(pt) Federação Anarquista do Rio de Janeiro (CAB) O 1° de maio em meio à crise final do projeto “Democrático-Popular”
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Sexta-Feira, 6 de Maio de 2016 - 08:45:36 CEST
O 1° de Maio em nosso “tempo” ---- Há 120 anos o 1° de Maio é uma data especial para a
classe trabalhadora de todo o mundo. Um dia de luta, mas também de luto, reflexão e
homenagem a todos aqueles que um dia sacrificaram suas vidas para a luta dos de baixo. Uma
data que os de cima fizeram e fazem de tudo para esvaziar seu significado original,
apresentando-a enquanto “Dia do Trabalho”, uma espécie de dia para santificar patrões e
governos que, investidos de boa vontade, nos “dão trabalho” e “alternativas de vida”. ----
Independente deste jogo dos de cima, em todo o mundo o Primeiro de Maio sempre foi um
momento importante para muitos trabalhadores e trabalhadoras pensarem sua própria
situação, organização e capacidade de lutar por mudanças efetivas. Em outras palavras, sua
capacidade de poder. É, portanto, uma data de toda a classe trabalhadora e por isso mesmo
um marco internacional que paira além das tradições políticas e ideológicas que vêm desta
classe em luta.
O 1° de Maio que se aproxima não se enquadra em um cenário favorável para nós. Difícil
seria se enquadrar, já que nossa experiência tem demonstrado que até que se aniquile o
Capital e o Estado, todos os tempos serão tempos terríveis. No entanto, é nossa tarefa
analisarmos quais são as características do momento em que entramos, suas coincidências
com outros tempos, as forças dos agentes em jogo etc. Análise que pretende ser objetiva e
não dogmática, sem querer encaixar a realidade dentro de uma determinada teoria. Um vício
que tem levado parte expressiva da esquerda a dar voltas em círculos, como um cachorro que
tenta agarrar o próprio rabo, sem inserção nas lutas sociais, atuando exclusivamente em
direções, cargos, etc., ao invés de estar na base e construir movimentos populares desde
baixo.
Nos últimos meses a esquerda em geral tem assistido a uma ofensiva do andar de cima, do
conservadorismo e da direita no país. Essa ofensiva que, ao nosso ver, se manifesta como
catarse no processo espetaculoso do impeachment da presidente Dilma, também gera
consequências terríveis no âmbito da esfera organizativa dos de baixo. De um lado, um
retrocesso político de muitos setores que hoje se reduzem a “defender a democracia”,
sabendo-se lá o que se quer dizer com esse conto. Do outro, uma autoproclamação elitista
que se coloca acima da classe: na incapacidade de conviver cotidianamente com ela,
acredita que lançando algumas palavras de ordem pode acionar um incêndio e passar a
“dirigi-la”.
Atônita e com pouca capacidade de reação no curto prazo, boa parte da esquerda tem se
reduzido ao melancólico papel de espectadora de uma trágica ofensiva reacionária que tem
acumulado consideráveis forças e convoca um esforço redobrado de nossa parte para fazer
valer o pouco que conquistamos. O pouco que conquistamos com o sangue, suor e lágrimas de
muitos, entre eles dos anarquistas Mártires de Chicago condenados à morte.
O Espetáculo do Impeachment e a ofensiva conservadora
Grotesco espetáculo circense aparte, o impeachment movido pelo bando vigarista do
congresso liderado por Eduardo Cunha foi um golpe parlamentar que se ancora na crise sem
precedentes do governo Dilma e do petismo na cena política nacional:
– a franca evolução do PT ao centro e à direita pela política de alianças com as
oligarquias que formam o centrão do Congresso Nacional, no qual as barganhas e as
chantagens do PMDB representam sua expressão mais pura;
– a liquidação do pacto de classes diante de um cenário econômico recessivo e a rendição
do governismo às pautas do ajuste fiscal cobrado pelo sistema financeiro e pelas patronais;
– a posição equivalente de um partido sócio da corrupção sistêmica e do estelionato
eleitoral que é regra do jogo da democracia burguesa.
O desejo por trás da reação parlamentar, midiática e judicial nessas circunstâncias
especiais é fazer com que o ajuste envergonhado que o PT conduz atinja o grau máximo pela
via do impeachment, resultando na formação de um governo de choque. Atacar os direitos e
os bens públicos sem os meios de colaboração e do “diálogo” que foram usados à exaustão
pelos gestores petistas do capitalismo brasileiro, sejam aqueles integrados nas estruturas
do Estado ou nas burocracias dos movimentos populares, com especial destaque ao movimento
sindical. Tomar carona oportunista na comoção social produzida pelo derrame do discurso
jurídico-criminal sobre a política e a corrupção para impor soluções ao gosto das mesmas
classes dominantes de sempre.
Não nos restam dúvidas de que Sérgio Moro e a Lava Jato trabalham para estes interesses.
Essa é a trama preferencial de uma narrativa privilegiada pelos grupos de mídia, que se
aproveita da situação para fazer cortina de fumaça nas investigações que acusam os
sonegadores pela Operação Zelotes e as contas na Suíça do HSBC. Os aparelhos judiciários
não têm nenhuma vocação para uma mudança social que ponha o centro da decisão na
participação popular.
O que boa parte da esquerda parece ter dificuldade de entender é que por fora da gramática
do poder de classificar culpados e inocentes, de selecionar e excluir, de toda máquina
penal que alimenta um discurso punitivo, o projeto liderado pelo PT se integrou nessas
estruturas dominantes e se afundou na vala comum. Aparte do processo legal, o governismo e
suas “correias de transmissão” no movimento sindical e popular atropelaram conceitos e
valores que são muito caros a uma concepção de esquerda. A princípio não nos toca a
legalidade do “triplex” ou do “sítio de Atibaia” que pressionam Lula. O que provoca nosso
rechaço, antes de tudo, é que líderes históricos da legenda nascida das greves do ABC
sejam consultores sem constrangimentos da patronal e gestores de fundos de pensão. No caso
de Luis Inácio, estamos a falar de um palestrante de luxo da Odebrecht e amigo de Bumlai,
poderoso empresário do agronegócio. Um fã ardoroso do banqueiro Henrique Meireles, para
dar só alguns exemplos.
A tragédia de tudo isso é que na percepção dos setores populares a trajetória de fracassos
e decepções de um partido gestado no fruto das lutas sociais dos anos 80 arrasta toda a
esquerda para o mesmo buraco. Estimulam o ceticismo, a intolerância e a indiferença
política e social, onde crescem as ideias reacionárias de uma salvação autoritária que
adiam a urgência de organizações populares de base.
Aniquilar pela vidraça do PT todo tipo de movimento social e pensamento de esquerda tem
sido a grande ofensiva dos setores reacionários que encabeçam o impeachment, colocando um
“anticomunismo” primitivo como uma das principais questões desta ofensiva. Daí que entre o
ajuste fiscal encontramos também uma ofensiva reacionária em relação à cultura e à
educação, com o bizarro projeto “Escola sem Partido” que vem ganhando terreno em diversos
Estados da união sob diversos matizes, mas com um mesmo fim: coibir a pretensa
“doutrinação ideológica” de jovens nas escolas e universidades por um fantasioso “marxismo
cultural” de professores da área de humanas. Uma teoria da conspiração que, como tal, na
ausência de um mínimo fundamento histórico, teórico e pedagógico se nutre de um raivoso
ressentimento conservador que busca, inclusive, encarcerar professores dependendo daquilo
que dialoguem com os estudantes.
O retrocesso que nos ronda, portanto, não é apenas em relação à maior precarização de
nossas relações de trabalho com o aniquilamento de direitos e arrocho salarial. É também
um retrocesso que joga no plano cultural, na ávida busca dos conservadores em formar uma
geração de jovens perdidos sem qualquer capacidade de elaboração de um raciocínio que
problematize sua vida cotidiana e o espaço onde ela se desenvolve. Jovens que se acostumem
a serem dóceis funcionários do trabalho precário ou mortos sumariamente na trágica “guerra
das drogas” e nas chacinas que atingem a população das vilas e favelas, em especial a
juventude negra. O modelo da “escola prisão”, de reduto disciplinador de corpos e mentes,
da promoção de uma ideologia de competição, onde aos “melhores” cabe o papel de passar por
cima dos “piores”, ganha uma posição privilegiada nesse cenário.
A vocação economicista e/ou parlamentarista de grande parte da esquerda não tem permitido
a necessária atenção em torno dessa ofensiva cultural. Ao mesmo tempo demonstra a sedutora
tentação de que pode se apresentar instantaneamente como a grande alternativa à desilusão
das amplas massas com o petismo. Tudo se resume à correta escolha de um punhado de
palavras de ordem que alimentem um otimismo delirante de que “agora é a nossa vez”. Caso o
jogo não seja virado, basta culpar aqueles que “capitularam” e preparar-se para sua
próxima derrota caricata.
Forjar a construção de alternativas desde as bases e com as bases
Os 14 anos de hegemonia do projeto democrático popular chegam a sua saturação final.
Nestes últimos anos a esquerda não governista esteve em meio a uma luta para conformar uma
alternativa a esse bloco. Cada setor, cada organização concebeu, a sua maneira, o que
seria essa alternativa. Mas no fim, não foi capaz de presenciar alguma proposta que
disputasse com o bloco governista nas lutas populares. Isso, por sua vez, não tirou de
cena o surgimento de inúmeras experiências que transbordam ensinamentos e avanços difíceis
de medir precisamente. Das “greves selvagens” e das revoltas nas obras do PAC, passando
pelas jornadas de junho em 2013, a luta por moradia nas grandes cidades e a recente onda
de ocupações de escolas por estudantes secundaristas em São Paulo, Goiânia, Rio de Janeiro
e Belém mostram que em meio às trevas da ofensiva reacionária, também vai se afirmando uma
nova geração de lutadores e lutadoras. Uma geração que não se formou pelas estruturas
tradicionais de luta e organização que a esquerda construiu nas últimas décadas, por isso
mesmo, uma geração refratária aos métodos e à cultura destas estruturas.
O 1° de Maio, evento histórico de nossa classe, é um momento para refletirmos nossa
trajetória enquanto classe em luta, de resgatar os valores universais que difundiram
nossos Mártires de Chicago na épica luta pela redução da jornada de trabalho, levada a
cabo por homens e mulheres do povo em todo o mundo, disputando com os parasitas do
trabalho a organização de nossas vidas. Uma vitória que estes parasitas nunca nos
perdoaram e buscam contorná-la ainda hoje com seus infames artifícios, como é o caso do
banco de horas.
O 1° de Maio é o momento para estarmos juntos, refletindo sobre nossa presença nos
diversos espaços de nossa classe e em como temos alimentado cotidianamente laços de
resistência. Da disputa contra ideias conservadoras à organização de uma luta contra o
ajuste, tudo é decisivo na construção de um punho forte e solidário dos de baixo. Não se
trata de apresentar-se enquanto única verdade, mas sim de construir, palmo a palmo, os
alicerces do novo dique dos de baixo a conter a ofensiva dos de cima. É no fazer cotidiano
de nossa classe que vamos acumulando força social, expressa no empoderamento dos de baixo
e não no fortalecimento de aparatos. Uma força real que exige de nossa parte que não
sejamos sectários, exige mais reflexão, capacidade de escuta e imaginação política.
Em memória aos Mártires de Chicago, continuar a luta por direitos e pela transformação social!
Criar um Povo Forte! Desde baixo e à esquerda!
Lutar! Criar Poder Popular!
Retirado de http://anarquismo.noblogs.org/?p=478
https://anarquismorj.wordpress.com/2016/05/01/o-1-de-maio-em-meio-a-crise-final-do-projeto-democratico-popular/
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