(pt) Federação Anarquista Gaúcha FAG - Lutar e vencer fora das urnas (en)
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Segunda-Feira, 6 de Outubro de 2014 - 09:38:54 CEST
De baixo pra cima se luta e se cria um Povo Forte! ---- As mobilizações de massa da
juventude que escreverem um pedaço da história recente do Brasil com as Jornadas de Junho
ainda não tiveram um final. A explosão das ruas anunciada pelos estudantes-trabalhadores
do regime flexível, sujeitos da rotina neurótica e estafante das grandes cidades, agravada
pela deterioração dos serviços e dos bens públicos, não foi satisfeita. As urgências
populares pela ampliação dos seus direitos continuarão em cena, são dramas brasileiros
cotidianos, e ainda vão latejar muito. Terão que ganhar potência em organizações de base e
com um federalismo que una as rebeldias e não se deixe capturar pelas instituições. Não
serão as eleições e a oferta dos partidos da democracia burguesa que confortarão o
mal-estar que provoca o sistema.
?
Os candidatos que lideram as pesquisas para presidente: Dilma, Marina e Aécio não tem
projeto pra fazer a mudança social que pode dar soluções definitivas e sem retrocessos as
classes oprimidas. Por outro lado, o reformismo eleitoral não tem a menor adesão dos
votos. E tampouco teria a liberdade de cumprir seu programa, nas regras do jogo
institucional, se chegasse a representar algum perigo ao poder. A via eleitoral é
bloqueada pelos poderes econômicos e os mecanismos conservadores do Estado para fazer
reformas que atinjam as estruturas dominantes. As legendas de esquerda são coadjuvantes
que emprestam verniz liberal-democrático ao Estado de direito das oligarquias e os
proprietários.
As eleições não possibilitam decisão estratégica sobre as pautas que motivaram os
conflitos socais que tem vazão nesta etapa aberta da luta de classes. Os fatores
conservadores do sistema deixam uma margem muito pequena para as manobras dos governos de
turno. Na formação histórica do Brasil e pela sua liderança no continente eles pesam ainda
mais. O que está em disputa são gradações do modelo de gestão de um sistema dominado
globalmente pelo capitalismo financeiro. O reformismo está fora de causa. Governar é, em
primeiro lugar, fazer arranjos com as estruturas de poder que não obedecem ao voto.
O Estado não é uma máquina neutra que põe em funcionamento suas instituições ao gosto dos
pilotos da vez. Na concepção liberal burguesa a representação sempre foi um mecanismo
legitimador da usurpação das forças coletivas e bens comuns pela vontade das minorias. O
Estado é o poder político das classes dominantes, o Estado oligárquico de direito, onde
"manda quem pode e obedece quem tem juízo", como diz o verso popular.
No sistema político brasileiro, quem não pactua com as oligarquias fica ingovernável. Quem
não joga na moeda corrente das barganhas, dos lobis corporativos, dos loteamentos de
cargos e dos mensalões não faz base de apoio. O PMDB, maior partido do país que desde a
nova república "sempre foi governo", cobra fatura da estabilidade política dos
pretendentes ao trono. Os gordos investimentos das corporações privadas formam uma bancada
poderosa de industriais e ruralistas no congresso. A bancada evangélica faz vigília
reacionária sobre movimentos por liberdade e direitos civis.
O congresso nacional tem alto instinto de conservação, de impunidade, de causa própria.
Nenhuma vocação pra mudanças de fundo, pra participação popular, pra perder privilégios
sobre a política nacional através de mecanismos de democracia direta.
A justiça e as forças armadas tampouco fogem da regra. São aparelhos da ordem que investem
sobre a sociedade os juízos do direito burguês da propriedade e o monopólio da violência
sobre os desajustados. A justiça que anistia os golpistas e os torturadores do regime de
64 é a mesma que manda prender negros e pobres e espreme nas jaulas do sistema carcerário.
Os milicos guardam o artigo 142 na constituição federal que lhes autorizam a suspensão da
ordem legal. São em última instância o comando das polícias militares que são
desaquarteladas e postas na rua durante os anos da ditadura civil-militar a reprimir,
torturar e matar até os nossos dias. As forças armadas dobraram a república, fazendo
recuar as demandas de memória, verdade e justiça contra os operadores do golpe de Estado.
A Comissão Nacional da Verdade nasceu no governo Dilma com os pés amarrados, com os
movimentos cercados, pra que nenhum carrasco do povo seja julgado.
As liberdades constitucionais de pensamento e de expressão são aparelhadas pelo poder
oligopolizado dos donos dos meios de comunicação. Cerca de 11 famílias. Elas tem controle
da produção das mídias de massa que pautam o cotidiano brasileiro, selecionam e
hierarquizam o que acontece, regulam a qualidade da informação e fazem vetor privilegiado
do sentido, do juízo público e dos valores que circulam. A concentração da mídia
brasileira é patrocinada com verbas publicitárias do governo. Em 2012 a secretaria de
comunicação da presidente Dilma deu R$ 1,7 bilhões para os oligopólios.
Os bancos e o sistema financeiro que dominam de fato ou de direito as autoridades
monetárias, mandam cortar gastos públicos pra pagar a agiotagem da dívida pública, subir
juros e deixar porteira aberta pros capitais especulativos. O grupo Itaú Unibanco que tem
a herdeira Neca Setúbal como fiel escudeira de Marina Silva festejou lucros de mais de R$
15 bilhões em 2013 durante o governo Dilma. Os lucros dos banqueiros não param de crescer.
Os grandes capitais produtivos são desonerados de impostos e recebem ajudas generosas do
Estado. O petróleo do pré-sal é partilhado no leilão com as grandes empresas
transnacionais do setor. O BNDES ajuda montadoras como Volks, Fiat, GM, patrocina fusão de
corporações como Sadia e Perdigão, Oi e Brasil Telecon, alavanca as empreiteiras com as
mega-obras, financia o pacote privatista de concessão de portos, aeroportos, ferrovias e
rodovias aos grupos privados. Tudo subsidiado com recursos do Fundo de Garantia dos
trabalhadores e por endividamento do tesouro nacional.
A via eleitoral é bloqueada pelos poderes econômicos corporativos, o discurso de verdade
dos oligopólios da mídia e os mecanismos conservadores do Estado para fazer reformas que
atinjam as estruturas dominantes.
No modelo atual, o governo dirige o Estado como financiador público do desenvolvimento
capitalista privado, tomando dinheiro a altos juros da banca financeira. É uma política
que leva a concepção ideológica do neodesenvolvimentismo, que procura ajustar com fundos
públicos o crescimento de setores do capital ao lado de um certo nível de empregos,
programas sociais e crédito pro consumo de massas. Faz idéia de remediar as brutas
desigualdades sociais que tem o Brasil com um pacto social, onde a classe capitalista puxa
o carro e os setores populares tem uma participação residual e incerta. As ações sociais
como o Bolsa Família, que atendeu 14 milhões de famílias em 2013, tem um orçamento dez
vezes menor que o patrimônio das 15 famílias mais ricas do país, quem tem na sua lista
seleta sonegadores de imposto como as organizações Globo, o grupo Itaú Unibanco. A
expansão do ensino superior é feita a base de compra pública de vagas no mercado das
universidades particulares, e de um evidente pioramento da qualidade da educação. A
geração de empregos que o governo central estimula com generosas ajudas aos patrões está
ligada a baixos salários e trabalho precário.
Pra conquistar soluções reais para o andar de baixo, que tenham direção inequívoca de uma
mudança social, sem meias voltas, só com combate as estruturas de concentração do poder e
das riquezas. Essa peleia não pode pedir bexiga pras oligarquias políticas, nem socorro
dos milicos, nem edição honrosa do Jornal Nacional, nem tampouco colaboradores na Camargo
Correa, no Bradesco ou na JBS.
O discurso do crescimento e do Brasil de classe média que foi a tônica do governismo está
perdendo o embalo, não produz mais o mesmo encanto. De 2011 pra cá a roda da economia já
não gira mais como antes. O crédito fácil que ativou durante um período o sonho do consumo
de massas vai virando pesadelo da dívida. O ganho real dos salários é muito pequeno e os
empregos precários e mal pagos. O custo de vida pega preço e os alimentos baratos perdem
lugar pra pauta de exportações do agronegócio. Os serviços públicos não melhoram de
qualidade. A integração relativa da base da sociedade de classes, como sujeito flexível
dos controles do mercado, já não faz mais sentido em alguns setores.
Da conjuntura internacional não sopra nenhum vento a favor. A Europa, pra tomar um
exemplo, enfrenta amargamente e sem prazo de vencimento a recessão, o desemprego e a
pobreza. O alto mundo das finanças, onde nenhuma corporação capitalista foge do esquema,
fez a farra e passou a conta para os setores médios e a classes trabalhadora.
Aquilo que reclamaram as massas em junho de 2013 não ficarão por aí, mofando no expediente
burocrático das autoridades, simulando pauta nos tramites e conchavos dos gabinetes,
insuflando discurso pop na tribuna de um congresso picareta. Por um ou outro lado vão
ganhar vazão de novo, não se acomodarão porque acusam demandas que não podem ser
reprimidas o tempo todo pela polícia, tampouco esvaziadas por eleições que passam ao largo
de mudanças estruturais enquanto que a vida precária e endividada dos de baixo continua.
Assim também serão as lutas que deram os setores populares atingidos pelas obras da Copa,
250 mil pessoas ameaçadas ou atingidas por despejo das suas casas, os populares das ruas
que foram varridos pra longe do centro da cidade.
As greves rebeldes de base que atropelaram a burocracia sindical, a brava luta sem pelego
e sem bombeiro dos operários dos canteiros de obras, dos transportes, dos garis. Dos
trabalhadores que se defendem com empregos de baixos salários e péssimas condições de
trabalho, terceirizações, regimes flexíveis de exploração do trabalho. A linha dos
sindicatos combativos que não se curvam ao governismo e não fazem pacto com os patrões.
A dignidade das favelas que não se calam e exprimem a criminalização da pobreza, o
genocídio do povo negro, a impunidade da polícia assassina.
A resistência dos pobres do campo ao saque do agronegócio, das mineradoras e o impacto das
mega-obras que são tocadas pelas empreiteiras, o trabalho escravo, a violação dos
territórios indígenas e quilombolas e a não reforma agrária.
O cenário de indeterminação aberto pelas jornadas de 2013 está longe de se definir. Ele
pode esfriar por um momento, em conjunturas pontuais que jogam forte seus mecanismos de
fantasia, como a corrida eleitoral. Mas não temos dúvidas que ele não acaba aqui.
Esse processo de lutas rebeldes produziram, entre tanta riqueza de valores e sentidos que
gestam a experiência de um povo que abre caminho novo, vetores ideológicos de mudança que
não se dissipam tão fácil. Dão passagem a uma geração que não se reconhece nas formas
tradicionais de fazer política burguesa, que desconfiam da representação dos governos e
parlamentos, do burocratismo sindical e dos partidos eleitoreiros. Que buscam formas de
participação sem intermediários e se apropriam das redes sociais como fator de
socialização em grupos. Que faz da forças das ruas e da ação direta de massas a sua
expressão de potência. Está em processo uma nova cultura política, que excede os rótulos e
as formas instituídas, que carrega sonhos e rebeldias que não tem mais referência com a
construção de esquerda dos anos 80, o "Lula Lá". Nós pensamos com muita humildade que a
corrente libertária do socialismo tem muito a aportar, a ajudar a superar a insuficiência
das ruas com sua sensibilidade anti-autoritária. A lutar e organizar com cabeça coletiva,
democracia de base e com sentido revolucionário de povo.
Os anarquistas da FAG votarão nulo nas eleições de 5 de outubro. Como já afirmamos em
outra oportunidade: pra mudar a sociedade, enfrentar o poder e suas classes dominantes, os
atalhos do menos pior, do possibilismo, nunca conduzirão até outras relações de força para
os oprimidos mudarem de vida. Não cremos tampouco que pedir votos, seja qual for a
legenda, seja a atitude política mais adequada para produzir ideologia de transformação.
Somos partidários do poder popular, de uma construção pela base com os processos de luta e
organização popular, de mecanismos de democracia direta e federalismo, de um trabalho
militante decidido a gerar capacidades políticas que gestam formas de autogoverno das
massas em antagonismo ao poder constituído. Nem apolíticos, nem adeptos das velhas
estruturas de representação burguesa, outra forma de fazer política. É essa nossa postura
militante e é nesse sentido que empenharemos nossos esforços.
Ou se vota com os de cima ou se luta e se organiza com os de baixo!
Nossas urgências não cabem nas urnas!
Arriba lxs que luchan! Sempre!
Federação Anarquista Gaúcha! Integrante da CAB.
20 de setembro de 2014
Related Link: http://federacaoanarquistagaucha.org
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