questões políticas. No entanto, no período da Guerra Fria é possível perceber a
apropriação de um elemento novo: a DSN.
Não queremos transpor aqui, de maneira mecânica, alguns fatos que acreditamos ser
importantes para a elaboração desse material. A discussão que trazemos é que o ideário
construído pelos EUA foi sendo reformulado pelos regimes militares latinos americanos, no
entanto, não nos parece destoante que a troca de concepções entre as instituições
militares do Cone Sul começara antes mesmo de estabelecida no campo da formalidade - como
podemos ver nas décadas de 1970, com o chamado Plano Condor.
Estados Unidos e a Doutrina de Segurança Nacional
Anteriormente, tentamos fazer um panorama amplo sobre o surgimento, estruturação e
reformulações da DSN; todo esse processo foi realizado em consonância com as mudanças
políticas e econômicas globais, configurando de acordo com os interesses geopolíticos e
econômicos das pequenas oligarquias. Tomando a configuração ideológica dos períodos pós
Primeira e Segunda Guerra Mundial, onde o mundo estava imerso em um conflito ideológico
protagonizado por duas grandes potências: os Estados Unidos (EUA) e a União das Repúblicas
Soviéticas Socialistas (URSS), cujas desenvolveram mecanismos distintos e específicos para
a questão da vigilância e contra-inteligência.
Nos EUA, a partir do período Truman (1945-1953), iniciou um debate que girava em torno de
deter o avanço do comunismo mundial - é importante ressaltar que as mesmas práticas já
foram utilizadas ainda durante a virada do século XIX para o XX, quando vários militantes
anarquistas e comunistas passaram por deportações, prisões perpétuas e até mesmo sentenças
de morte. No ano de 1947 ocorreu a assinatura do Tratado Interamericano de Assistência
Recíproca (TIAR), que tinha como mote a proposta de auxílio mútuo entre as Nações
Americanas em casa de qualquer "agressão".
Em 1948 é fundado a Organização dos Estados Americanos (OEA), cuja descrição é tida como
resultado de um longo processo de negociação iniciado em 1945, coincidindo exatamente com
o fim da Segunda Guerra Mundial e é justamente quando os EUA começam a intensificar sua
preocupação com a URSS e seu ideário comunista. A formulação da Doutrina de Segurança
Nacional deu-se nesse contexto e a missão dos EUA era difundir essa principal ideia aos
seus satélites, tendo como conceitos básicos: Geopolítica, Nação, Bipolaridade e a Guerra
Total. Em a Ideologia de Segurança Nacional, Joseph Comblin realiza uma distinção entre
geopolítica e geografia política; através da primeira usasse dos dados geográficos uma
orientação para fazer política, enquanto na segunda é abdicado tal objetivo. Por muito
tempo, os Estados Unidos, não viu com bons olhos as discussões sobre geopolítica por
acreditarem que serviram de base para o nazismo, mas reabilitaram a ideia e apontaram a
geopolítica como sendo a ciência dos projetos nacionais baseados na geografia e
acreditando que: apenas os países maiores teriam condições de desenvolver uma geopolítica
verdadeiramente nacional, aos países pequenos restariam se integrar no conjunto maior.
Os Estados Unidos estabeleciam assim fundamentos científicos via geopolítica para explicar
a necessidade do alinhamento dos países latino-americano aos seus interesses.
Surge, em meio de todo esse contexto, o conceito de Nação estabelecido pela geopolítica: a
Nação agiria pelo Estado, tornando essas duas ideias indissociáveis. A Doutrina de
Segurança Nacional colocava formalmente o que se referia ao Estado não seria distinto da
Nação, passava por todos os interesses específicos de cada nação - de acordo com os
interesses das que controlam o poder hegemônico. Com essa concepção, os países americanos
seriam um só ente, teriam uma só vontade, um único projeto: subordinados aos interesses
estadunidense. Através das relações entre os Estados poderia se ter um comando unificado
para estabelecer um inimigo comum, alinhar o discurso colocando como possibilidade a luta
contra o comunismo internacional.
Os EUA obtiveram relevante crescimento econômico, após a Primeira Guerra, através das suas
investidas em empréstimos e fornecimento de alimentos e materiais bélicos - processo que
acabou levando a Inglaterra em sua perda de hegemonia mundial e tornando os Estados Unidos
a nova potencial em desenvolvimento imperialista. Esse crescimento/desenvolvimento
enquanto potência imperialista, num mundo em avanço de novo ciclo capitalista, fez com que
os EUA aumentassem sua influência sobre os países da América do Sul fazendo com que
levassem suas ideias a cabo; era preciso seguir a nova grande potência que, com sua
direção, "salvaria" a América Latina de inimigos internos e externos. Qualquer outra
demanda nesse momento seria menor, visto a luta maior travada contra a URSS que tinha como
finalidade acabar com o ‘mundo livre'.
O conceito de Guerra Total está dividido entre Guerra Generalizada, Guerra Fria e Guerra
Revolucionária. Na primeira, guarda-se uma noção de uma guerra ilimitada entre os Estados
Unidos e a União Soviética, uma guerra que deveria terminar com a derrota total de um dos
lados, havendo de estabelecer o fim do inimigo como uma questão de sobrevivência (a meta a
ser atingida); na segunda seria a materialização da Generalizada ou total, os países do
Ocidente estariam vendo que as preocupações dos EUA não eram descartáveis e que a
necessidade de barrar o comunismo não estava somente no campo do simbólico e sim no campo
do real.
O conceito construído pela Lei de Segurança Nacional (LSN), formulada pelos estadunidenses
contra as ideias "subversivas" colocava a Guerra Revolucionária como sendo a estratégia do
comunismo internacional, os EUA passaram a equiparar que todos os fenômenos
revolucionários ocorridos no terceiro mundo teriam a mesma base nos interesses soviéticos,
a guerra revolucionária deveria ser combatida pois complementa as outras ramificações
enquanto técnicas. Era preciso criar uma contratécnica e dar suporte para que ela se
estabelecesse em todos os lugares possíveis, estava assim estabelecida toda a base para a
Doutrina de Segurança Nacional; a base estabelecida de uma DSN estaria indo de encontro a
combater toda forma de movimentação social, trabalhista, popular, sindical e rural, sendo
qualquer movimento que pudesse questionar as intenções imperialistas tidas e tratadas
enquanto inimigas do "mundo livre".
https://rusgalibertaria.noblogs.org/arquivos/945
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