(pt) anarkismo.net: A vitória pontual da Chevron e dos especuladores – análise de conjuntura da segunda metade de fevereiro de 2016 by BrunoL
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Sábado, 5 de Março de 2016 - 14:48:41 CET
Abertura ---- A retomada do recesso parlamentar no Brasil veio em conjunto das pautas mais
ilustrativas dos efeitos danosos do acórdão de classes e pacto conservador cuja marca é o
lulismo. Ao mesmo tempo em que o Brasil sofre chantagens através de conhecidos mecanismos
internacionais – como a sempre denunciada revista The Economist, por exemplo – e o
tenebroso papel das agências de “análise”, o governo de Dilma Rousseff, contra a parede e
alvo de investigações político-criminais que por vezes avançam ao arrepio da lei, faz os
acordos possíveis para evitar o pior e tentar fazer “as lições de casa”, agora com Nelson
Barbosa à frente. Com a agenda política tomada pela ofensiva na Operação Lava Jato – já
passando para sua 23ª fase – os recursos políticos do lulismo operam para fidelizar sua
base e esta mesma base restante faz pouco ou nada para defender seus próprios interesses.
Antes que os leitores e leitoras ainda na base do governo se animem na crítica, digo que
esta votação no Senado só saiu vitoriosa pela proposta entreguista porque o Planalto se
mobilizou para conseguir fechar algum tipo de acórdão que não ficasse tão mal.
Chantagem internacional operando sobre o Brasil – Standard & Poor’s e Moody’s rebaixam
novamente a nota e a classificação do país
A agência de “análise” Standard & Poor’s rebaixou a nota brasileira na metade de fevereiro
de 2016. Na verdade, rebaixaram-na por duas vezes em cinco meses, atuando como
interventora na crise mais do que uma instituição em condição de analista. Observo e
repito que os chantagistas continuam. Independente da posição política no ambiente
doméstico é preciso entender o papel de coação que estas agências fazem. Não se trata de
análise de risco alguma e sim uma forma de constrangimento de modo a que os países se
subordinem aos desígnios dos operadores da jogatina financeira. Qualquer semelhança com a
Troika européia e o acionar do FMI na América Latina dos anos 80 e 90 não é nenhuma
coincidência.
O tema da denúncia nunca é demasiado. Precisa ser reforçado e exposto como parte de uma
estrutura para-institucional de coação sobre os recursos coletivos da população dos
países. Estas agências devem ser permanentemente combatidas assim como seus reprodutores,
papagaios vira-latas nacionais, mídia e os pretensos especialistas de receita de bolo
pré-fabricado incluídos. Este tipo de operação casada, de acionar das agências e
repercussão midiática é uma das formas constitutivas da jogatina conforme veremos a seguir.
Com a Moody’s não foi diferente, nem seu acionar e menos ainda a cobertura midiática Ao
longo da 4ª dia 24 de fevereiro acompanhei a repercussão e ainda mais atenção pus sobre as
“explicações” da perda de grau de investimento e selo de bom pagador do Brasil pela
agência de “análise” Moody’s. Escutei âncoras de rádio e TV visivelmente censuradas dando
indicações para os ouvintes procurarem assistir ao documentário Trabalho Interno (Inside
Job, filme de Charles Ferguson, 2010) para entender como operam de verdade as agências.
Mas, este grão de areia não conteve a avalanche de cretinice mentirosa, com analistas de
mercado comparando as finanças individuais com a de um país, ou prevendo que o país perdeu
o grau porque não fez a “lição de casa”, dentre estas lições, privatizar a Petrobrás e a
Eletrobrás e cortar as políticas sociais. Também escutei absurdos como “ideologização da
economia” – como se houvesse algo em sociedade que não está permeado de qualquer tipo de
ideologia – e influência “política” sobre “decisões técnicas”.
Juro que ouvi isso, da boca de fonte “especializada”. Quem disse esses absurdos foi o
analista Alex Agostini, na Band News FM, por volta das 11h10 da manhã. Este analista
trabalha para a Austin Ratings, uma empresa de risco brasileira e como tal, reprodutora
das premissas e propagandista das ideias neoliberais e privatistas.
Enfim, o regozijo dos neoclássicos neoliberais foi ao encontro da chantagem das agências e
do pedido de penico e perdão do ministro da Fazendo do país, Nelson Barbosa, dizendo que o
“Brasil está fazendo a lição de casa e logo este grau volta….”. Tampouco ouvi ou assisti
ao longo do dia a uma mísera correlação entre a dívida pública brasileira e os juros de
agiotagem auto-aplicados pelo governo do Copom ou a manipulação escancarada da mesa de
câmbio pelas três maiores instituições bancárias do país. Já é difícil explicar
minimamente a relação dívida-PIB em um ambiente com atenção e meios como a sala de aula.
Imaginem um trabalhador que “odeia economia” – porque odeia o economês e a associação de
que a “economia” é um discurso esvaziado de ECONOMIA POLÍTICA separando vergonhosamente o
processo decisório do processo produtivo.
Vale reforçar que esta crítica a Moody’s, Standard & Poor’s e antes a Fitch não implica
nenhum tipo de alinhamento com o governo Dilma, ou para com o lulismo e menos ainda com
alguma inclinação keynesiana como estrutura contrária ao domínio – de fato – do capital
fictício.
O PLS 131 e a promessa de José Serra para a Chevron
Antes que os leitores e leitoras ainda na base do governo se animem na crítica, digo que
esta votação no Senado só saiu vitoriosa pela proposta entreguista porque o Planalto se
mobilizou para conseguir fechar algum tipo de acórdão que não ficasse tão mal. Também vale
ressaltar que a própria presidente Dilma Rousseff, embora tenha ocupado a pasta da
Secretaria de Energia do governo Olívio Dutra (RS, 1999-2002) e o Ministério das Minas e
Energia do primeiro governo de Lula até a queda de José Dirceu em meados de 2005, ela
própria não se manifestou a respeito do tema.
Como é sabido, o Projeto Lei do Senado número 131 retira da Petrobrás a obrigatoriedade de
investir em todos os campos de exploração do Pré-Sal com no mínimo 30% do valor e de estar
á frente das operações. Eu mesmo critiquei esse marco do Pré-Sal quando do Leilão do Campo
de Libra, pois ainda abre demasiada participação para o capital transnacional, podendo
repetir operações de joint venture como a YPF renacionalizada no governo Cristina Kirchner
e a associação infame com a Chevron para opera 200 dos 1200 poços ou mais existentes no
campo de Vaca Muerta.
Bem, acontece que a Chevron seria – segundo o Wikileaks – uma das maiores interessadas na
aprovação deste Projeto, que contou com o apoio quase incondicional de outro cliente de
empreiteiras, o senador alagoano Renan Calheiros (PMDB-AL), o presidente da Câmara Alta do
Congresso. Por 40 votos a 26, com vários votos da base do governo atuando em consonância
com o Planalto e a posição do PSDB, a Petrobrás ficou sem a obrigação de investir no
Pré-Sal, abrindo margem para o retorno do regime anterior de concessão, acima do de
partilha – o atual – onde já é permitida a participação de capital transnacional.
Na tarde de 4a dia 24 de fevereiro e com o aval do governo por mesquinhos cálculos
políticos, foi aberto o caminho para a entrega de patrimônio do povo brasileiro, ainda que
com sua soberania popular sequestrada pelo Estado Capitalista. É disso que se trata o
ocorrido no Senado e – ao menos no meu entendimento – isto está acima de qualquer
interpretação de pacto de classes ou de nacionalismo confundido com estatismo.
Qualquer semelhança com a baixa do valor do petróleo, a redução de mais de um quarto dos
contratos de trabalho temporários da Petróleos Mexicanos (PEMEX) e a maldita herança
colonial da balança comercial fundada em commodities, não é nenhuma coincidência.
Vejam bem, nem o governo Cristina Kirchner conseguiu coordenar uma operação conjunta com a
PDVSA, YPFB (boliviana) e a Petrobrás durante governos afins com a retomada da YPF e a
abertura dos poços do Campo de Vaca Muerta na Província de Neuquén – Patagônia argentina
(em pleno território ancestral mapuche, e obviamente, atropelando os direitos dos povos
originários!).
Ponto para a Chevron, para a embaixada dos EUA e também para os capitais estatais
chineses, que agora aumentam seu poder de barganha e caso este absurdo venha a ser
aprovado na Câmara e não vetado pela Presidência, podemos fundar o vice-mandarinato de
Beijing, compartilhado com o mercado financeiro. José Serra é a mão que embala o ovo da
serpente, mas há cumplicidade do Palácio do Planalto em mais este crime contra os
interesses do povo.
Apontando alguma conclusão
Vejo que o ano legislativo começa com a pauta marcada por operações político-criminais e
jurídico-policiais, como as Operações Zelotes e Lava-Jato. Não haveria nenhuma incidência
sobre a vida política de massas se esta tivesse um grau maior de independência política
diante da agenda de sobrevivência do governo federal pactuado com setores importantes da
classe dominante. Como o movimento popular está enfraquecido desde 2002 – ano da vitória
de Lula para a Presidência da República – especificamente desde o Plebiscito da ALCA (hoje
moribunda Área de Livre Comércio das Américas, cuja derrota foi talvez o grande triunfo
continental da linha chavista-bolivariana), estamos diante de um paradoxo. Ou se constrói
um novo grau de articulação popular, do tipo exercido em 2013, mas de forma permanente, ou
ficaremos os próximos dois anos denunciando as “traições” já esperadas de quem governa
definitivamente por direita e comparte importante da direita brasileira e está sendo alvo
de ataques da direita mais ideológica e um de seus braços políticos que perdeu a eleição
no segundo turno de outubro de 2014.
Bruno Lima Rocha é professor de ciência política e de relações internacionais.
site: www.estrategiaeanalise.com.br
email: strategicanalysis riseup.net
facebook: blimarocha gmail.com
http://www.anarkismo.net/article/29136
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