(pt) [Itália] A cozinha do povo, do amor e da anarquia By A.N.A.
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Terça-Feira, 1 de Novembro de 2016 - 09:24:04 CET
Novamente em Massenzatico (localidade perto de Reggio Emilia, Itália) se celebrou outra
edição de As Cozinhas do Povo ("Cucine del Popolo"), evento que reúne a cada dois anos
estudiosos da arte culinária e amantes do bem comer. Desta vez, o fio condutor das
jornadas foi As Cozinhas do Amor ("Le Cucine dell´amore"). Desde 2004, a Federação
Anarquista Italiana de Reggio Emilia vem organizando esta grande manifestação de arte,
cultura e boa comida. Nós já tivemos a sorte de part icipar da reunião de 2008, de modo
que desta vez sabíamos perfeitamente o que podíamos esperar. Mas tivemos uma surpresa
agradável porque tudo havia melhorado, o que já era difícil. ---- Fomos convidados pelos
companheiros de Reggio, que não nos deixaram pagar absolutamente nada. Chegamos na
quinta-feira, 29 de setembro. Nossos amigos Gianandrea e Eliana nos esperavam no
aeroporto, e nos instalaram em sua casa; nos levaram à sede da FAI para ver os demais
companheiros (impossível citar todos aqui) e para um jantar fraterno em nossa honra. O
espaguete "a la amatriciana" estava delicioso, mas este foi apenas o começo de uma
verdadeira jornada gastronômica. Além disso, durante todas as conferências, vimos com o os
companheiros atuam, combinando o trabalho intelectual (debates, discursos) com o trabalho
propriamente físico (montagem de refeitórios, salão de atos, limpeza, serviço de mesas). E
não apenas os de Reggio, muitos companheiros de outras localidades também vieram para dar
uma mão.
No dia seguinte, fomos dar um passeio por Reggio, e aproveitamos para cumprimentar Patty
em sua livraria, onde não faltam nossos livros e nossa imprensa, tudo sob um letreiro que
diz "Aqui ponto FAI".
Já em Massenzatico, começamos a cumprimentar os companheiros que vinham de outras cidades
(impossível listar a todos eles também). O grande companheiro e amigo Roberto (Barone
Rosso della Lunigiana) nos preparou uma variedade de iguarias, começando com ostras (sim,
sim, ostras!), que desfrutamos ao ar livre. Na parte da tarde, dentro do "La Paradisa" se
abriu oficialmente as jornadas com a intervenção de Pietro Bevilacqua, que falou do
desaparecimento do nosso "anarcoenólogo" Luigi Veronelli e como o nosso modo de vida mudou
em poucos anos. Carla Chelo, falou sobre a cozinha caseira como lugar e também sobre a
fome que, nas sociedades industriais como a Itália, parece não ser conhecida.
Há de se pontuar que sempre houve uma alternativa vegetariana (inclusive vegana) para os
participantes.
Nós subimos para o primeiro andar para degustar o jantar, também preparado por Barone.
Entre os participantes estavam representantes dos "esodati", um deles falou conosco. Os
"esodati" são trabalhadores que foram demitidos de suas empresas concordando com um
subsídio até a idade da aposentadoria. Agora, o governo italiano lançou uma lei com efeito
retroativo pela qual a sua concessão é cancelada, estando eles agora em uma situação
dificílima, pois não trabalham nem podem receber o seguro desemprego.
Após o jantar, voltamos para o andar de baixo para ouvir o show de Fabio Bonvicini e
Francesco Benozzo (vocais, flauta e harpa).
No dia seguinte (sábado, 1º de outubro), começou com a atuação de Cecio e Verusca, com um
senso de humor que fazia até os mais sérios sorrirem. E assim estiveram por todas as
jornadas. Foi distribuído "zabaione", bebida tradicional à base de ovo que se dava
antigamente às crianças para começar o dia. Já estava montado no jardim o posto de livros,
fundamental em todas as iniciativas libertárias. Além disso, um acostamento da estrada se
encheu de bandeiras vermelhas e negras, o que se via de longe.
Sem sair do jardim, Luigi Rigazzi nos ofereceu uma prova de azeite siciliano e nos
deleitou com uma breve conferência sobre as origens do consumo de azeite na Bacia do
Mediterrâneo. Então, Arturo Bertoldi nos contou sobre o hábito operário de fumar "palolú",
além de oferecer a quem quisesse provar.
Uma vez dentro do Paradisa, Paolo Passi deu a sua palestra sobre "Pílulas de amor e
canções" que, além de muito interessante, nos aprouve com algumas canções tocadas no
violão. Após sua intervenção, fomos comer os pratos preparados pela "Cocinera Rojinegra".
À tarde aconteceu o simpósio de estudos históricos sobre as Cozinhas do Amor, evento
central das jornadas. Isso aconteceu no Teatro Artigiano, a dois passos de La Paradisa.
Começou com a intervenção de Silvia Fabbi, que falou da cozinha e o amor, um binômio
inseparável. Em seguida Alberto Capatti, apresentou uma divertida conferência sobre a
cozinha afrodisíaca. Logo, foi a vez de Isabelle Felici, que tratou de uma forma
documentada e agradável, a cozinha dos emigrantes e exilados italianos. Por fim, eu
intervim falando da alimentação dos trabalhadores espanhóis: " Colherada e passo atrás".
Depois de uma hora de bate-papo entre os participantes, o espaço do teatro tornou-se uma
sala de jantar, onde mais de duzentas pessoas comeram o "Veglione Rosso", capeletes que os
companheiros no Primeiro de Maio costumavam consumir, menu proibido pelos fascistas e que
continuou a ser feito clandestinamente; para sobremesa Stefano Virgilio Enea Raspina nos
deliciou com a leitura dramática de "O Sputnik do sentimento", seguido de um recital de
Daniela Veronesi e Hernán Diego Loza, para acabar o dia ingerindo leite de amor, segundo
uma antiga receita indiana recuperada por Valentina.
No dia seguinte, após comer zabaione, Luigi Rigazzi nos falou da água de alcaçuz, um
produto quase extinto pelas bebidas açucaradas de multinacionais (melhor não citar nomes)
além de oferecer uma degustação deste produto tradicional e natural. Refrescante e
revigorante.
Stefano Scansani, diretor do jornal "Gazzetta di Reggio", ofereceu uma pequena palestra
sobre "Amores e desamores no comer". Esse jornal recolheu informações sobre as
conferências durante os três dias, e fechou um artigo de página inteira sobre o tema. A
televisão regional também dedicou espaço para "Le Cucine del Popolo".
Depois de um momento de conversa entre os participantes, experimentamos comida cigana e
balcânica. À tarde, Gianni Vattimo, o mais importante filósofo italiano da atualidade,
falou sobre o amor e seus "arredores". Em seguida, Philip Corner e R. Phoebe Neville, os
únicos sobreviventes da sua geração artística, apresentaram uma performance ao estilo do
movimento Fluxus.
Após o jantar, que consistiu em uma "Gnoccata" social, pudemos desfrutar do show de
Alessio Lega e seu grupo (percussão, contrabaixo e acordeão), que tocaram várias de suas
canções e, é claro, várias canções do repertório anarquista clássico, quando todos
cantavam juntos. Estava previsto que a noite - e as próprias jornadas - fossem finalizadas
com o canto da Internacional, e assim foi; mas insistimos para que o recital continuasse,
o que foi feito dedicando uma música para o octogésimo aniversário da Revolução Espanhola
("La Varsoviana") e outra aos migrantes que arriscam suas vidas, e às vezes a perdem, para
tentar levar uma vida melhor. Com vivas à anarquia, terminaram as jornadas de As Cozinhas
do Povo dedicas às Cozinhas do Amor. Em dois anos se realizará uma nova edição, desta vez
dedicada às Cozinhas dos Povos.
Aproveitando a estadia por mais alguns dias, nossos amigos incondicionais Eliana e
Gianandrea nos levaram para ver placas dedicadas aos companheiros nas cidades vizinhas, a
comer na casa de Barone Rosso (que cuida dos amigo com o mesmo cuidado que cuida da
cozinha) e a Carrara, cidade tradicionalmente anarquista. Visitamos a cooperativa
tipolitográfica, nossa imprensa, quando eles estavam acabando de imprimir o novo número do
semanário anarquista "Umanità Nova". Perto dali, em Gragnana, onde a FAI conserva e mantém
ativo o mais antigo ciclo libertário da Itália, companheiros (pedreiros, na sua maioria)
no s ofereceram um jantar fraternal que acabou, como não poderia ser de outra forma, a se
entoar canções anarquistas. Essa foi a chave de ouro desses dias carregados de boas
práticas libertárias, com uma ótima difusão do nosso ideal e que, de alguma forma,
demonstram que as ideias que carregamos em nossas mentes e em nossos corações podem ser
postas em prática. É uma questão de começar a trabalhar.
Alfredo G.
Fonte: http://www.nodo50.org/tierraylibertad/339articulo8.html
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