(pt) Aurora Obreira #49 - Extraído da obra A Evolução, a Revolução e o Ideal Anarquista, lançada pela Editora Imaginário em 2002. O título é nosso.
a-infos-pt ainfos.ca
a-infos-pt ainfos.ca
Domingo, 19 de Abril de 2015 - 13:17:36 CEST
As boas almas esperam que, não obstante, tudo se arranjará, e que, em um dia de revolução
pacífica, veremos os defensores do privilégio cederem de bom grado à pressão vinda de
baixo. ---- É verdade, confiamos que eles cederão um dia, mas então o sentimento que os
guiará não será certamente de origem espontânea: a apreensão do futuro e principalmente a
percepção de "fatos consumados", portanto o caráter do irrevogável, impor-lhes-ão uma
mudança de rumo; eles se modificarão, sem dúvida, mas quando houver para eles
impossibilidade absoluta de continuar os erros seguidos. Esses tempos ainda estão
distantes. ---- Faz parte da própria natureza das coisas que todo organismo funcione no
sentido de seu desenvolvimento normal: ele pode parar, quebrar-se, mas não funcionar às
avessas. Toda autoridade procura crescer às expensas de um maior número de indivíduos;
toda monarquia tende forçosamente a se tornar monarquia universal.
Para um Carlos V, que, refugiado em um convento, assiste de longe a tragicomédia dos
povos, quantos outros soberanos cuja ambição de comandar nunca será satisfeita e que,
exceto a glória e o gênio, são outros tantos Alexandres, Césares e Átilas? Assim também,
os financista que, cansados de ganhar, dão todos os seus haveres a uma bela causa, são
seres relativamente raros: mesmo aqueles que tivessem a sabedoria de moderar seus desejos
não podem parar diante dessa fantasia: o meio no qual eles se encontram continua a
trabalhar para eles; os capitais não cessam de reproduzir-se em rendimentos a juros
compostos.
Tão logo um homem é investido de uma autoridade qualquer, sacerdotal, militar,
administrativa ou financeira, sua tendência natural é usá-la, e sem controle; não existe
carcereiro que não gire sua chave na fechadura com um sentimento glorioso de sua
onipotência; não há guarda campestre que não vigie a propriedade dos senhores com olhares
de ódio contra o ladrão de frutas; não há oficial de justiça que não sinta um soberbo
desprezo pelo pobre diabo ao qual ele intima.
E se os indivíduos isolados já estão enamorados pela "parte de realeza" que
imprudentemente se lhes distribuiu, muito mais ainda os corpos constituídos com tradições
de poder hereditário e um ponto de honra coletivo!
Compreende-se que um indivíduo, submetido a uma influência particular, possa estar
acessível à razão ou à bondade, e que, tocado por uma repentina piedade, abdique de seu
poder ou entregue sua fortuna, feliz de reencontrar a paz e ser acolhido como um irmão por
aqueles que outrora oprimia sem seu conhecimento ou inconscientemente; mas como esperar
semelhante ato de toda uma casta de homens ligados, uns aos outros, por uma corrente de
interesses, pelas ilusões e pelas convenções profissionais, pelas amizades e pelas
cumplicidades, e até mesmo pelos crimes?
E quando as garras da hierarquia e o chamariz da promoção controlam o conjunto do corpo
dirigente como uma massa compacta, que esperança se pode ter de vê-lo melhorar
repentinamente; que benção poderia humanizar essa casta inimiga - exército, magistratura,
clero?
É possível imaginar-se logicamente que um semelhante grupo possa ter acessos de virtude
coletiva e ceder a outras razões senão ao medo?
É uma máquina, viva, é verdade, e composta de engrenagens humanas; mas ela caminha à sua
frente, como animada por uma força cega, e, para detê-la, será preciso nada menos que a
força coletiva, insuperável, de uma revolução.
Admitindo, todavia, que os "bons ricos", tendo ingressado todos no "caminho de Damasco",
fossem iluminados repentinamente por um astro resplandecente e fossem convertidos,
renovados como por um raio, admitindo - o que nos parece impossível - que eles tivessem
consciência de seu egoísmo passado e que, livrando-se apressadamente de sua fortuna em
proveito daqueles que lesaram, devolvessem tudo e se apresentassem de mãos abertas na
assembléia dos pobres dizendo-lhes: "Tomai!", se eles fizessem todas essas coisas, pois
bem, ainda assim não seria feita justiça; eles conservariam o belo papel que não lhes
pertence e a história os apresentaria de modo mentiroso.
Foi assim que bajuladores, interessados em louvar os pais para se servirem dos filhos,
exaltaram em termos eloqüentes a noite de 4 de agosto, como se o momento em que os nobres
abandonaram seus títulos e privilégios, já abolidos pelo povo, tivesse resumido todo o
ideal da Revolução Francesa.
Se se envolve com essa auréola gloriosa um abandono fictício, consentido sob a pressão do
fato consumado, o que não se diria de um abandono real e espontâneo da fortuna
mal-adquirida pelos antigos exploradores? Seria temerário que a admiração e o
reconhecimento públicos os reintegrasse no seu lugar usurpado. Não, é preciso, para que a
justiça se faça, para que as coisas retomem seu equilíbrio natural, é preciso que os
oprimidos se ergam por sua própria força, que os espoliados recuperem o que é seu, que os
escravos reconquistem a liberdade. Eles só a obterão realmente depois de tê-la ganhado por
intensa luta.
(retirado do blog http://www.coletivopaem.blogspot.com/ do coletivo PAEM de Dourados e
lançado na BPI)
http://anarkio.net/index.php/arti/812-ricos-generosos
More information about the A-infos-pt
mailing list