(pt) Coordenação Anarquista Brasileira (CAB): 20 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás -- Lições de que as transformações só vêm com o povo organizado
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Terça-Feira, 19 de Abril de 2016 - 10:48:18 CEST
No dia 17 de abril de 1996, cerca de 1.500 camponesas e camponeses organizados nas
fileiras do MST/PA organizaram uma grande assembleia e decidiram marchar para a capital do
Pará, Belém, para apresentar sua pauta de reivindicações junto ao Governo do Estado e
discutir com o conjunto da sociedade a necessidade de uma ampla reforma agrária. Dentre os
pontos, a desapropriação do complexo conhecido como Macaxeira. Um mosaico de fazendas que
totalizavam 42 mil hectares situados no Município de Eldorado dos Carajás. No trajeto, na
altura da Curva do “S”, na PA-150, com fome e sede, decidiram bloquear a rodovia para
reivindicar do INCRA mantimentos e água para continuar sua jornada. Tal ato parou a
circulação de mercadorias e pessoas que vinham tanto de Marabá quanto de Parauapebas no
Pará. Isso deixou os fazendeiros e a Cia Vale do Rio Doce (CVRD) furiosos, na medida em
que não podiam deslocar suas mercadorias e nem muito menos os carros de valores oriundos
da sede da CVRD em Carajás.
Pronto. Estava completa a equação para a repressão. Ocupações sistemáticas de terra e
depois o impedimento do escoamento de suas mercadorias, impedindo seus lucros. Foi quando
se percebeu a perfeita sintonia entre o capital e o Estado contra a classe oprimida. Uma
ligação telefônica da Vale para o então Governador do Pará, Almir Gabriel (PSDB),
determinou a retirada dos lavradores “de qualquer maneira da estrada” – depoimento do
Coronel da PM Pantoja, um dos coordenadores da Operação. Foi quando dois batalhões da
Polícia Militar do Pará se deslocaram para a Curva do “S” e promoveram o massacre: 21
camponeses assassinados e 69 mutilados. Dentre os depoimentos dos sobreviventes, além da
polícia não usar identificação, foram reconhecidos famosos pistoleiros da região vestindo
a farda da corporação. O mais famoso é um indivíduo de alcunha “Papagaio” que estava muito
bem “ambientado” no interior dos coturnos e gandolas de propriedade da PM.
Vinte anos depois, o que é que os camponeses e camponesas tiraram como aprendizado depois
de tanta gente morta e ferida?
Além das conquistas oriundas de sua luta direta, a certeza de que somente pela luta do
povo organizado é que ocorrem as transformações sociais. Exemplos de conquistas como a
institucionalização de programas como PRONAF (Programa Nacional de Apoio a Agricultura
Familiar) e o PRONERA (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária), bem como o
aumento considerável de territórios camponeses através da instalação de Projetos de
Assentamentos (PA´s), são provas concretas de que a ação direta é a única linguagem que o
capital e o Estado entendem.
Contudo, apesar dos acúmulos da luta, muitos movimentos sociais apostaram que seria
possível fazer avançar as pautas do campo por meio do projeto de governo do PT, baseado no
pacto de classes e no pior tipo de barganha política. Mas a rica história de luta da
classe oprimida sempre nos mostrou que sem pressão popular, protagonismo e empoderamento
das bases, nenhum governo defenderá por si só as pautas dos de baixo. A natureza do Estado
é defender os interesses dos ricos e poderosos, e toda sua estrutura funciona para esse
propósito, independente de quem exerça o mandato. Assim como sabemos que, se existe
movimento social é porque ainda há luta e conquistas para se fazer, e seja qual partido
esteja no governo, não é garantia de que faça alguma transformação concreta para o povo.
Não negamos a existência de determinadas políticas e programas sociais, principalmente
para as pessoas mais atingidas pela seca, fome, miséria. E que estão nestas condições por
conta de todo um processo de continuidade de políticas oligárquicas e de uma “indústria da
miséria”, que também não foi abalada nesses 12 anos de governo petista. E, apesar dessas
políticas sociais, o que se consolidou de fato no Governo PT foi o modelo do agronegócio,
que hoje bate recordes de exportação de commodities, foi a estagnação da reforma agrária e
o desmonte das políticas públicas para a agricultura camponesa. Ou seja, o saldo da
barganha que o PT fez com o capital não é nada favorável ao povo do campo e às comunidades
tradicionais. Senão, vejamos:
Foi Lula que abriu as portas para o plantio de soja transgênica no país. E, quando
reeleita, Dilma abre um tapete vermelho para Kátia Abreu e a CNA no governo;
No primeiro mandato de Dilma a concentração de terras nas mãos do latifúndio pulou de 238
milhões de hectares para 244 milhões de hectares. Desde 2003, primeiro ano do Governo Lula
da Silva, foram registrados 529 assassinatos ligados à luta pela terra e à luta pelo
reconhecimento de territórios no Brasil.
Para se ter uma ideia do grau de concentração da terra no país, a segunda maior etnia
indígena do Brasil, os Guarani Kaiowá (a maior são os Kayapó no Pará), com 45 mil
indígenas, está confinada em 30 mil hectares. Enquanto que no mesmo estado onde
localiza-se a maioria de seus territórios, o Mato Grosso do Sul, existem 23 milhões de
cabeças de gado que se encontram dispersas em 23 milhões de hectares, o equivalente a um
hectare para cada animal. O governo Dilma em 2015 não assinou nenhuma homologação de
Terras Indígenas, mesmo tendo em sua mesa 21 processos de demarcação sem nenhum
questionamento administrativo e/ou judicial.
No Brasil, existem hoje 214 mil famílias Quilombolas. Destas, 92,5% aguardam titulação de
suas terras. Os quilombolas no Pará vivem com sobreposição de projetos minerários com,
pelo menos, oito empresas e profundamente ameaçados por essas mesmas firmas. São elas BHP
Billinton, Mineração Rio do Norte, Vale S.A., Amazonas Exploração e Mineração, Redstone,
Pará Metais.
Como se isso não bastasse, tramita no Congresso Nacional a PEC 215. Orquestrada pela
famigerada Bancada Ruralista, o projeto materializa um ataque frontal ao povo do campo.
Por esse projeto, caberá ao mesmo Congresso Nacional decidir sobre a demarcação de terras
indígenas e sobre a titulação de terras quilombolas, o que submete esses processos aos
interesses financeiros e de classe do latifúndio.
Paralelamente, a criminalização das lutadoras e lutadores também é um fato. No último dia
07 de abril, o Cacique Babau, dos Tupinambá, foi preso no município de Ilhéus, na Bahia.
Um dia depois, militantes do MST foram encurralados, em Quedas do Iguaçu, pela polícia do
Paraná e por capangas da empresa Araupel, de propriedade da Suzano Celulose. O resultado
foi a assassinado dos lavradores Vilmar Bordim e Leomar Bhorbak e sete outros camponeses
feridos.
Não podemos esquecer, também, do recente assassinato de Ivanildo Francisco, em Mogeira
(agreste paraibano); Ivanildo era próximo do MST, do MAB e da CPT. O assassinato de
Enilson Robeiro e Valdiro Chagas, da Liga dos Camponeses Pobres (LCP), no mês de janeiro
em Jaru, Rondônia.
Entendemos que as esperanças do povo camponês com o que poderia ser o Governo do PT em
2003 foram reais. Mas, o que não são reais são as políticas do PT para o povo. E o povo
não quer as migalhas que Dilma e o PT oferecem agora aos movimentos sociais e povos
tradicionais, com a destinação de terras para a reforma agrária e reconhecimento de
territórios tradicionais, mas que não têm impacto algum na brutal desigualdade de
concentração de terras nas mãos do Agronegócio e Latifúndios. Medida que o PT poderia ter
feito em seus 12 anos no governo, mas não fez, e só esboça fazer agora apenas pelo
desespero de se manter no governo.
Reforçamos que, nesta data consagrada pela Via Campesina como o Dia internacional de Luta
Camponesa, devemos reforçar que é com a participação direta das bases na condução das
lutas que conquistaremos e lutaremos por nossos direitos e por uma sociedade mais justa e
igual.
As transformações sociais não virão de cima, mas do caminho construído pelos de baixo. Com
Ação Direta e Radicalidade nas Lutas!
https://anarquismo.noblogs.org/?p=455
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