(pt) anarkismo.net: No rastro da nova-velha direita e o giro reacionário do senso comum brasileiro – 2 by BrunoL
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Sábado, 25 de Junho de 2016 - 14:56:23 CEST
Introdução da segunda parte da série ---- Neste segundo artigo da série da nova-direita,
desenvolvo a ideia de como o senso comum foi sendo colonizado por ideias reacionárias, que
terminam sendo um modo reativo diante das tímidas e, por vezes, pífias políticas de
reconhecimento promovidas pelo governo temporariamente afastado e o pacto lulista iniciado
em 2003. Na esteira deste reacionarismo social e de âmbito na cultura e na religião, vemos
espetáculos dantescos de misoginia, de homofobia e um rechaço “medieval” aos avanços
obtidos dentro da Constituição Federal de 1988. Insisto na tese de linha chilena, ao menos
até 1981, quando o pau de arara e as máquinas de moer carne humana das forças repressivas
de Augusto Pinochet e cia. eram complementadas pelo asqueroso preceito dos Chicago Boys,
doutores e mestres em economia na Universidade de Chicago, para onde foram às dezenas por
duas décadas a soldo de bolsas do Império.
O problema societário está na capacidade de massificação desta postura – existe, não seria
majoritária, mas tolerada, e fazendo muito barulho – e os confrontos inevitáveis daí advindos.
Não são apenas viúvas da ditadura, mas viúvos da linha dura aliados aos neopentecostais
Vamos por partes e seguindo a verdade dos fatos. Entendo que é preciso resgatar a figura
de Dilma Vana Rousseff, guerrilheira, e da mandatária afastada. A presidenta Dilma
Rousseff foi capturada como presa política e barbaramente torturada. Isso aconteceu. O
crime de tortura não costuma prescrever em nenhum direito no mundo, no direito
internacional está previsto como crime de guerra, mas no Brasil a tortura aos opositores
do regime ditatorial prescrevera como acordo (espúrio a meu ver) de saída do regime de
exceção. É importante ressaltar que esta opção de seguir os “vasos comunicantes” de
Golbery foi escolha da então centro-esquerda e oposição liberal hegemônica no final da
década de ’70.
Os governos dos generais Ernesto Geisel (1974-1979) e João Baptista Figueiredo (1979-1985)
derrotaram politicamente a linha dura (identificada pelo braço repressivo do DOI-CODI) na
interna do regime, processo cujo auge foi a tentativa de golpe do general Sylvio Frota –
em outubro de 1977 – e na sequência com o chamado terror de direita no país. A ação de
“viúvas” da ditadura, como o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) – embora sua faixa
etária seja outra – manipulam termos e desígnios do período da Guerra Fria e de forma
caluniosa associam todas as esquerdas aos governos de tipo stalinista, como na antiga
URSS, ou na versão chinesa do maoísmo até 1971.
O problema societário está na capacidade de massificação desta postura – existe, não seria
majoritária, mas tolerada, e fazendo muito barulho – e os confrontos inevitáveis daí
advindos. O problema estrutural está no chamado entulho autoritário, notadamente no modelo
brasileiro de polícia, e no alto índice de violência estatal praticado no país. Logo, o
discurso reacionário pode calar fundo na população mais desassistida, desesperada por
algum grau de segurança pública (defesa da vida e do patrimônio) e muitas destas pessoas
manipuladas pelos mercadores da fé alheia, como os pastores neopentecostais, como os
líderes Edir Macedo (Igreja Universal), Silas Malafaia (Assembleia de Deus), RR Soares
(Igreja Internacional da Graça de Deus), Valdomiro Santiago (Igreja Mundial) e outros
concorrentes.
Ainda não há uma vinculação direta de todos estes pregadores com as propostas
neoconservadoras da extrema direita, mas sim da linha neoconservadora e da chamada da
Teologia da Prosperidade. Logo, há uma vinculação, ainda indireta, entre a postura
neoliberal radicalizada e a defesa de uma espécie de democracia limitada pelos agentes de
mercado; e muito pressionada pela direita religiosa.
A linha chilena no Brasil pode se concretizar com Jair Bolsonaro para presidente em 2018
O que temos no Brasil são os efeitos de décadas semeando o padrão do neoliberalismo e
também uma histeria frenética e mentecapta contra a representação do pacto de classes do
lulismo. O ex-presidente propôs um jogo do tipo ganha-ganha, onde o empresariado ganhava
com apoio do Estado e o crescimento econômico faria a redistribuição através do aumento do
emprego e da renda. Acontece que não houve uma tentativa de distribuição de poder, o que
viria através da mudança das regras eleitorais – ao menos a tentativa desta mudança – e a
criação de um novo setor social mobilizado através dos beneficiários destas políticas.
Assim, a maioria pode estar mais assistindo a crise política do que se engajando, o que
aumenta a penetração da falácia gerencialista, da mentira estruturante da “eficiência do
capital privado sobre o Estado” ou quaisquer outras baboseiras de legitimação. Como este
conjunto de ideias detém, de forma maior ou ainda meio tímida, a hegemonia das linhas
editoriais dos conglomerados midiáticos, terminam por indicar para a população o caminho
falacioso como válido. O elogio ao indivíduo cala fundo no individualismo que atravessa as
relações sociais, e encontra terreno fértil junto da demência coletiva conservadora que
circula por internet.
Outro fator importante é o preconceito ao outro, para a diversidade, para as ideias
igualitárias, na defesa das populações originárias e quilombolas, terminam ganhando um
sentido mais amplo daqueles que acusam servidores de “viverem nas tetas do Estado”,
parasitas sociais, ou outros termos ofensivos. É este conjunto de ideias retrógradas que
está ganhando uma vertente de linha chilena e que pode representar a candidatura de Jair
Bolsonaro. O que pode impedi-lo de ser candidato é o risco da perda da imunidade, pois há
um risco real de Bolsonaro receber uma infinidade de processos, até em função de seus
discursos. A declaração de voto do ex-capitão de infantaria paraquedista, homenageando ao
notório torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra (1932-2015, coronel do Exército
Brasileiro, e ex-comandante do II DOI-CODI, de São Paulo), é uma demonstração do quanto a
língua ferida e fascista do deputado necessita de imunidade parlamentar para seguir
fazendo sua propaganda de extrema-direita.
Talvez a estratégia de longo prazo seja a de Bolsonaro “emprestar” sua credibilidade, já
que tem eleitorado cativo no estado do Rio de janeiro, e operar como cabo eleitoral de
quem ele apoiar como concorrente presidencial. Mesmo não sendo candidato, se ele colar a
sua imagem a algum candidato, podem receber estes 8% de votos, 10% talvez e bastando
organizar dez por cento de seus eleitores como recursos mobilizados e teremos uma
massificação do neofascismo no Brasil.
As bancadas de representação transversal no Congresso e o lobby reacionário no Parlamento
Sem querer fazer alarmismo, o Brasil viu na Câmara dos Deputados o voto de 367
parlamentares, sendo que destes, ao menos 298 têm algum tipo de ato pendente com a Justiça
ou no mínimo algum tipo de processo. É um número muito elevado, mas é o padrão brasileiro.
Se sobrepusermos as bancadas conservadoras por interesse direto, como a do Boi (o
latifúndio e o agronegócio), da Bíblia (dos pastores neopentecostais e pentecostais mais
agressivos), da Bala (dos que defendem o desrespeito aos direitos humanos na ação do
Estado contra a delinquência) e mesmo da Bola (da cartolagem e as estruturas de poder do
futebol brasileiro), teremos a maior representação política brasileira.
Atravessa o sentido de crenças da religiosidade através de instituições conservadoras
estas bancadas por interesse, sendo que as “igrejas” aqui já citadas defendem e propaga o
comportamento conservador, o elogio para as iniciativas individuais e tudo baseado na
chamada Teologia da Prosperidade. O volume da adesão da pobreza brasileira a estas
empresas religiosas é enorme, e obviamente isto implica em vinculação de voto e
possibilidade de alianças afins, tais como a narrada acima.
No momento em que vivemos, o pouco de avanço simbólico que houve durante os governos de
Lula e Dilma – insisto, nas tímidas políticas de reconhecimento, como a de cotas, por
exemplo – atiçou a ira das várias alas da direita conservadora. Contrapor o reconhecimento
dos direitos de quilombolas, povos originários, além das escolhas LGBT, direitos
reprodutivos (como a legalização do aborto), direitos humanos em geral, motivam o
pensamento conservador desorganizado a estar atado através da internet, sendo alvo de
convocatória pelas empresas religiosas como as neopentecostais, assim como a mobilização
da juventude de direita pelas empresas start-ups como o MBL e grupos afins ou concorrentes.
É necessário demarcar que qualquer “governabilidade” terá de contar com uma parcela
razoável das oligarquias brasileiras e setores representantes do agente econômico e
ideológico mais à direita. Logo, é da posição deste analista que qualquer teoria absurda
de retomar pactos internos com quem sequer quer acumular excedentes de poder no Sistema
Internacional implica em simplesmente repetir os mesmos erros do lulismo e não são
válidas. Para gerar um novo consenso hegemônico à esquerda é preciso retomar o
protagonismo das lutas populares e manter como princípio sagrado de unidade a
independência de classe e o respeito às decisões soberanas das bases organizadas.
Bruno Lima Rocha é professor de ciência política e de relações internacionais.
site: www.estrategiaeanalise.com.br
email: strategicanalysis riseup.net
facebook: blimarocha gmail.com
http://www.anarkismo.net/article/29375
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