(pt) Federação Anarquista do Rio de Janeiro: Oportunismo, doença infantil da esquerda pragmática: o apoio às greves da polícia
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Sexta-Feira, 6 de Novembro de 2015 - 08:17:23 CET
A recente greve da polícia militar da Bahia retoma uma discussão antiga no interior das
esquerdas. A discussão se orienta, basicamente, no que diz respeito à posição dos
trabalhadores em relação à greve policial. Em termos gerais, as posições podem ser dividas
em dois blocos[1]. Há os que defendem a greve dos policiais por ser esta uma categoria de
assalariados e, portanto, de explorados, ou seja, trabalhadores como quaisquer outros, e
aqueles que não defendem os policiais, por entenderem que o papel destes vincula-se
diretamente à repressão e à classe dos opressores e exploradores. ---- Os grupos que
apóiam a greve dos policiais reivindicam principalmente que, dentro das PMs, haveria uma
"divisão classista"[2]: um setor mais ligado às classes dominantes (oficialato) e outro,
explorado pelo primeiro, composto pelas chamadas baixas patentes (soldados, cabos,
sargentos). Estes últimos por sua condição de explorados, deveriam receber taticamente o
apoio das esquerdas e dos trabalhadores. Outro argumento, reforçando a tese dos que
defendem o apoio à greve dos policiais, é o de que a polícia estaria também em "disputa".
Assim, ignorar a possibilidade de influenciar este setor seria, entre outras coisas, um
posicionamento puramente "idealista" para aqueles que desejam a ruptura num processo
revolucionário.
Valendo-nos da nossa constituição ideológica libertária, antes de irmos ao campo da
teoria, onde nossas análises poderão ser melhor fundamentadas, lembremos do despejo do
Pinheirinho, executado "magistralmente" pela Polícia Militar, cujos setores do baixo
oficialato, mesmo "explorados" economicamente, cumpriram eficientemente sua função ao
reprimir, espancar e despejar (sem mencionar as denúncias de violência sexual).
Recordemo-nos da atuação da Polícia Militar nos morros cariocas, que mata e assassina
nosso povo pobre e negro sob o pretexto do combate ao narcotráfico. Vamos recordar as
ações repressivas das Polícias Militares em manifestações estudantis e de trabalhadores,
permitindo ao capital seu livre trânsito e reprodução. Sem mencionar, ainda que fosse
necessário, a função da polícia na manutenção das desigualdades e na defesa dos
exploradores e dominadores de nosso povo. Alguns satisfariam-se com as reflexões feitas
até aqui. Acrescentaríamos à estas certezas ideológicas, o reforço da experiência de
muitos militantes dos movimentos populares em que estamos inseridos, e que convivem dia a
dia com a opressão, o racismo e a repressão dos "trabalhadores" policiais!
Mas é preciso também embasar nossas posições no terreno da teoria, já que determinadas
organizações políticas de esquerda, que apóiam a greve policial, responderiam-nos que essa
polícia só é desta forma por causa dos que a controlam, e que a tática de apoio à greve
policial estaria inscrita numa estratégia muito mais "ampla" de derrota do capitalismo.
Mas entendemos que aqueles que defendem o apoio aos policiais o fazem, principalmente, por
aplicarem leituras teóricas completamente equivocadas. Comecemos pelo primeiro equívoco
que diz respeito ao funcionamento do poder. Entender a instituição policial apenas pela
ação daqueles que a controlam é um erro grave de análise que leva a reducionismos. A
sociedade capitalista está estruturada por relações de poder e esferas de dominação, sendo
estas últimas interdependentes. Deste modo, não se pode explicar a dominação exercida pela
polícia apenas como um efeito "secundário" da esfera econômica, cuja "natureza" seria
modificada apenas com a mudança do sistema de produção capitalista pelo socialista. Há de
se perceber que o socialismo e a liberdade se forjam com novas instituições e novos
valores. A natureza da polícia não pode ser compreendida apenas em função de quem a
"controla", tampouco entendê-la exclusivamente a partir dos acordos de "gabinetes" e dos
discursos emitidos por sua cúpula. Deve ser compreendida em sua totalidade e pela ação
concreta que teve esta instituição na história: do soldado ao oficial, a polícia sempre
esteve a serviço dos exploradores e dominadores e fôra o núcleo duro da reação contra os
trabalhadores. Há interdependência desta estrutura repressiva com as outras esferas de
dominação (econômica, política, cultural/ideológica, etc). A esfera repressiva (policial e
militar) cumprem, deste modo, um papel tão relevante para a manutenção do capitalismo
quanto a exploração econômica. Acreditar que a instituição policial (e também o Estado)
pode ser "moldada" à vontade de seus gestores é ignorar os processos históricos que nos
indicam que:
[...] a classe burguesa tem que remodelar um estado que já vinha antes e que tem suas
coisas próprias. A "nova classe" burguesa se adapta à dominação existente, resultando
outra conformação do poder político"[3].
A esquerda que apoia os "trabalhadores" policiais acredita que seja capaz de "moldar", à
vontade, a esfera militar do sistema capitalista em seu núcleo mais duro, ou esta tática
segue um oportunismo político-eleitoral? Garantem, assim, não os caminhos que levariam à
desestruturação do sistema, mas acabam reforçando na população, e nos movimentos sociais,
a idéia de que essa esfera de dominação jamais deva ser colocada em questão!
Nesse sentido, a lição da Revolução Mexicana traz um elemento teórico fundamental da
desintegração desta esfera de dominação: é o povo em armas que põem a polícia numa crise
decisiva, e não a própria polícia! Assim como a burguesia, a polícia não está em disputa!
Um povo forte põem a polícia em crise! Não é a toa que o primeiro golpe contra a esfera
militar da burguesia tenha sido dado pela generalização de elementos do poder popular que
a colocam francamente em cheque como instituição. O funcionamento "normalizado" da polícia
nos processos revolucionários é sempre um indício de derrota dos trabalhadores!
Outra questão é o conceito de classe, extremamente simplista, utilizado pelos grupos que
defendem a tese do "trabalhador de farda" ou "trabalhador da segurança". Ao generalizar um
conceito de classe baseado apenas no quesito da exploração econômica e das relações de
produção capitalistas, entende-se erroneamente o policial como um "trabalhador explorado",
já que este também é assalariado e, assim, poderia obter uma consciência de classe a
partir da sua condição. Para isto retomemos os anarquistas (tal como Bakunin) que
aprofundaram com maior complexidade este tema. O policial pode estar inserido numa
condição de assalariado e até ser "oprimido" no interior de sua estrutura institucional,
mas possui uma função vital para a perpetuação do sistema de dominação capitalista, que é
a defesa da propriedade privada, além do controle, repressão e extermínio das classes
oprimidas e todos aqueles setores da população que buscam se organizar de alguma forma
para a a reivindicação de demandas sociais.
Qualquer ideologia que busque a ruptura e a revolução social, e pretenda construir sua
teoria de ação eficaz nesse sentido, deve buscar um conceito de classe amplo e que tenha
correspondência com a complexidade das sociedades atuais. Num entendimento de que as
pessoas se movem não apenas por interesses e demandas materiais e econômicas, ou que todas
as esferas sociais não passam de desdobramentos das relações de produção capitalista.
Existem demandas culturais, morais, religiosas que os trabalhadores constróem e atribuem
sentido socialmente. Assim como existem relações de dominação que extrapolam as relações
de produção, como a dominação de gênero, por exemplo. Nenhuma destas relações de dominação
exclui o fato de termos de lutar contra a exploração econômica, articulando esta luta com
as demais, contra todas as formas de opressão. Isto não significa afirmar que este
conceito mais amplo de classe esbarre no vazio intelectual daqueles que insistem em dizer
que as "classes não existem", ou que a realidade modificou-se tão rapidamente, que é
impossível dizer o que é uma classe ou que este conceito não dá conta da realidade. A
estes, lembramos apenas de Pinheirinhos[4], de Oaxaca e mais recentemente, do confronto
dos trabalhadores e policiais nos trens do Rio de Janeiro (aliás, os setores de esquerda
que defendem a polícia também deveriam se lembrar)! Não pretendemos cair num subjetivismo
estéril, deixemos isso aos charlatões e aos candidatos a iconoclastas. O capitalismo
continua forte e sabe adaptar-se, entrecruzando-se com outras formas de dominação, mas o
núcleo duro repressivo (exército e a polícia) é fundamental para sua manutenção.
Alguém acredita que aqueles que trabalham prazeirosamente dentro da polícia, mesmo nos
setores do baixo oficialato o fazem apenas por motivações econômicas?
Não sejamos levianos ao comparar uma greve policial a uma greve de outros assalariados e
dizer que ambas se equivalem e são a mesma coisa. É preciso ter cuidado com o discurso que
diz que todas as categorias, ou mesmo as políticas governamentais, dentro de um sistema de
dominação se equivalem. Dizer que tudo é equivalente (um professor, um parlamentar, um
policial, um juiz), é não ser sincero com os fatos. Não podemos reproduzir este tipo de
concepção, pois o que caracteriza o efeito da distribuição desigual do poder, e portanto,
também das classes, é, de certo modo, a localização que os agentes ocupam na estrutura
dura do sistema de dominação, e os benefícios individuais (não necessariamente econômicos)
que estes indivíduos recebem por ocupar essas posições. O apoio à greve da polícia, em ano
eleitoral, contra o governo petista da Bahia, a defesa da "polícia" cidadã e da
militarização das cidades, são estratégias que apenas reforçam o domínio sobre as camadas
mais pobres e oprimidas, e pouco contribuem com a luta pelo socialismo e pela liberdade.
Ainda que existam "setores explorados" no baixo oficialato, isto não muda em nada a função
reacionária do aparato policial contra nós trabalhadores. Defender a greve policial é
defender o bloco mais duro da reação e significa fortalecer e melhorar a infra-estrutura
do aparato repressivo da burguesia contra nós trabalhadores. A greve policial não pode ser
vista além do que é: uma reivindicação que visa o aumento de salário e a melhora de
condições para continuar chacinando nosso povo e defender de forma mais eficiente a
burguesia e o capital. Os que a defendem, devem ter a decência de assumir que colocam-se,
mesmo que temporariamente, ao lado dos exploradores, assassinos e dominadores do nosso povo.
[1] Cf. FERREIRA, HEMERSON. A esquerda diante da greve de PMs na Bahia: o que fazer?
Disponível em
<http://www.diariodaclasse.com.br/forum/topic/show?id=3451330:Topic:59955&xgs=1&xg_source=msg_share_topic>
Acessado em 08/02/12.
[2] Idem.
[3] Federação Anarquista Uruguaia-Federação Anarquista Gaúcha. Documento Wellington
Gallarza-Malvina Tavares. Impresso em 2011.
[4] Os lumpemproletariados de Pinheirinhos, pela teoria marxista tradicional, deveriam
comportar-se como verdadeiros reacionários, já que Marx no Manifesto Comunista, relaciona
a posição excluída do lumpemproletariado no sistema de produção com o apoio as camadas
mais reacionárias das elites dominantes. Chama-os de "rebotalho" do capitalismo (incluindo
também os camponeses). Felizmente os sistemas teóricos vez ou outra são contrariados pela
prática e a experiência da classe.
https://anarquismorj.wordpress.com/2012/02/11/oportunismo-apoio-greve-da-policia/
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