(pt) Brazil, Organização Anarquista Terra e LiberdadeV Roda de discussão sobre Educação Libertária - "Gaiolas ou Asas?" (15/11) por Piotr (en)
a-infos-pt ainfos.ca
a-infos-pt ainfos.ca
Sábado, 8 de Novembro de 2014 - 14:13:28 CET
No dia 15 de Novembro, às 13h, na Ocupação sem-teto Chiquinha Gonzaga (Rua Barão de São
Félix, 110), o GEP (Grupo de Educação Popular) realizará a sua quinta roda de discussão
sobre educação libertária. Na última sessão participaram estudantes de escolas públicas,
educadorxs, estudantes do pré-vestibular comunitário organizado pelo GEP no Morro da
Providência, além de outras companheiras e companheiros. ---- Na próxima sessão faremos
discussões a partir do texto de Rubem Alves, "Gaiolas ou Asas", ue traz uma reflexão sobre
a escola pública e a educação que aprisiona e a educação que favorece a liberdade. ----
Colocamos o texto abaixo: ---- Gaiolas e Asas ---- Rubem Alves ---- Os pensamentos
chegam-me de um modo inesperado, sob a forma de aforismos. Fico feliz porque sei que,
frequentemente, também Lichtenberg, William Blake e Nietzsche eram atacados por eles.
Digo atacados porque eles surgem repentinamente, sem preparo, com a força de um raio. Os
aforismos são visões: fazem ver, sem explicar. Pois ontem, de repente, este aforismo
atacou-me: Há escolas que são gaiolas. Há escolas que são asas.
Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do voo. Pássaros
engaiolados são pássaros sob controlo. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde
quiser. Pássaros engaiolados têm sempre um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a
essência dos pássaros é o voo. Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que
elas amam são os pássaros em voo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar
o voo, isso elas não podem fazer, porque o voo já nasce dentro dos pássaros. O voo não
pode ser ensinado. Só pode ser encorajado.
Esse simples aforismo nasceu de um sofrimento: sofri, conversando com professores em
escolas. O que eles contam são relatos de horror e medo. Balbúrdia, gritaria, desrespeito,
ofensas, ameaças... E eles, timidamente, pedindo silêncio, tentando fazer as coisas que a
burocracia determina que sejam feitas, como dar o programa, fazer avaliações... Ouvindo os
seus relatos, vi uma jaula cheia de tigres famintos, dentes arreganhados, garras à mostra
- e os domadores com os seus chicotes, fazendo ameaças fracas demais para a força dos tigres.
Sentir alegria ao sair de casa para ir à escola? Ter prazer em ensinar? Amar os alunos? O
sonho é livrar-se de tudo aquilo. Mas não podem. A porta de ferro que fecha os tigres é a
mesma porta que os fecha com os tigres. Violento, o pássaro que luta contra os arames da
gaiola? Ou violenta será a imóvel gaiola que o prende? Violentos, os adolescentes? Ou
serão as escolas que são violentas?
As escolas serão gaiolas? Vão falar-me da necessidade das escolas dizendo que os
adolescentes precisam de ser educados para melhorarem de vida. De acordo. É preciso que os
adolescentes, que todos tenham uma boa educação. Uma boa educação abre os caminhos de uma
vida melhor. Mas eu pergunto: as nossas escolas estão a dar uma boa educação? O que é uma
boa educação? O que os burocratas pressupõem sem pensar é que os alunos ficam com uma boa
educação se aprendem os conteúdos dos programas oficiais. E, para testar a qualidade da
educação, criam mecanismos, provas e avaliações, acrescidos dos novos exames elaborados
pelo Ministério da Educação.
Mas será mesmo? Será que a aprendizagem dos programas oficiais se identifica com o ideal
de uma boa educação? Sabe o que é um "dígrafo"? E conhece os usos da partícula "se"? E o
nome das enzimas que entram na digestão? E o sujeito da frase "Ouviram do Ipiranga as
margens plácidas de um povo heróico o brado retumbante"? Qual é a utilidade da palavra
"mesóclise"? Pobres professores, também engaiolados... São obrigados a ensinar o que os
programas mandam, sabendo que é inútil. Isso é um hábito velho das escolas. Bruno
Bettelheim relata a sua experiência com as escolas: Fui forçado (!) a estudar o que os
professores decidiam que eu deveria aprender. E aprender à sua maneira.
O sujeito da educação é o corpo, porque é nele que está a vida. É o corpo que quer
aprender para poder viver. É ele que dá as ordens. A inteligência é um instrumento do
corpo cuja função é ajudá-lo a viver. Nietzsche dizia que a inteligência era a ferramenta
e o brinquedo do corpo, Nisso se resume o programa educacional do corpo: aprender
ferramentas, aprender brinquedos. As ferramentas são conhecimentos que nos permitem
resolver os problemas vitais do dia-a-dia. Os brinquedos são todas aquelas coisas que, não
tendo nenhuma utilidade como ferramentas, dão prazer e alegria à alma.
Nessas duas palavras, ferramentas e brinquedos, está o resumo da educação. Ferramentas e
brinquedos não são gaiolas. São asas. As ferramentas permitem-me voar pelos caminhos do
mundo. Os brinquedospermitem-me voar pelos caminhos da alma. Quem está a aprender
ferramentas e brinquedos está a aprender liberdade, não fica violento. Fica alegre, ao ver
as asas crescer... Assim todo o professor, ao ensinar, deveria perguntar-se: Isso que vou
ensinar, é ferramenta? É brinquedo? Se não for, é melhor pôr de parte. As estatísticas
oficiais anunciam o aumento das escolas e o aumento dos alunos matriculados. Esses dados
não me dizem nada. Não me dizem se as escolas são gaiolas ou asas.
Mas eu sei que há professores que amam o voo dos seus alunos.
Há esperança...
Rubem Alves
More information about the A-infos-pt
mailing list