(pt) UNIPA - As eleições do DCE da UnB e a radicalização da luta de classes no Brasil: uma análise necessária. por uniaoanarquista (en)
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Sábado, 24 de Maio de 2014 - 09:26:31 CEST
Ocorreu nos últimos dias 14 e 15 de maio a eleição do Diretório Central dos Estudantes
(DCE) da UnB. Ela não expressa somente um contexto particular da universidade, mas é
também um caso exemplar para entender a conjuntura política nacional. Vivemos um momento
histórico em nosso país e no mundo. As jornadas de junho de 2013 alteraram profundamente a
conjuntura, dando vazão a um novo ciclo da luta de classes onde os partidos e organizações
governistas não são mais detentoras do monopólio da fala e ação popular. Nesta conjuntura,
nenhum partido ou organização social está isenta de críticas, ou melhor, as organizações e
seus militantes serão cobrados pelas massas e pela história. Nesse sentido, não podemos
deixar passar em branco o caráter oportunista e degenerado das opções políticas de alguns
grupos nessa importante eleição do movimento estudantil.
A direita, organizada na Chapa 1 "Aliança pela Liberdade" (composta por um grupo de mesmo
nome) alcançou o terceiro mandato com uma votação significativa, 52% dos votos válidos.
Nem mesmo juntando todos os votos das outras chapas concorrentes se conseguiria vencê-la.
Mesmo este sendo um dado importante (em relação ao apoio, consciente ou não, de um
importante setor da universidade ao projeto neoliberal-burguês), o que trataremos aqui é
menos os fatores quantitativos em si e mais a relação qualitativa que propicia tal
configuração e quais são as "alternativas" apresentadas para a estudantada.
O grupo Aliança pela Liberdade não é fruto do acaso, e sim do conflito de classes
permanente no movimento estudantil. Surgiu na conjuntura pós ocupações de reitorias de
2007-2008 onde dezenas de ocupações ocorreram no país, inclusive na UnB, ocupações estas
que rechaçaram a UNE e os métodos burocráticos, mas que também careceram de uma direção e
organização combativa que conseguisse prolongar o aprendizado nos altos e baixos momentos
da luta (sendo muitas delas derrotadas). Diversos grupos de estudantes liberais e
conservadores foram surgindo em algumas universidades como reação a essa radicalização do
movimento. A base social dessa reação era e é fundamentalmente de estudantes burgueses e
"médios" dos cursos ligados à acumulação de capital (engenharias, administração) e
burocracia do estado (ciência política, direito, etc.) - não é atoa que nas engenharias
(FT e FGA) a chapa 1 ganhou 1850 votos, ou 18,9 % do total de votantes.
Na UnB e em algumas outras universidades estes grupos conseguiram vencer os diretórios
centrais com um programa burguês em defesa de polícia no campus, mais empresas e fundações
privadas, parque tecnológico, contra cotas, mais estacionamento, etc. Além disso,
apresentam o discurso liberal cínico de negação das ideologias e dos partidos, defendendo
um DCE eficiente, pragmático e técnico. Segundo estes jovens playboys, a política não é
mais o espaço do conflito de classes, a política é espaço para especialistas, detentores
do conhecimento neutro, que irão "resolver problemas" afim de "fazer as coisas
funcionarem". No entanto, o fazer técnico e eficiente oculta a manutenção de estruturas
desiguais sob o discurso do "para todos" (negação da luta de classes). Ou seja, a
não-ideologia ela mesma é ideológica e se coloca num dos pólos do conflito de classes,
porém, sendo defensor do pólo dominante toma ares de cinismo conservador se colocando
acima de qualquer oponente, afinal de contas, dentro de sua lógica empresarial o único
oponente possível seria um outro grupo "mais eficiente" ao qual os estudantes
votariam/comprariam pela livre concorrência.
Enquanto isso, na UnB o RU foi privatizado e criaram um setor gourmet, os estudantes
pobres e da moradia estão sendo constantemente atacados pela reitoria de Ivan Camargo, o
transporte público na universidade é péssimo. Queremos dizer que para um amplo setor de
estudantes proletários não é possível seguir as regras do jogo, mantendo o status quo e a
estrutura burocrática da academia. Assim como nas jornadas de junho, onde o povo rechaçou,
não por uma consciência de "esquerda" mas pela experiência prática, os métodos ditos
"eficientes" das mesas de enrolação, dos projetos de lei, das manifestações pacíficas e
ordeiras, assim deve ser feito nas universidades. Portanto, é necessário e possível
desmascarar o discurso liberal-conservador com base na própria realidade nacional. A ação
direta não é uma invenção intelectual, é uma prática experimentada e legitimada por amplas
massas populares.
Porém, esta corrente liberal-conservadora não está sozinha no limbo, atuando sem conflitos
ou oponentes. Em geral ela substituiu setores oportunistas de esquerda e no caso da UnB os
governistas da UNE/PT que estavam na entidade desde a ocupação da reitoria em 2008. O fim
da ocupação marcou a capitulação do PSTU e PSOL (então gestão do DCE) à concepção
legalista e burocrática da UNE (PT e UJS), defendendo conjuntamente a desocupação do
prédio com apenas a renúncia do reitor conquistada e uma série de "compromissos" sem a
mínima garantia de efetivação. Saindo vitoriosos na prática, os governistas ganharam a
entidade. Porém, marcada pelo oportunismo típico dos defensores do governo federal, dos
boicotes às manifestações e assembleias gerais, da não-autonomia frente à ex-reitoria de
José Geraldo, e principalmente, por uma política progressivamente liberal e de manutenção
do status quo, a gestão governista (do DCE e da reitoria) caiu no esvaziamento político,
na desmoralização. Para se ter uma ideia, nas eleições que a Aliança venceu pela primeira
vez (2010), o discurso hegemônica do governismo era a crítica ao "quadradismo das
assembleias", "por novos meios de consultas", reforçando a argumentação liberal (e do
parlamentarismo estudantil) que esvazia a legitimidade dos espaços coletivos [1].
Desde a primeira gestão da Aliança pela Liberdade os partidos de "esquerda" mantiveram,
como não poderia deixar de ser, suas práticas oportunistas de uma "oposição" que só
aparece em eleição de entidade, sem trabalho de base consistente, sem um combate
qualitativo à raiz da concepção liberal-burguesa expressa pela Aliança (ora simplesmente
sumindo, como fizeram os governistas, ora atuando em cima de factoides e críticas
superficiais e infantis, tal como os para-governistas). Além disso, outros grupos surgiram
na fauna de grupos estudantis de "esquerda", tal como o Honestinas, impulsionado pelo PSB
e PSOL e se tornando o representante legítimo da ideologia pequeno-burguesa universitária
(empreendedorismo sustentável, pacifismo, etc.).
Porém, nenhum deles conseguiu desestabilizar a base do elitismo liberal da Aliança, por
que? Primeiramente por que todos eles mantinham em seus métodos a conquista do aparato
oficial do DCE como elemento central da política, e nesse método são levados ao
oportunismo de se adaptar ao dado naquele momento, à consciência média do estudante, para
conseguir votos, para conseguir números. Segundo que a esquerda partidária representa uma
das facetas "de esquerda" do parlamentarismo estudantil, não é uma alternativa a este.
Terceiro, os partidos governistas (PT e PCdoB) são objetivamente agentes do neoliberalismo
na universidade brasileira implementado pelo governo Lula e Dilma, portanto, incapazes de
levar às últimas consequências o combate à política neoliberal-direitista, a não ser de
forma superficial e politiqueira, tal como vimos nessas últimas eleições. A defesa radical
e consequente da ação direta e de um programa classista/popular são a única alternativa
possível ao programa parlamentar-empresarial da Aliança, mesmo que quantitativamente e
imediatamente ela não seja "vitoriosa".
PSTU, PSOL e PT se uniram na chapa 4. "O bom filho retorna a casa".
Podemos analisar agora de forma mais embasada a Chapa 4 "ManiFesta". A chapa foi uma
grande "frente única" de quase toda essa esquerda que descrevíamos acima (Anel/PSTU,
AE/PT, JR/PT, Juntos/PSOL, Vamos à Luta/PSOL, RUA/Insurgência/PSOL, Honestinas/ELA/PSOL e
Levante Popular da Juventude). Foi expressão também da conjuntura política nacional e de
como os partidos reformistas tem reagido à essa conjuntura. Desde as jornadas de junho as
burocracias partidárias (de "esquerda" e de direita, dos deputados aos burocratas mirins)
estão isoladas politicamente do povo, desesperados com esse isolamento e com o pântano de
oportunismo do qual não pretendem sair (pois não conseguiriam sem negar a si próprios) os
partidos buscaram maquiar a desmoralização e o isolamento com um discurso quantitativista
meramente formal (sem bases reais mobilizadas) e vazio de projeto. Foi através do frágil
jargão "A maior chapa" que buscaram sua autolegitimação. Por isso é que a derrota política
já havia ocorrido antes mesmo da votação. O discurso liberal não apenas havia vencido, ele
havia sido introduzido, "adotado", pela dita maior chapa de "oposição": a chapa 4 chegou
ao limite de defender o empreendedorismo das empresas juniores e o financiamento privado
da universidade! E aqueles que se diziam "críticos" dentro da chapa abaixaram a cabeça,
tudo pelo aparato. A menos de um mês da copa do mundo e nenhuma crítica contundente à
política governamental, nenhuma posição concreta sobre os megaeventos, nem sobre a
repressão fascista anti-povo implementada pelo PT e pela burguesia.
A esquerda oportunista (especialmente PT e PCdoB), por suas traições exemplares aos
estudantes e aos trabalhadores, é a antessala da direita no "poder", não apenas na UnB,
mas no Brasil e no mundo. O reacionarismo direitista (inclusive ditatorial) historicamente
é fruto de uma revolução inacabada, ou de um reformismo frustrado. Nesse sentido, a
eleição do DCE da UnB não é um episódio político desvinculado da realidade histórica e da
atual conjuntura nacional e internacional. Ela demonstra uma tendência contraditória que
já havia se expressado nas jornadas de junho de 2013 e tenderá a se aprofundar nesse ano
de copa do mundo e eleições estatais: o apelo desesperado dos partidos governistas em
convocar a "unidade da esquerda contra a direita", afim de blindar o governo Dilma e
mascarar sua real natureza burguesa e militarista. Ou seja, de aparentar combater a cobra
criada por eles mesmos.
Portanto, o que as eleições do DCE da UnB demonstram sobre a conjuntura política nacional
é que: 1) Pressionados pela radicalização da luta de classes em nosso país os partidos
governista tem a necessidade de reviver, a partir de parâmetros oportunistas eleitorais,
uma oposição Esquerda versus Direita com o intuito de prolongar o seu fôlego político,
dando razão de ser a sua própria existência, criando falsos antagonismos entre o projeto
político da direita e de si próprios; 2) Essa farsa a serviço dos partidos governistas (e
endossada na prática pela "oposição de esquerda") tem como intuito mascarar o conflito
essencial de classes que se desenvolve no Brasil, no qual o PT opera o avanço da Tirania
estatal-repressiva e as ofensivas contra o povo (junto com a burguesia e a própria
direita); 3) A "oposição de esquerda" (Psol e PSTU) fica desmoralizada, incapaz que é de
dar um passo a frente no enfrentamento com o estado e o capital, e por sua política
igualmente eleitoreira e burocrática são forçados a abaixar a cabeça para a CUT e a UNE na
expectativa de entrar na fatia do bolo, nas mesas de negociação, nas verbas do imposto
sindical, etc.; 4) A isso podemos chegar a grande verdade dessa disputa de DCE: Ao
contrário do discurso canalha utilizado pelos governistas em junho de 2013 e endossado por
toda esquerda oportunista nessas eleições de DCE, não é o povo lutando de forma combativa
nas ruas, nas greves que atropelaram os sindicatos pelegos, ou nas oposições estudantis
que não se venderam a "unidade" com a UNE governista, não são estes que fortalecem a
direita, muito ao contrário, eles são a única alternativa possível de responder de maneira
responsável e consequente o avanço do neoliberalismo e do militarismo nas universidades,
escolas, periferias e locais de trabalho.
O espaço das entidades estudantis ocupado anteriormente pela esquerda oportunista não deve
ser ocupado pela direita, muito menos voltar às mãos dos oportunistas. Construir uma
alternativa estudantil autônoma e combativa é uma necessidade não apenas na UnB, mas em
todo o país. Estamos certos de que o discurso de "unidade de esquerda", "unidade contra a
direta", será novamente utilizado para tentar dar nova vida à apodrecida burocracia
sindical e partidária. Tal como foram utilizados nas jornadas de junho (e no falido 11 de
julho das centrais sindicais) e nas eleições de entidades sindicais e estudantis, serão
utilizados apelativamente nas eleições do Estado-burguês deste ano. "A direita irá retirar
direitos" dirão eles. Mas o que os governistas tem a dizer sobre o genocídio nas
periferias e no campo sob seu comando? Sobre a precarização e privatização da educação, da
saúde e do transporte? Sobre a fábula da "reforma agrária"? Ou sobre a submissão
imperialista à Fifa?
É por todos esses motivos que entendemos que a única legítima representante de uma
tendência combativa e popular nas eleições do DCE foi a Chapa 3 "UnB Aberta Pra Quebrada",
composta de militantes e apoiadores da Rede Estudantil Classista e Combativa - RECC. A
chapa foi composta por indivíduos e coletivos de base com uma trajetória de atuação
comprometida e cotidiana em diversos cursos da universidade e, principalmente, com uma
concepção clara acerca da Educação brasileira, das recentes lutas populares, e do
potencial papel que o movimento estudantil pode desempenhar guiado pela ação direta e pela
democracia de base. A chapa 3 foi a única que expressou em alto e bom som as vozes das
ruas de "não vai ter copa", à crítica ao elitismo da UnB e defesa de uma universidade
popular a serviço da classe trabalhadora, a defesa da ação direta e da greve geral como
métodos centrais da luta. Além disso, a chapa desenvolveu uma campanha massiva para
desmascarar o projeto burguês de universidade e sociedade por trás do discurso
"pragmático" da chapa 1, denunciar o peleguismo descarado da chapa 2 (UJS/PCdoB, CNB/PT,
DS/PT) e do oportunismo da chapa 4. Estamos certos de que os camaradas estudantes, filhas
e filhos do povo, irão no curso das lutas e batalhas reconhecer seus amigos e inimigos, se
desprendendo das ilusões, e saberão depositar suas generosas energias na via combativa de
transformação radical da sociedade.
Viva o movimento estudantil classista e combativo!
Abaixo a tendência reformista e a tendência liberal-conservadora!
Por uma universidade aberta às quebradas, ao povo do campo e da cidade!
Não tem direitos, não vai ter copa!
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Notas:
1. Segundo análise da Oposição CCI ao DCE: "A 'Aliança' nasce de um racha da UEI (União de
Estudantes Independente, que se posicionou contra a greve dos professores e funcionários e
contra a ocupação da reitoria), porém, a outra parte deste racha vai compor exatamente a
gestão "pra fazer diferente" da Articulação do PT em 2009." (O Germinal, nº24, nov/dez
2011). A cobra já estava sendo criada - eram duas faces do parlamentarismo estudantil.
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