(pt) Colômbia, Relato do “Primeiro Encontro de Práticas e Tendências Anarquistas”
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Sexta-Feira, 10 de Junho de 2016 - 17:15:03 CEST
Enquanto se desenvolviam as atividades da “Semana Santa”, entre 24 e 27 de março [de
2016], ocorreu na cidade de Huila o “Primeiro Encontro de Práticas e Tendências
Anarquistas”, um cenário de intercâmbios para um conjunto de correntes do movimento que
faz algumas décadas mantém presença em nosso país (e muito além da noção estendida que se
relaciona com caos e destruição – uma clara tergiversação do termo) que reúne em seu seio
uma variedade de propostas e éticas políticas em torno de outras formas de vida e
sociedade, sem autoritarismos de nenhum tipo (políticos, econômicos, religiosos, de
gênero, etc…). O encontro se dá em outra série de atividades levadas a cabo, como a feira
anarquista do livro e da publicação, as jornadas libertárias e a “assembleia anarquista”,
entre outras.
Reconhecer-se e tecer
Longe de adentrar nos embates ideológicos, a agenda do encontro foi abordada desde o
início como um cenário de articulação, confrontação e re-conhecimento mútuo daquelas
propostas que apostam em ultrapassar a realidade imperante e a miséria que tenta invadir
todos os espaços de nossa existência.
A agenda de discussão girou em torno de círculos temáticos de afinidade, surgidos nos
processos desenvolvidos por aqueles que responderam a convocatória. Os temas tratados
servem para poder transmitir ao leitor as alternativas que o movimento libertário disputa
junto à hidra capitalista, e como propostas para a sociedade do presente temos os
seguintes temas:
Ecologia libertária. A América Latina, por sua posição geopolítica, sua riqueza em
matérias primas e biodiversidade, é um dos territórios mais importantes para a exploração
da terra e de material genético. O Estado, aliado com grandes corporações multinacionais e
burguesias nacionais, rompe os tecidos sociais e biológicos do território, impedindo que
as comunidades locais possam decidir com autonomia sobre o porvir do lugar que habitam,
bem como assumir sua relação com a natureza de maneira mais equilibrada.
Autogestão e cooperativismo. A autogestão é um dos princípios ácratas fundamentais.
Autogerir a vida diária é uma alternativa necessária de luta contra o capitalismo, sem
embargo, é preciso avançar em uma maior capacidade de confrontação e transformação. A
autogestão implica, também, a criação coletiva em termos de relação produtiva desde
perspectivas horizontais e cooperativas, que pratiquem o apoio mútuo, que permitam o
desenvolvimento técnico próprio e que mantenham a autonomia dos processos no que diz
respeito à política, ou melhor, à antipolítica.
Aprendizagens livres. Se entende a educação institucionalizada não apenas como um lugar no
qual se privilegiam certo saberes acima de outros, mas também como uma ferramenta
ideológica do Estado, como instituição de governo, onde nos ensinam a forma como devemos
viver, contribuindo com a reprodução dos aspectos opressivos do sistema, do colonialismo,
do patriarcado e do autoritarismo.
As práticas pedagógicas, ou como denominam alguns coletivos “antipedagógicas” e
des-escolarizadas não desconhecem o papel fundamental que a sociedade tem na produção e
transmissão do conhecimento para a formação da vida em comum e o desenvolvimento do
espírito humano; em virtude disso o que se deseja é a reflexão, a configuração de práticas
e múltiplos cenários de aprendizagem que impulsionem a autonomia, a paixão pelo saber e a
solidariedade.
Sexualidades transgressoras e dissidentes. Assumimos que o pessoal também é político e que
nos corpos também se exerce poder, regulações e constrangimentos, fazendo deste também um
espaço de disputa; sem embargo, nos distanciamos daquelas posturas que pretendem obter uma
inclusão institucional em um plano meramente formal, convertendo-as em algo regulável ou
erotizável. Se propõe a respeito a desestigmatização e o reconhecimento sociocultural
legítimo de todas as expressões sexuais e de gênero.
Anticarcerário e antipsiquiatria. O sistema carcerário (que abarca entre outros as
prisões, os hospitais psiquiátricos e a sociedade/polícia) é uma macroestrutura de
controle materializada nas relações que nos atravessam todos os dias, nas quais somos
francos potenciais de sermos castigados em qualquer situação que transborde o limite
imposto pelo “controle”, a “normalidade” e a lei. De tal modo, se incentivam as práticas
que confrontem ao sistema panóptico, com práticas que atacam as instituições
psiquiátricas, penitenciárias, de hegemonias disciplinares, tanto a nível simbólico como
corporal, ao invés de manifestar e fortalecer grupos de apoio e solidariedade com aqueles
que são os presxs desses sistemas de isolamento e castigo.
Propostas de contrainformação. A disputa pelo sentido da mensagem em particular, e pela
opinião pública em geral, é um dos cenários estratégicos de construção da sociedade. Na
atualidade, o grande capital ostenta na Colômbia o monopólio da informação, ou melhor, da
desinformação; sua postura promove o consumismo, a acumulação de capital e a frivolidade
acrítica, mediante a redução da informação ao espetáculo, impondo sua maneira de
interpretação, desqualificando como delinquentes e terroristas todos aqueles que
questionam a autoridade do Estado, assim como os interesses e privilégios dos mais
acomodados¹.
Identidade
Ante os magros resultados evidenciados pelos governos de esquerda e progressistas
latino-americanos, que depois de dar golpes no neoliberalismo acabaram revivendo os velhos
demônios da modernidade ocidental, mantendo a depredação à natureza, o vanguardismo
neoestatista, o desprezo por certos grupos sociais e restringindo a liberdade de seus
governados, ganha mais atualidade o porvir da luta desde uma perspectiva ácrata.
O panorama político aberto na Colômbia por um eventual cenário de pós-acordo com a
insurgência, mais que possível, faz urgente a renovação dos métodos, mas também dos ideais
emancipatórios, pois até o momento só tivemos revoluções frustradas. O anarquismo deve
romper com as caricaturas e com os absurdos com que o poder e a esquerda tradicional o
desqualificaram, negações que ressaltam a ignorância que os assiste.
O zapatismo, as municipalidades libertárias europeias, o Curdistão, os movimentos
indígenas autônomos, as comunidades urbanas, assim como os pequenos coletivos expressos no
encontro e os que surgem todos os dias em seus territórios, são a evidência da vigência da
luta libertária no presente, que está longe de ser derrotada por completo, que tem sua
própria tradição, sua própria teoria, estratégia e tática, que merece sua oportunidade de
existir.
Desafios
Não obstante, aqueles que desejem assumir este grande objetivo devem ser conscientes da
debilidade em que nos encontramos, e ir avançando por meio de objetivos estratégicos que
permitam apontar sucessos de longo prazo sem que por isso deixemos de realizar a revolução
no presente. A posição anarquista indica uma incidência nas conjunturas sociais de nosso
território, por exemplo: lutas agrárias, étnicas, ecologistas, dissidências sexuais,
trabalhadores urbanos, etc, pois devemos assumir a configuração e construção coletiva de
um projeto político anarquista de caráter geral e internacionalista.
Devemos reconhecer nossas contradições sem autoritarismos, dispondo das condições para
disputar outro mundo, afastar-nos das constipadas interpretações dogmáticas de nossas (e
outras) correntes e tirar delas todo seu potencial emancipatório, de maneira que avancemos
até análises mais rigorosas, práticas mais acertadas, pois o anarquismo encontra sua
potência em ser uma teoria sempre inacabada e, como dizia Malatesta, “para que a revolução
seja anarquista, dependerá da vontade e compromisso militante dos anarquistas; conscientes
de que a revolução do povo se fará pelo povo e não por nós”. Que fazer? Como fazer do
anarquismo um projeto político de maiorias sociais? Como nos construir e construir
situações e sujeitos sociais revolucionários? Quais são as trincheiras sociais desde as
quais destruiremos o Estado?
É necessário que nos abramos a outros projetos e atores, que nos fortaleçamos, mas também
tecer com aquelxs que sem se declarar anarquistas pratiquem os princípios da autogestão,
do autogoverno, da horizontalidade, do federalismo, da solidariedade e do apoio mútuo. Por
isso propomos ter em conta a iniciativa formulada pelo Encontro de gerar a meio prazo um
encontro nacional de processos organizativos de base, autonomistas e libertários.
Isso é somente uma desculpara para convidá-los para conhecer e contribuir para com o
debate. Felicito, assim, a realização deste primeiro encontro. Saúde e anarquia.
[1] No curso do Encontro se expôs a experiência do periódico “El Aguijón” (“O Ferrão”), em
especial sua edição Nº 29 e do portal “Anarcol”.
Fonte:
https://www.desdeabajo.info/ediciones/item/28648-primer-encuentro-de-practicas-y-tendencias-anarquistas.html
Tradução > Liberto
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