(pt) resistencia libertaria: Questionando a relação de maternidade, transformando as relações sociais
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Terça-Feira, 10 de Maio de 2016 - 10:19:31 CEST
Questionando a relação de maternidade, transformando as relações sociais ---- É preciso de
uma tribo inteira para educar uma criança. ---- Provérbio africano ---- Mesmo que muitas
mulheres não sejam mães, isso não exime nenhuma mulher (e nenhum homem) socialista e
libertária de debater o tema da maternidade sob o viés feminista e de forma crítica para a
construção de nossas organizações políticas e de um projeto de transformação da sociedade.
Como esse tema é muito abrangente e complexo, este texto se propõe a pontuar alguns
tópicos para se tentar construir uma nova postura diária diante das mulheres-mães que se
tem contato, seja de forma rotineira ou esporádica, valendo essas reflexões para todos e
todas que se interessam pelo tema e por construir relações mais solidárias e libertárias
com as mulheres que são mães.
Iniciando a discussão a nível de Estado, embora algumas (insuficientes) políticas públicas
reconheçam e atendam às necessidades de gestantes e puérperas, muito ainda precisa ser
feito.O Estado e o patriarcado violentam as mulheres de forma sistemática, não só não
atendendo suas necessidades típicas do feminino na saúde, educação, segurança e
transporte, mas tirando direitos e criminalizando mulheres, principalmente as negras,
quando se tenta resistir às opressões da máquina.
Atualmente, assistimos indignadas à culpabilização das mulheres em virtude do nascimento
de crianças com microcefalia. Sabemos que o zica vírus é transmitido e se perpetua por
falhas em políticas públicas de saneamento básico e saúde, entre outras. Ao invés de
garantir as condições de saúde pública para o desenvolvimento das pessoas, nesse caso, o
Estado territorializa o corpo e a vida das mulheres, culpando-as por contrair o zica
vírus. Junte-se a isso o abandono dos pais e do próprio Estado através do não-fornecimento
de políticas públicas, trazendo à tona a discussão inadiável da descriminalização do
aborto, de tonar a maternidade uma escolha e não algo compulsório.
A conjuntura há muito é de ataque aos nossos direitos e às nossas vidas. Exemplos disso
são a criminalização do aborto, o estatuto do nascituro, pouco atendimento diferenciado na
saúde (física e mental) para mulheres, carência na proteção à mulher (e principalmente às
negras) contra a violência doméstica, ausência do feminismo como assunto a ser abordado
nas escolas e, em alguns Estados, há inclusive uma proibição expressa nesse sentido,
dentre tantos outros!
A nível de relações cotidianas e no campo simbólico, a romantização da maternidade é um
mecanismo machista e patriarcal de naturalizar e perpetuar a sobrecarga de trabalho sobre
as mães. Decorrente dessa romantização surge a CONIVENTE E CONVENIENTE figura do “pai
quando dá”. É possível facilmente constatar variados casos de relações em que o pai é
ausente e só faz o papel de cuidador quando quer, ou ainda quando usa a criança como
chantagem para se aproximar da mãe, quando a responsabilidade com a criança é só da mãe,
mesmo se dividirem o mesmo espaço etc. Vivenciamos ou presenciamos diversos casos e
relatos de mulheres, casadas ou não, que trabalham, vão buscar as crianças na escola e
fazem tudo dentro de casa, e o pai é ausente nas atividades do dia a dia.
O “pai quando dᔓ(…) infelizmente não percebe [ou simplesmente não se importa] que o
preço de sua liberdade e de sua mobilidade se faz à custa da territorialização da mulher e
do tempo feminino. E que todas as vezes que ele sai pela rua sozinho, caminhando com as
suas próprias pernas, é porque tem uma mulher que está fazendo o trabalho de cuidado de
seu(sua) filho(a)” (Camila Fernandes).
Atrelado à territorialização da mulher e do tempo feminino, acaba por sobrar pouco
(nenhum) tempo e espaço para a mulher curtir o ócio, o lazer, o trabalho, uma leitura, um
hobby, um sonho ou o que quer que seja sem os/as filhos/as. Acaba também que a necessidade
psicológica (fundamental!) de que as mulheres-mães tenham condições de encarar um processo
de autoconhecimento, de reflexão sobre si mesmas, de cuidado de sie empoderamento coletivo
fica relegado para …. DEPOIS (nunca). Resultado: muitas mulheres frustradas e deprimidas,
mas se perguntando “por quê?”.
Segundo Maria José, psiquiatra do Coletivo Feminino Plural, “as mulheres casadas que têm
mais de três filhos, isso é um risco para a saúde mental. Porque são elas que fazem tudo,
cuidam da casa, criam as crianças sozinhas, são elas que abortam, elas que gerenciam a
casa. Quando chegam do trabalho, se forem pobres, vão ter que fazer de novo tudo que
fizeram na casa da patroa […]. É uma sobrecarga que não termina nunca. Então, o casamento
é um risco para a vida das mulheres. Infelizmente, essa é a realidade. Porque aumenta
demais a sobrecarga de trabalho”.
Do outro lado da romantização da maternidade, um outro mecanismo de violência sobre as
mulheres é a exclusiva culpabilizaçãoda sociedade sobre ela por engravidar, o que se torna
um grande tormento psicológico proveniente dos olhares de julgamento em cima da mulher
(mais ainda quando é preta e pobre), além da falta de cuidado, da grande carência na
gentileza e acolhimento a essas mulheres nos espaços públicos e dos insultos contínuos que
a sociedade e(muitas vezes) a família reforçam e descarregam. Nada mais humilhante do que
as palavras “Quem pariu que crie”, “abriu as pernas agora vai ter”, “é obrigação sua
criar”, “quem mandou não se prevenir?!”. Estes e outros insultos pesam para que a mulher
carregue a culpa de ser mãe para o resto da vida. E ainda acreditando no romantismo da
maternidade, a mãe sente que tem que aceitar tudo isso calada e sem rebater.
Diante desse quadro desolador, principalmente para as mães negras e pobres, é necessário
um conjunto de ações que rompam com esses dispositivos (reais e simbólicos) do poder
machista e patriarcal. A começar pelo conselho: “mais do que questionar, aproveite a
oportunidade para auxiliar, para por em prática sua gentileza, seja puxando um carrinho no
mercado enquanto a mãe segura o filho no colo, seja dando o lugar na fila”. (Mariana).
Também temos necessidade de progressivamente desromantizar a maternidade, como uma forma
de mostrar que não só a mulher tem a obrigação de cuidar ou de ocupar todo o seu tempo
nesta função. Não falamos aqui em deixar de cuidar do filho ou da filha, mas de dividir as
responsabilidades, garantindo que a mãe possa dar continuidade a seus planos de vida.
Portanto, que apareçam nos discursos cotidianos e em nossas ações o incômodo e o
desconforto do privilégio do “pai quando dá” – que pode ser um amigo, um colega, um familiar.
Também incentivamos a prática libertária de comuna e de responsabilidade coletiva pela
socialização e criação das crianças. Buscar formas de dividir responsabilidades e
multiplicar a educação das crianças é uma das maneiras mais potentes de empoderar as
mulheres na luta feminista! Daí as organizações políticas, os movimentos sociais e
coletivos precisarem estar atentos para as mulheres-mães que frequentam seus espaços e
constroem a luta. É fundamental reconhecer que o simples fato de essa mãe estar levando
sua criança para um espaço de esquerda já é uma contribuição para o fortalecimento das
lutas e para a construção de uma sociedade mais justa, a partir da educação de crianças em
espaços com cultura libertária.
E aqui, nós, que organizamos espaços coletivos e libertários, precisamos estar atentas:
“ao se aproximar de ambientes e coletivos feministas, sejam eles presenciais ou não, a
mulher precisa se sentir acolhida, segura e representada. Com a mãe não é diferente. Mas
estar em um lugar onde há muita antipatia com a sua condição de mãe não é lá muito legal.
Agora imaginem um ambiente feminista que não é acolhedor para uma criança. Se não acolhe a
criança, logo não vai acolher a mãe”(Adauana Campos). Por isso que é tão valioso que as
organizações políticas e os movimentos sociais incluam as mães em sua agenda e na sua
estrutura e disposição política de se fazer movimento.
Por fim, gostaríamos de terminar o texto com a importância da desobediência para nossas
crianças – tema tão caro para nós, anarquistas! Não se trata aqui da rebeldia sem causa,
mas da consciência de se estar sofrendo uma injustiça e da raiva decorrente disso bem
direcionada e expressa. Não se trata só de desobedecer, mas de saber quando e como
desobedecer! E que ato de coragem e ousadia é se nossas mães-amigas libertárias
estimularem nossas crianças a despertarem suas capacidades críticas a isso – ainda mais
diante delas mesmas ou de outras figuras de “autoridade”!
“Na verdade, quanto mais permitimos que o outro siga a sua própria vontade e criamos um
ambiente de condições favoráveis e saudáveis para que isso ocorra, mais respeito
conquistamos nessa relação e, de lambuja, contribuímos para quebrar esse ciclo
autoritário, competitivo e dominador que impera em nosso contexto social.As pessoas mais
criativas e que surpreendem nesse mundo são as que aprenderam que é preciso desobedecer.
Quando aprendemos a desobedecer, (re)descobrimos o prazer da vida, aquela felicidade
genuína da infância e passamos a obedecer (aí sim), a nós mesmos, ao nosso coração.”
(Bruna Gomes)
Referências
Camila Fernandes:
http://www.geledes.org.br/pai-quando-da/?fb_ref=4725e72374f240998357609a68798cbf-Facebook
Adauana Campos:
https://www.facebook.com/ogatoeodiabo/photos/a.189948551181226.1073741826.189944834514931/523383297837748/?type=3&theater
Julia Harger:
https://temosquefalarsobreisso.wordpress.com/2015/11/22/desconstruir-a-maternidade-romantica-e-nosso-papel/
Maria José:
http://www.geledes.org.br/o-casamento-e-um-risco-para-a-vida-das-mulheres-diz-medica-especialista-em-saude-mental-feminina/#ixzz44LrTTyRk
Bruna Gomes:
http://brincandoporai.com.br/a-importancia-da-desobediencia/
Mariana:
http://porumavidadeverdade.com/eu-mae-solo-de-tres-puerpera-longe-da-familia-e-feliz/
Baixe esse arquivo na versão do Boletim Opinião Anarquista – Divulgue a Imprensa
Libertária [ORL]
http://resistencialibertaria.org/2016/05/06/maternidade/
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