(pt) Federação Anarquista do Rio de Janeiro FARJ (CAB) - O que sobrou de junho? Uma reflexão sobre o "pós-2013"
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Quarta-Feira, 26 de Agosto de 2015 - 10:55:25 CEST
Candelária, Avenida Rio Branco, Avenida Presidente Vargas, Cinelândia, Avenida Primeiro de
Março... O preço da passagem, o aluguel, a alimentação, o custo de vida aumenta para a
classe trabalhadora. A política de segurança no Rio de Janeiro, com as Unidades de Polícia
Pacificadora (UPPs), mata jovens negros trabalhadores e oprime o povo que mora nas
favelas. A milícia cresce com a "vista grossa" do poder público. Greves pipocam e são
reprimidas pelas forças de segurança, ou são freadas pela burocracia sindical e patrões. A
Copa do Mundo de 2014 se aproxima apresentando um Brasil que não existe e é vitrine da
propaganda das elites. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a Iniciativa para a
Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (ou plano IIRSA) motivam grandes obras
que beneficiam empreiteiros enquanto povos e comunidades são violentamente despejados.
Camponeses, indígenas e quilombolas perdem espaço com o avanço do agronegócio, direitos
são retirados por um legislativo conservador, que ataca os LGBTT's. Os alimentos
transgênicos são liberados, assim como a barragem de Belo Monte e a Transposição do São
Francisco.
A população, que parecia amortecida pela máquina de propaganda midiática começa a se
movimentar e apresentar sua insatisfação com a situação social. Centenas de milhares de
pessoas ocupam as ruas, os punhos se elevam até mais de um milhão (com a direita
disputando os atos), e os gritos abalam a sociedade brasileira de uma maneira que nunca
teríamos pensado. O povo de outras cidades também se mobiliza e o movimento ganha o país.
Há exatos dois anos atrás o Movimento Passe Livre (MPL) iniciava sua vitoriosa jornada de
lutas, que terminou com a derrubada do aumento das passagens. Vitória essa que é
patrimônio das e dos de baixo, vitória que foi arrancada ao preço de muito gás
lacrimogêneo, balas de borracha e luta nas ruas. Junho de 2013 significou não só que o
povo ainda está disposto a lutar com unhas e dentes, mas que este é o único caminho
possível para a conquista e a defesa de direitos, e para transformar a realidade a partir
das demandas populares em direção ao socialismo libertário.
Mas se olharmos para hoje, depois desses dois anos, a conjuntura mudou. O que era
esperança, virou decepção. A direita "tradicional" entendeu que o PT, essa direita
envergonhada já não tem condição de controlar e domesticar totalmente a raiva das ruas. O
avanço das forças conservadoras, os ataques aos direitos dos trabalhadores, o assanhamento
da extrema-direita, mostram que os tempos são nebulosos. O governo PT/PMDB continua
garantindo o lucro para o capital empresarial e financeiro (nacional e internacional). Não
há e nunca houve possibilidade de disputa desse governo, bancado como qualquer outro pelos
grandes empresários, empreiteiras, latifúndios e pelo capital financeiro. Governo que pôs
o exército nas favelas e prosseguiu com a política de genocídio da população negra e
pobre. Governo que beneficia o agronegócio, realiza o menor número de assentamentos na
história da reforma agrária no país e impõe um ajuste fiscal de corte neoliberal que faz
com que as/os mais pobres paguem a conta da crise internacional. Governo que bem alinhado
à classe dominante (vingando-se de 2013) propõe a PL 2.016, que sob a desculpa de combater
o "terrorismo" atacará os movimentos populares, organizações políticas e qualquer rebelde
que questione o sistema capitalista. O PT portanto, é parte dessa onda conservadora. Um
governo que preparou o terreno para a direita mais tacanha avançar com pautas
conservadoras, como a da redução da maioridade penal e a tentativa de excluir o debate de
gênero da educação. Dentro ou fora do governo, a direita faz sua festa e o povo é
convidado a assistir.
Abaixo e à Esquerda: reconstruir o campo independente das/os de baixo
Somos chamados a refletir sobre a conjuntura e a necessidade da organização. Por mais que
os momentos da revolta sejam importantes não são suficientes por si só para mudar a
correlação de forças da sociedade capitalista. A ilusão de que tudo mudaria tomando o
Estado e elegendo um partido "dos trabalhadores" escorre como água das mãos de seus
defensores. 2013 também mostrou que a classe dominante não vai entregar nada de bandeja
para as oprimidas e oprimidos, e sem resistência. E que as revoltas pontuais se perdem
diante da repressão e da organização da classe dominante quando não canalizam e acumulam
para uma estratégia coerente. Parte da esquerda tenta seguir o caminho derrotado do PT,
reeditando a tentativa fracassada de eleger "deputados combativos" que logo se tornam
burocratas desavergonhados e que vão dar a linha nos movimentos e partidos ditos
revolucionários.
Velhos e novos gerentes do capitalismo.
A espontaneidade da luta também dá lugar à frustração e à decepção quando não acumula para
movimentos populares e organismos de base sindical independentes, classistas e
anticapitalistas. Quantos revolucionários/as de junho não se decepcionaram com o refluxo
do ano que se seguiu? Com muita modéstia sabemos que o campo anticapitalista e autônomo
ainda tem muito que avançar para influenciar e gerar força social. O momento é de
trabalhar para uma reconstrução urgente do campo combativo dos movimentos populares e
sindicatos. Isso não será feito de um dia para o outro mas deve ser construído desde já. O
que propomos, sabendo que essa não é só uma tarefa nossa mas de todo o campo
anticapitalista, é a construção permanente de movimentos populares bem organizados,
independentes e com um projeto bem definido de luta (no campo sindical, comunitário,
camponês, estudantil e outros) que supere o governismo pelo método e pela prática.
Defendemos o federalismo como metodologia para garantir a autonomia e a democracia direta
na luta dos organismos populares.
Para isso é necessário trabalhar para superarmos a fragmentação das lutas que o
capitalismo nos impõe cotidianamente, pois nenhum/a militante ou experiência de poder
popular é capaz de resistir isolada e sem apontar para um horizonte estratégico e
coletivo. "Cada um fazendo o seu", mesmo com boas intenções, é tudo o que poderosos querem
para nos explorar e esmagar com mais força. Quaisquer experiências, por mais importantes
que sejam, se não confluem para um projeto coletivo, autogestionário e federalista,
perdem-se no pragmatismo e no imediatismo do cotidiano.
É preciso abandonar a crença de que o Estado pode ser disputado e que a opção das eleições
pode andar junto da opção da luta popular. A única disputa em curso é a disputa interna
entre os velhos e novos gerentes do capitalismo. O campo anticapitalista deve ajudar os
movimentos a romper com o governismo e propor uma pauta própria e independente. É a
rebeldia popular, trancando ruas, ocupando terras e prédios e se organizando com um
trabalho de base constante e permanente (nas escolas, fábricas e nos bairros/favelas e no
campo) que faz a classe dominante tremer, apontando para o poder popular (autogoverno). E
isso só pode ser feito com movimentos populares organizados e com o horizonte de
independência e luta. Não vamos fechar fileiras com a velha direita e os raivosos
reacionários que marcham apenas para trocar os opressores de lugar. Tampouco vamos
defender um governo que desarmou a classe trabalhadora e dela só se alimenta para gerir o
modelo de dominação. Nossa saída é a das lutas populares no campo e na cidade. São essas
lutas que disputam um projeto de transformação radical de sociedade e que combatem os
velhos conservadores e o governismo.
Organizar e lutar com as/os de baixo. Muralismo na cidade do Rio de Janeiro.
Não há tempo certo nem errado para se construir movimentos populares. A organização não
vai cair do céu nem vem com quem lança mais comunicados "radicais", sem base na realidade
concreta. A realidade que desejamos é construída com a vontade permanente das/os de baixo
em iniciativas de organização e luta. É dever das/os anarquistas trabalhar como
combustível na organização do povo superando o espontaneísmo, o ativismo sem estratégia e
a burocracia nos espaços sindicais e populares. Convidamos as/os anarquistas e militantes
populares à participar estrategicamente dessa etapa de resistência. Para isso serve o
anarquismo, a FARJ e a CAB como ferramentas de organização e luta do povo.
Construir federalismo popular / libertário!
Povo na rua pra resistir e lutar,
Povo que avança para o Poder Popular!
Viva a luta popular no campo e na cidade!
https://anarquismorj.wordpress.com/2015/08/22/reflexao-pos-2013/
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