(pt) Comunicado nº 46 da União Popular Anarquista – UNIPA - A crise política e a função dos anarquistas e revolucionários,Publicado em 29 de março de 2016 por uniaoanarquista
a-infos-pt ainfos.ca
a-infos-pt ainfos.ca
Sábado, 2 de Abril de 2016 - 11:55:18 CEST
Brasil, Março de 2016. ---- A crise política brasileira evoluiu para uma polarização
social que exige uma resposta teórica e prática. As manifestações de massa dos dias 13 de
março de 2016 (dirigida pelo bloco burguês-conservador ou a chamada “direita”) e do dia 18
de março (do bloco socialdemocrata-governista, dirigida por um setor de pequena burguesia
e da aristocracia operária e sindical, a chamada “esquerda”) mostram que tal polarização
social alcançou um nível significativo. ---- Uma correta teorização é precondição para uma
correta linha de ação, especialmente quando a polarização social entre direita e esquerda
induziu ao empobrecimento do debate político, a uma leitura maniqueísta e a soluções
simplistas e contraditórias. Nós sabemos que a complexidade da situação e seu dinamismo
não nos permite fazer afirmações categóricas, nem temos a pretensão de ter uma leitura
completa. Mas assumimos com humildade a responsabilidade de fixar um ponto de vista
anarquista e revolucionário e contribuir para aqueles que querem uma alternativa, que não
seja nem burguesa e conservadora, nem governista.
Essa tarefa se mostra mais necessária em razão do fato do bloco burguês-conservador e o
bloco socialdemocrata estarem pautando a política e a luta de massas. Em 2013, a ação
direta de classe e a extrema esquerda pautaram a política nacional. Mas a desorganização e
fragmentação das massas, a imaturidade de suas formas organizativas, fez com que essa
força criadora não pudesse se colocar como uma alternativa hoje. Essa autocrítica precisa
ser realizada por todos os setores combativos e libertários.
Nós também subestimamos a ofensiva burguesa. Nos parecia que o caminho mais provável seria
desgastar lentamente o PT sem tentar derrubar o governo, aguardando 2018. Hoje, tal
ofensiva se mostra sob a forma de um golpe, não um golpe de Estado, mas de um golpe
institucional dentro de um Estado de Exceção criado pelo bloco no poder do qual o PT faz
parte e que agora quer tirar as funções dirigentes do PT por meio do impeachment (esse
modelo de golpe institucional possui paralelos em Honduras em 2009/10 e no Paraguai mais
recentemente). Nesse sentido, precisamos compreender essa crise no seu aspecto inovador e
suas implicações, pois elas podem modificar bastante os cenários da luta de classes. A
burguesia lançou uma ofensiva contra o PT e suas bases de classe e possivelmente irão
derrubar o governo do PT com o impeachment.
Por isso fixamos aqui alguns elementos necessários à compreensão da crise. Ao contrário de
ser uma luta entre “direita e esquerda”, ou entre os “defensores da democracia contra o
golpe” ou da “democracia contra a corrupção”, essa luta expressa contradições de classes,
geopolíticas e de nuances estratégicas de cada bloco. Podemos dizer que a atual situação,
hoje, tem dimensões que exigem compreensão: 1) a geopolítica e concorrência imperialista;
2) a ruptura do bloco no poder; 3) a agudização da luta de classes pela apropriação da
renda nacional.
1- Equilíbrio geopolítico e concorrência imperialista
A atual crise política não pode ser compreendida sem levar em consideração a geopolítica e
concorrência imperialista aprofundadas pós-2008. A crise de 2008 levou à estagnação nos
países centrais, EUA e UE. Uma das soluções encontradas foi a exportação de capitais para
a periferia. Foi nesse contexto que o Governo Lula, bem como outros governos de esquerda
latinoamericanos, tiveram seu período de ouro. O capital estrangeiro curiosamente foi a
base para financiar o crescimento econômico e superar a estagnação das políticas
neoliberais anteriores.
A crise de 2008 então provocou uma exportação de capitais para o Brasil e possibilitou uma
nova aliança entre o capital nacional, o capital estrangeiro e Estado em torno de política
de crescimento, possibilitando ao mesmo tempo um bloco de poder que representava uma
aliança entre capital e trabalho, materializada pelo governo PT-PMDB. Essa aliança foi
regional: nos principais países da América ocorreu um esgotamento da direção burguesa
conservadora e ascenderam governos de esquerda liberais ou socialdemocratas (Partido
Democrata e Obama nos EUA; Partido Justicialista e os Kishner na Argentina: Evo Morales e
MAS na Bolívia; Tabaré Basquez e Mujica dos Tupamaros no Uruguai; e Lula e Dilma do PT no
Brasil). Essa coalização regional promoveu um relativo desenvolvimentismo em face das
formas reacionárias e conservadoras impostas anteriormente pelo Partido Republicano e por
Bush nos EUA, e ainda uma onda de intervencionismo econômico estatal. A exportação de
capitais criou então uma associação de interesses e possibilitou uma nova aliança, desta
vez, dirigida por partidos de esquerda de base operária e/ou sindical em diversos países.
Mas essa tendência não tocou nos fundamentos econômicos da dependência, ao contrário,
aprofundou as mesmas. Assim, depois da crise de 2008, esses governos foram todos
envolvidos num compromisso de superar a crise internacional. Isso possibilitou que esses
governos tivessem a vantagem de promover crescimento econômico nos seus países sem
confrontar os interesses do imperialismo, ao contrário, associando-se a estes.
Mas a busca de soluções para a crise não se deu apenas pelo mercado, mas pela geopolítica
e pela guerra. E a luta para controlar recursos energéticos foi fundamental no período
2011-2012, em que os EUA voltou a adotar estratégias de ofensiva militar na Líbia e na
Síria. O controle do petróleo na Líbia foi peça chave para a redução do preço do petróleo
que favoreceu o barateamento dos custos de produção nas economias centrais e ajudou na
recuperação econômica dos EUA. Mas esse equilíbrio era instável. Isso porque a
concorrência capitalista se intensificou depois de 2008, e a instabilidade no grande
Oriente Médio tornava todo o sistema incerto. A descoberta do Pré-sal no Brasil e as
reservas na Venezuela se colocaram como uma grande alternativa, comparada ao instável
Oriente Médio. Assim, ampliar o controle sobre o petróleo e recursos naturais exigiu uma
postura mais agressiva do Imperialismo dos EUA, que se voltou para a América Latina.
Outro fator fundamental, o Investimento Estrangeiro Direito (IED) no Brasil foi aplicado
em dois ciclos. O primeiro do petróleo e extrativismo, no período 2007-2010 basicamente, e
o segundo em comércio e serviços, durante os megaeventos (2011-2014). O capital
estrangeiro fez uma série de exigências por garantias de seu retorno para se transferir
para América Latina. E os governos da região deram. No Brasil, foi criado um Estado de
Exceção para garantir os investimentos: isso fez parecer que a taxa de lucro estava
garantida. Entretanto, um fator afetou bastante esse quadro: as lutas grevistas aumentaram
concomitantemente à presença do capital estrangeiro, de modo que os trabalhadores
conseguiram contínuos aumentos acima da inflação. Certamente, não foram aumentos
estrondosos. Porém, acima do que era aceitável pelo arranjo. Nesse sentido, o PT
demonstrou uma frágil capacidade de controle das greves e o aumento da massa salarial
induziu a perda de vantagem comparativa, e este é um dos fatores que está na base da fuga
de capitais ocorrida em 2014, que coincide com o início da a crise política no bloco do poder.
Com essa fuga de capitais, a balança comercial desfavorável pela queda do preço das
commodities e a grande renúncia fiscal realizada para salvar o capital da crise, o Estado
estava em déficit e a economia em recessão. A crise alcançou o Brasil de forma estrutural.
A fuga de capitais minou o bloco no poder por dois motivos: 1) provocou um realinhamento
do imperialismo, com os EUA diminuindo a margem de tolerância para divergência em relação
a seus interesses, e atacando pela concorrência os países dos BRICS e governos que lhe
tinham sido altamente favoráveis (como o do PT); 2) fatores de ordem política e ideológica
interna aceleraram a ruptura nesse bloco e criaram a ocasião para a ofensiva burguesa e a
tentativa de golpe institucional.
A mudança da política dos EUA foi resultado da crise mundial e da sua necessidade de se
apropriar de forma ainda mais agressiva de recursos e valores. Mas esta tentativa de golpe
não seria possível sem o papel ativo e passivo do PT. Por isso analisaremos a composição e
ruptura do bloco no poder.
2- Composição e crise do bloco no poder
A crise na América Latina no final dos anos 1990 se intensificou e com ela também as
mobilizações que serviram para chegada ao poder de governos de esquerda, como Chávez na
Venezuela, Kirchner na Argentina, Evo Morales na Bolívia, Rafael Correa no Equador, além
da eleição da Frente Ampla no Uruguai. No Brasil essa conjuntura internacional favoreceu a
construção do bloco no poder que levaria ao poder Lula (PT). O PT participou da construção
da aliança entre a indústria e o agronegócio, fortemente afetada pelas políticas
neoliberais iniciadas no governo Sarney, mas executadas de fato no governo Collor, Itamar
e Fernando Henrique Cardoso.
Esse bloco não se construiu em contraposição à hegemonia financeira, mas com sua
manutenção.Nesse sentido, é importante destacar que a construção do bloco no poder
efetivado com a eleição da chapa composta por Lula (ex-operário e líder sindical, fundador
do PT e da CUT) e José Alencar (Importante empresário do ramo têxtil), foi concretizado
com a reunião entre FHC e os diversos candidatos a presidente em 2002, onde se acordou o
respeito aos empréstimos financeiros internacionais, e a Carta ao Povo Brasileiro onde se
deixou claro a política de conciliação a ser construída pelo “Lulinha Paz e Amor”.
A composição do primeiro ministério do governo Lula-Alencar (PT-PR) foi representativo do
bloco construído a parti da aliança indústria-agricultura. Para o ministério da Indústria
Luiz Fernando Furlan, para Agricultura o representante do agronegócio e para o ministério
do Trabalho os representante cutistas.
Como desdobramento da construção do Bloco o primeiro ano do governo Lula foi marcado pela
construção da Concertação (pacto) através do Conselho do Desenvolvimento Econômico e
Social (CDES), um conselho tripartite (empresas-Estado-sociedade civil), de onde se
acordou e encaminhou as primeiras medidas de reformas neoliberais, como a reforma da
previdência, e todas as questões relativas à reforma sindical e trabalhista, que levaram a
legalização das Centrais.
Michel Temer (PMDB), Dilma e Lula (PT) no ato de posse no “novo” governo.
Dessa maneira a aliança entre a indústria-agricultura foi a aliança entre a aristocracia
operária do principal subgrupo operário, os metalúrgicos do ABC, a indústria automotiva e
toda cadeia do agronegócio. O Estado, por meio do CDES e do Ministério do Desenvolvimento
Industria e Comércio,construiu políticas atendeu a demandas industriais vindas da FIESP e
de outras entidades empresariais, como ANFAVEA e ABIMAQ, e do setor do agronegócio,
beneficiado também pela conjuntura internacional. Dessa maneira, a política de estímulo à
produção e consumo do Carro Flex, principalmente no segundo governo Lula, levou ao aumento
tanto da produção, produtividade e de pessoas empregadas no setor, como também beneficiou
amplamente o setor álcool energético.
Internamento o governo avançou os grandes projetos de infraestrutura interligados ao IIRSA
dando origem ao PAC, que foi um processo de reestruturação da estratégia de acumulação do
capital nacional e estrangeiro. Os investimentos do PAC foram direcionados para atender os
setores internacionalizados da indústria (Petrobras, Vale do Rio Doce), infraestrutura
energética (capital estatal) e capital nacional (grandes empreiteiras e certos setores da
indústria de transformação) que sinalizam com a ampliação dos investimentos. O PAC foi
estruturado para servir e dar suporte à indústria de transformação no Sudeste, à indústria
energética e ao agronegócio, vinculado tanto à primeira como à segunda, atingindo as
comunidades quilombolas, indígenas, ribeirinhas e camponesas. Favorecendo como sempre as
grandes empresas nacionais, como Odebrecht, Camargo Correa, OAS, Votorantim e Gerdau, ou
seja, favorecendo os interesses dos empresários em detrimento dos interesses do povo pobre.
A luta pela terra retrocedeu e poucas terras foram homologadas. O PT se aliou ao
agronegócio consolidando uma aliança pelo desenvolvimento do setor, fundamentalmente para
manutenção do crescimento econômico na era Lula. Dessa maneira, essa aliança abdicou de
qualquer política de distribuição de terra, e direcionando para sua base um aumento de
crédito agrícola e de alguns programas para a chamada “Agricultura Familiar”. Dessa
maneira, o governo assentou menos sem-terra do que o governo FHC. O PT manteve as
privatizações da estrutura produtiva que não foram revertidas e avançou na privatização da
estrutura de circulação de mercadorias e pessoas (rodovias, ferrovias, hidrovias e
aeroportos).
O desenvolvimentismo neoliberal petista foi onde se pregou a aliança deste bloco no poder.
A crise econômica de 2008 aproximou ainda mais os industriais e a CUT-PT, que passaram a
organizar mobilizações e atividades conjuntas (tal como a marcha convocada pela FIESP,
ABIMAQ, Força Sindical e CUT, realizada em 18/10/2011). Por outro lado, a CUT e o PT
sabotavam as lutas e greves das trabalhadoras e trabalhadores. No entanto, as greves
passaram a acontecer à revelia das direções sindicais e partidárias, como em Jirau e Santo
Antônio, e as emblemáticas greves dos professores do RJ de 2013, a onda de greves de
rodoviários em 2014 e dos garis de 2014.
Para garantir esse desenvolvimento capitalista e a aliança o PT teve um papel ativo na
construção do Estado de Exceção, do desenvolvimento do Estado Penal-Policial, onde segundo
sua própria propaganda conferiu cada vez mais poder e aumento o efetivo do Judiciário e
das forças de repressão.
Como afirmamos no jornal Causa do Povo n° 65, o setor do Estado “fortalecido” pelo PT foi
o ligado a judicialização-repressão. Justamente aqueles com os maiores níveis salariais,
quando comparados aos demais servidores, e que hoje compõe as forças tarefas de caça ao
próprio PT. Houve um crescimento do “Estado Penal”, e não do “Estado Social”, ou seja,
cresceu o “Estado” que investe na judicialização e militarização, que está associado ao
projeto estratégico de favorecimento do Capital.
https://uniaoanarquista.wordpress.com/1-grafico1/
[Fonte: quadro elaborado a partir dos boletins do Ministério do Planejamento]
A política do governo diante do levante de 2013 foi de aumentar a perseguição e prisão de
atividades e manifestantes, bem como a criminalização das lutas sociais. O PT tomou para
si a defesa da República Burguesa, quando a República Burguesa é da burguesia, ou seja, um
instrumento social de geração de desigualdades e controle social policial, portanto um
empecilho a construção do socialismo. A política petista não só reorganizou o aparelho de
Estado dentro do neoliberalismo como buscou a construção de uma unidade burguesa. Neste
sentido, o cenário internacional e o crescimento econômico possibilitaram o
desenvolvimento e avanço de transnacionais de origem brasileira com financiamento dos
fundos de pensão, controlado por sindicalistas, e do BNDES.
A repressão e a violência nas favelas e periferias, principalmente contra a juventude
negra, não arrefeceu nem um pouco, pelo contrário. O Estado penal e policial cresceu a
cada dia assassinando jovens negros nas favelas e periferias por todo o país. Tal como os
recentes massacres de Cabula, na Bahia, os assassinatos e fuzilamentos na Maré e favelas
cariocas, bem como a chacina ocorrida no bairro Curió em Fortaleza-CE. Os assassinatos no
país, fundamentalmente nas favelas, periferia e nos campos, somam 50 mil por ano. A
política é de aumento da repressão e da criminalização do movimento popular. Além disso, o
programa do PT para as eleições de 2014 propunha a nacionalização das UPPs. Presos
políticos se somam no Rio e Janeiro (Rafael Braga), São Paulo (Fabio HIdeki), Goiás e Rio
Grande de Sul (Vicente Metz). No caso do Rio Grande do Sul a brigada militar do governo do
PT de Tarso Genro seguidas vezes invadiu a sede da Federação Anarquista Gaúcha (FAG).
Os aparatos estaduais de repressão estão se unificando sob o comando do Exército. Para
conter possíveis distúrbios no campo e nas grandes obras foi criada, em 2004, a Força
Nacional de Segurança, vinculada diretamente ao Ministério da Justiça. O governo do PT
reestruturou e iniciou o reequipamento das Forças Armadas, lidera tropas de ocupação no
Haiti que explora e oprime cotidianamente o povo haitiano, com diversos relatos de
exploração sexual por parte dos soldados brasileiros contra mulheres e crianças haitianas,
e agora na Maré (RJ). Para isso, reorganizou as forças armadas com base na Estratégia
Nacional de Defesa (END) determinado pelo governo Lula em 2007. Disso deriva toda
reorganização das Forças Armadas no Brasil com deslocamento de tropas do sul para
centro-oeste e norte, reequipamento e reativação da indústria bélica nacional. Dentro do
quadro de reorganização foi formado o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA),
órgão vinculado ao Ministério da Defesa, que após o Levante de Junho de 2013, elaborou o
“Manual de Garantia da Lei e da Ordem” onde colocou os movimentos sociais como “forças
oponentes”.
Para coroar a construção do Estado de Exceção e garantir os lucros da burguesia,
principalmente durante os megaeventos, o Ministério da Defesa elaborou, logo após o manual
“Garantia da Lei e da Ordem” (GLO) como forma de legitimar oficialmente a perseguição
política, a violência policial e o terrorismo de Estado. Para garantir a realização da
Copa e os lucros da FIFA o governo editou a Lei Geral da Copa que criminalizou as formas
de luta dos trabalhadores como as greves e manifestações de rua que ocorressem no período
dos megaeventos, além da Recopa (Regime Especial de Tributação para Construção, Ampliação,
Reforma ou Modernização de Estádios de Futebol) que garantiu que nenhum controle a da
sociedade civil pudesse ser estabelecido sobre os gastos e empresas que depois seria
envolvidos nos escândalos de corrupção. A recente “Lei antiterrorismo”, sancionada pela
presidente Dilma, não é nada mais que a ação do Estado e da classe dominante contra as
trabalhadoras e trabalhadores. É a legitimação de um Estado de exceção sobre as
organizações e ações dos movimentos populares e sociais. A Lei Antiterrorismo é o “AI-5 da
democracia”, sancionado pelo governo Dilma (PT).
A burguesia foi uma das maiores beneficiárias das políticas petistas, fato assumido pelo
próprio Lula, enquanto para os trabalhadores o governo criou uma série de programas de
atendimento social para combater a miséria extrema e aumento do salário-mínimo, sem
reverter a desigualdade econômica do país. Tal situação levou ao boom do consumo
individual, facilitado pelo crédito e cenário internacional, com alta do preço das
commodities, que favoreceu o crescimento econômico nacional. Esse crescimento baseado
também em megaprojetos que afetam milhares de pessoas da população rural e urbana,
aumentando os desastres ambientais devido ao modelo de desenvolvimento assumido pelo PT,
sendo o desastre de Mariana provocada pela Samarco, joint-venture formado pela Vale e BHP,
o caso mais emblemático.
Assim, durante o governo Lula tivemos uma grande concentração de capital, principalmente
no setor financeiro e agrícola, bem com a política do governo federal de formação das
grandes multinacionais brasileiras e da sua internacionalização. No período da crise
internacional há uma aumento das operações de financiamento via Estado às grandes
empresas. Assim, o Estado sob gestão do PT aprofundou uma tendência de um
intervencionismo concentrador.
Em nenhum momento o PT atacou os setores conservadores, sempre realizou concessões a
direita. O exemplo mais claro disso, são as eleições de 2014, a agenda Brasil de 2015 e o
Ajuste Fiscal iniciado em 2015 e que pelo governo Dilma se estenderá até o fim de seu
mandato. Para vencer o segundo turno das eleições presidenciais se utilizaram da insígnia
“Dilma Coração Valente” para designar uma virada a esquerda do próximo governo petista. No
entanto, consolidada a vitória eleitoral e diante de um quadro de crise econômica e
política decorrente dos escândalos de corrupção os primeiros ministérios do segundo
mandato Dilma Rousseff foram compostos por representantes do Agronegócio (Kátia Abreu),
setor financeiro (Joaquim Levy) e das alianças estabelecidas com PMDB. As primeiras
medidas anunciadas foram de ajuste fiscal e reformas que atacam os direitos das
trabalhadoras e trabalhadores.
É importante observar que foi nesse momento que ocorreu Junho de 2013. A grande
insurreição popular mostrou definitivamente a incapacidade do PT de controlar as lutas e
movimentos sociais. E depois das eleições 2014, a oposição burguesa-conservadora liderada
pelo PSDB, lançou uma ofensiva de desestabilização do Governo Dilma, com apoio dos EUA
(tendo em vista que os recentes apoios dos EUA em derrubadas de governos na Ucrânia, Síria
ou abertamente como no Iraque). Ao mesmo tempo, iniciou-se uma decomposição interna na
base do Governo, com a oposição dentro do PMDB liderada por Eduardo Cunha. O PT poderia
ter nesse momento, mais uma vez, atacado esses setores. Mas a campanha contra Cunha
terminou com uma tentativa de conciliação orquestrada pelo próprio Lula ainda em 2015.
Em meio a toda acrise o partido procurou o tempo todo costurar suas alianças por cima
angariando apoio dos setores conservadores, inclusive de cunho religioso, em troca de
apoio parlamentar e eleitoral, tentando se manter no bloco no poder. No entanto, os
desdobramentos da crise política e da ação judiciário por meio da procuradoria geral e do
judiciário, a crise econômica, a política recessiva do governo Dilma e o descontrole da
CUT e do PT das lutas sociais que pipocam nas bases estudantis e de movimentos sociais
parecem ter determinado a posição burguesa de romper o bloco no poder.
A burguesia se lançou à ação de massas, coordenada com o poder judiciário e policial ultra
centralizado e fortalecido pelos governos do PT, usando esses instrumentos criados e
fortalecidos pelo PT contra ele mesmo. Essa ação de massas, combinada com a cisão
parlamentar e o uso do poder judiciário, consolidaram a decomposição do bloco no poder com
saída progressiva da indústria (FIESP), da agricultura (Bancada ruralista) e outros setores.
3 – A composição de classe, organizativa e ideológica dos blocos
Por fim, para compreender a crise no bloco do poder é preciso compreender minimamente a
composição de classe, organizativa e ideológica. O PT confundiu o fato de ter sido
integrado num bloco de poder, essencialmente histórico, isto é, transitório, com a ilusão
de ter sido integrado à classe dominante. A crise do bloco no poder mostra que o
alinhamento conservador (burguesia nacional, capital estrangeiro-imperialismo) não
comporta mais representantes setores de uma pequena-burguesia reformista e da aristocracia
operária. A exclusão do PT do bloco no poder é apenas o primeiro passo de uma grande
ofensiva contra a classe trabalhadora, ofensiva esta que não teria sido possível sem o
papel cumprido pelo PT.
O bloco burguês-conservador tem uma composição distinta em termos de classes sociais do
bloco socialdemocrata. É fundamental compreender tais diferenças. Do ponto de vista de
classes, o bloco burguês conservador é composto pela grande burguesia industrial, agrária
e financeira (a ruptura da Bancada Ruralista e da FIESP com o governo, bem como o apoio de
diversas empresas ao impeachment mostra essa unidade); ela também conseguiu integrar uma
pequena burguesia raivosa, especialmente em razão deste último setor ter sido arruinado
pela crise de 2008 e pela concentração de capital promovida pelo modelo econômico do PT.
Mas esse bloco tem mobilizado um grande número de trabalhadores, especialmente servidores
públicos de governos diversos que tem o PT como patrão (nas prefeituras e governos
estaduais). Esse último setor entra como força de apoio e não tem compreensão de que o
bloco burguês-conservador prepara um grande ataque contra os seus interesses. Do ponto de
vista ideológico, o bloco burguês-conservador é adepto do pragmatismo, mas comporta desde
tendências neoliberais até grupos fascistas de extrema direita. A unidade deste bloco é
frágil; caso ele consiga derrubar o governo do PT ele tende a perder grande parte de suas
forças de apoio de trabalhadores e mesmo da pequena-burguesia.
Por sua vez, o bloco socialdemocrata-governista é composto por uma pequena-burguesia
(pequenos e médios empresários desenvolvimentistas), por uma aristocracia operária e
sindical e por uma tecnocracia de empresas estatais e bancos. Entram como forças de apoio
trabalhadores rurais-camponeses, massas urbanas e assalariados precarizados. A contradição
é que esses setores de apoio foram atacados pela política econômica e compromissos do PT
enquanto este estava integrando o bloco no poder. E na realidade, para que o PT não seja
derrubado, ele terá de assumir o compromisso de atacar não somente este último setor, suas
forças de apoio, mas sua própria base social, a aristocracia (servidores públicos
federais, funcionários das grandes empresas estatais, operários das grandes empresas
industriais). Alguns exemplos de ataques a esses setores já estão em curso: o PPE e
reforma fiscal que prevê inclusive demissão voluntária e congelamento salarial no serviço
público, setor “intocável” até então nos discursos governistas. Ideologicamente, esse
bloco é hegemonizado pela ideologia socialdemocrata, cada vez mais democrata-liberal, daí
sua crença na democracia como valor absoluto e sua dificuldade para romper com o legalismo
mesmo quando esta legalidade não significa nada.
Nesse sentido, apesar da polarização estar conduzindo o proletariado às ruas, nenhum dos
blocos tem em seus respectivos programas soluções para os problemas materiais das forças
de apoio que mobilizam. As classes sociais e grupos que participam nele estão sendo
dirigidos por blocos socialmente e ideologicamente heterogêneos e sem uma base
programática que dê coesão duradoura aos mesmos.
A luta e crise do bloco no poder parece estar criando condições para que essas
classes-apoio se desprendam dos seus respectivos blocos dirigentes quando ficar claro que
estes não irão resolver suas necessidades materiais e aspirações sociais. É para este
momento que precisamos estar organizados e em condições de intervir em escala nacional.
4- A agudização da luta de classes: cenários e estratégias de resistência
https://uniaoanarquista.files.wordpress.com/2015/09/11.jpg?w=640&h=217
Decorre desta análise o estabelecimento de uma linha de ação. Devemos saber que uma linha
revolucionária não terá de imediato o impacto e adesão de amplos setores, exatamente
porque estão presos às ilusões criadas pelo bloco de poder em crise. Mas conforme a crise
do bloco do poder se aprofunde ou se resolva, e a tentativa de golpe institucional se
consolide ou recue para um compromisso, esta situação se transformará aceleradamente.
Nesse sentido devemos fixar dois pressupostos:
1 – Nenhum apoio ao Governo Dilma ou à defesa democracia liberal ou da “constituição”, ou
transigência com a oposição burguesa-conservadora. Isso seria capitular ideologicamente.
Por isso, a palavra de ordem frente à crise deve ser a de: “Não temos uma democracia a
defender, temos um Estado de exceção e ajuste fiscal a combater“
2 – Não podemos confundir os setores do bloco de poder entre si (o bloco
burguês-conservador é distinto do bloco socialdemocrata), e menos ainda as classes e
forças de apoio com seus núcleos dirigentes; precisamos saber que as contradições
materiais entre as classes irão se impor e dissolver a unidade interna dos blocos. É
preciso disputar esse processo, tendo uma linha de massas independente.
Tomando então essa política, nos colocamos no campo da oposição revolucionária, e não da
adesão a um dos dois blocos em luta. Hoje dois cenários se colocam ante a tentativa de
golpe institucional, que podem te diferentes respostas de cada bloco:
https://uniaoanarquista.wordpress.com/2016/03/29/a-crise-politica-e-a-funcao-dos-anarquistas-e-revolucionarios/grafico-cenarios/
Desse modo, em todos os cenários a unidade interna dos blocos tende a entrar em crise. O
único fator certo é que ocorrerá um amplo ataque em todos os níveis aos trabalhadores e
recursos públicos. Estes cenários podem na hipótese menos pessimista, manter o regime, e
em situações extremas generalizar o autoritarismo e o Estado de Exceção, resolvendo assim
em favor deste último a dualidade (democracia x Tirania) constitutiva do sistema político
brasileiro (Sobre a dualidade do sistema político leia o texto “Democracia e tirania: a
luta contra o Estado de Exceção e a decomposição histórica das organizações de
trabalhadores”, disponível no site da UNIPA).
Por isso hoje não podemos nos deixar capturar pela polarização. Não podemos cair no
discurso da defesa abstrata da “democracia”, pois isso implicaria em desorganizar o
trabalho preparatório de resistência (ideológico e organizativo) necessário ao
enfrentamento da ofensiva que já está sendo realizada e será aprofundada quando a crise
interna do bloco de poder se resolver. É necessário que os militantes tenham paciência
história e persistência no trabalho de base diário.
A principal tarefa dos anarquistas e revolucionários é ter uma séria política de
organização e resistência de massas capaz de, no caso do cenário 1, criar formas
organizativas autônomas que não permitam que o bloco socialdemocrata canalize
exclusivamente para as eleições 2018 a ação e massas; e no caso do cenário 2, capaz de
combater o papel desorganizador que o governismo terá de cumprir para garantir a presença
do PT no bloco do poder, de forma a contribuir para que o movimento de massas seja ao
mesmo tempo capaz de enfrentar a repressão e realizar lutas reivindicativas.
Programaticamente é preciso contrapor as palavras de ordem: 1) Nem Impeachment, que
implicaria defender um governo do PMDB; 2)Nem a defesa do Governo do PT e da democracia;
3) Nem de eleições Gerais Já, que interessa à oposição burguesa. Todas essas políticas
apontam para solução por cima, ou pela esperança de que o Bloco Burguês-conservador
resolva a crise; ou que uma nova entrada dos trabalhadores no bloco do poder, seja
dirigida pelo PT, seja pelo PSOL, seria a alternativa. Nenhuma dessas políticas coloca no
centro a ação das próprias massas.
Por isso, a nossa política deve ser colocar a centralidade na ação das massas. Esta ação
de massas deve ser expressa pelo trabalho de agitação e propaganda em favor do Congresso
do Povo. Sabemos que o Congresso do Povo não será construído de imediato nessa crise, mas
as assembleias populares e conselhos, seus embriões locais podem (assim como em 2013
surgiram fóruns, assembleias e etc.).
A tarefa imediata é: 1) Fortalecer uma linha política classista e combativa em espaços de
organização da classe já existentes, tais como assembléias sindicais, DCEs, CAs, grêmios
estudantis, associações comunitárias, grupos de mídia, etc. Apesar da burocratização
sindical que serve na maioria dos casos como desorganizador dos interesses da classe
trabalhadora, ainda é um espaço reconhecido por um grande setor. É necessário combater a
burocracia sindical e partidária e construir alternativas! A atuação dos setores
combativos nesses espaços quanto mais organizada for tanto mais efeito terá para o
fortalecimento de um bloco alternativo ao socialdemocrata e conservador, por isso, a
importância de reunir os estudantes e trabalhadores dispostos a luta em
organizações/oposições sindicalistas revolucionárias nos locais de estudo, trabalho e
moradia. É necessário construir um Bloco Sindicalista Revolucionário que defenda e
sustente em todo o país uma política de centralidade da ação autônoma das massas!
2) Ajudar a preparar junto ao povo as condições para a resistência através de protestos de
rua, ocupações e greves contra a retirada de direitos, contra os efeitos do ajuste fiscal
e crise econômica. Organizar a autodefesa popular contra as formas de repressão
policial-militar e criminalização que se aprofunda sobre a organização e ação do movimento
popular e o povo em geral;
4) Não transigir com os governistas. Nos locais onde o movimento de massas está em
refluxo, organizar a agitação e propaganda desta linha e deste comunicado através dos
militantes e comitês de apoio do anarquismo revolucionário e dos comitês da campanha “não
vote, lute”!
5) Participar e construir em todos os lugares que tiverem condições assembléias populares
autônomas como organismos de contrapoder– fóruns abertos para dezenas, centenas e milhares
de pessoas para a luta popular. Essas assembleias são o único espaço possível para criar
aquilo que todos sabem que falta aos setores que vão para as ruas: consciência de classe
de seus reais interesses. Essas assembleias populares devem ter como principal função
organizar a resistência e luta contra o Estado de Exceção e o ajuste fiscal, que irão se
aprofundar em qualquer dos dois cenários apontados acima.
7) Culminar todo o trabalho atual (que são as ginásticas locais e regionais de
contra-poder), para a estratégia revolucionária de construção do Congresso do Povo.
Mas o Congresso do Povo e as Assembleias Populares não surgem sem luta. O método hoje é a
ação direta e a greve geral. As Assembleias Populares devem se colocar como tarefa lançar
as massas a ação direta e construir a greve geral como principal estratégia de luta. Parar
o Brasil, com a greve geral, para barrar o ajuste fiscal.
Nem Impeachment, Nem Fica Dilma, Nem Eleições gerais: Todo poder ao Congresso do Povo. O
Congresso do Povo é o ensaio geral do Poder Popular. Somente este poder pode resolver as
contradições históricas, tirar o país da corrupção e da crise econômica sem ataques aos
trabalhadores. Por isso conclamamos todos os anarquistas e revolucionários a somarem-se à
construção da resistência autônoma e ação direta de massas nos marcos dessa linha de ação:
pela organização imediata de assembleias populares autônomas; pela construção dos grupos
embriões do sindicalismo revolucionário nos locais de estudo, trabalho e moradia; pela
construção do Congresso do Povo como alternativa classista e antissistêmica à crise política.
https://uniaoanarquista.wordpress.com/2016/03/29/a-crise-politica-e-a-funcao-dos-anarquistas-e-revolucionarios/#more-2241
More information about the A-infos-pt
mailing list