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Sábado, 15 de Março de 2014 - 18:22:23 CET
SOBRE LUTAS E CONJUNTURAS ---- Junho de 2013 reservou seu lugar na história política e
social do país. Suas lutas, aprendizados e consequências seguem presentes. Iniciado com
uma pauta defensiva contra o aumento de tarifas do transporte (que em cidades como Porto
Alegre já havia travado no ano importantes batalhas), as mobilizações passaram a ganhar
projeção tendo, talvez como estopim, a repercussão da repressão policial de 13 de junho em
São Paulo. Em sequência, manifestações cada vez mais massivas espalharam-se por todo o
Brasil. ---- Os anos de "melhorismo" petista não conteve o conjunto de demandas reprimidas
que estavam sendo postas nas ruas, guardadas as particularidades dos cenários locais, e
que ganhavam mais evidência em meio ao contexto dos gastos públicos para as obras da Copa
do Mundo, que em julho realizou seu torneio preliminar enfrentando uma série de protestos.
Ainda há muito que refletir sobre estas jornadas de luta. Certamente, a memória de junho
de 2013 estará presente neste ano de 2014, ano da Copa FIFA e de eleições parlamentares,
assim como a escalada de repressão e criminalização do protesto que já deixou seu lastro
de prisões arbitrárias e perseguições. Pontuamos algumas questões dentro deste cenário de
luta nacional aberto, desde a realidade alagoana.
As manifestações de junho de 2013 em Alagoas e algumas lições
Em Alagoas, as manifestações no contexto de junho de 2013 motivaram protestos em várias
cidades, a exemplo de Delmiro Gouveia e Arapiraca, respectivamente no sertão e agreste
alagoano. Além de outras cidades com baixa tradição em manifestações sociais públicas. No
entanto, o principal cenário foi a capital Maceió que manteve certa regularidade de atos
de rua também em razão da ameaça de aumento da tarifa do transporte coletivo. Assim, o
cenário analisado tem a capital alagoana como foco.
As manifestações na capital alagoana foram, a cada atividade, ganhando corpo e agregando
cada vez mais manifestantes para além do campo de influência das organizações de esquerda,
sem retirar destas o papel de organizadoras e direção, em parte, dos atos. Em parte,
porque se pôde perceber que desde o início foi se formando um setor que não se contentava
em seguir o "protocolo" e, por vezes, seguia um rumo para além da vontade de algumas
organizações políticas/partidos que não souberam ou não possuem a sensibilidade em
dialogar com estas situações.
Podemos considerar como o auge dos atos de rua a ocorrida no dia 20 de junho (assim como
foi na maior parte do Brasil). Calcula-se que cerca de 30 mil pessoas estiveram nessa
manifestação, algo nunca antes visto em Maceió. Em 20 de junho a manifestação extrapolou a
organização de qualquer grupo envolvido, engolindo a presença dos trios elétricos,
aglutinando uma multidão que não costuma ter identificação política bem definida e que,
com certeza, foram influenciados por toda onda de protestos no Brasil, onde as redes
sociais cumpriram um papel fundamental.
Neste ato, em que pese a participação politicamente organizada de pessoas que podemos
identificar com uma linha mais conservadora e de direita (tendo inclusive um trio elétrico
a sua disposição) eles não foram maioria e sua influência foi mínima na maioria da
manifestação. O perfil predominante dos manifestantes era de jovens, em sua maioria
estudantes. Muitos faziam suas primeiras experiências de ato de rua e não tinham nenhuma
vivência de se organizar pra luta, seja onde estuda, trabalha ou mora.
Como se sabe, a parte da esquerda (aquela que disputa eleições, seja com qual propósito
for, em um polo mais reformista ou com um discurso de ruptura social) e boa parte dos
movimentos sociais foram rechaçadas em alguns locais do país. Nesse contexto, houve quem
se aproveitou para praticar agressões físicas, muitas partindo de provocadores
direitistas. Em Alagoas houve ameaças. Repudiamos, desde o primeiro momento, e é preciso
estar atento a atuação de grupos de direita.
Porém, para o rechaço vindo de setores do povo deve caber uma reflexão e crítica sobre a
velha fórmula da vanguarda que planeja e da massa que executa. Essa "fórmula" não colabora
para a construção de uma sociedade igualitária e livre, reproduzindo o autoritarismo e
relações de dominação. A esquerda precisa romper com práticas históricas que priorizam o
crescimento de suas siglas em detrimento do desenvolvimento da luta popular. Em linhas
gerais, as velhas práticas não funcionaram ou encontraram duras resistências nas ruas em
junho, ainda que isso não signifique necessariamente a adesão ou desenvolvimento mais
estruturado de construções políticas coletivas.
Não devemos nos surpreender que boa parte dos discursos (proferidos por gritos de ordem ou
manifestação visual) fosse muitas vezes distante de reivindicações de uma luta popular e
que pouco dialogava com as questões centrais que motivaram as manifestações, tal como a
mobilidade urbana. Porém, seria um absurdo fazer uma análise negativa do ocorrido. Ao
mesmo tempo, seria muita pretensão de toda militância de esquerda querer influenciar a
maioria com nossas ideias "da noite para o dia". Nem toda a esquerda junta poderia ser
maioria na conjuntura apresentada.
Eis uma grande lição de junho e que nos dá mais convicção ideológica: se não há
enraizamento e empoderamento popular desde as bases sociais, atos "massificados" estarão
mais sujeitos a serem orientados e/ou controlados politicamente pela grande mídia, por
práticas oportunistas e, em linhas gerais, pelos próprios valores dominantes na sociedade.
No nosso entender, esta lição só reforça a necessária estratégia de construção do Poder
Popular, não como sustentáculo de projetos particulares de poder, mas sim como a expressão
concreta do protagonismo e poder dos de baixo. Isto não passa por articulações eleitorais
e acordos de sigla, mas requer perspectiva e trabalho de longo prazo, afirmadas em lutas e
instrumentos organizativos de base autônomos, legitimados cotidianamente no protagonismo
de classe.
Apontamentos de conjuntura política alagoana
Segundo dados do "Atlas Brasil 2013", das Nações Unidas, Alagoas é o estado com o pior IDH
(Índice de Desenvolvimento Humano) do país. São 88 dos 102 municípios com IDH baixo, sendo
2 considerados muito baixo. Não por acaso que quase metade das famílias alagoanas, cerca
de 440 mil de um total de 920 mil, depende diretamente do programa federal de
transferência de renda, o bolsa família.
Outro dado que chama a atenção, e é presença constante nos noticiários locais e nacionais,
são os também assombrosos índices de violência, tal como os assassinatos, com Alagoas e
suas principais cidades sempre figurando as primeiras colocações. Se a violência, que
atinge especialmente os oprimidos e suas periferias, é uma expressão do capitalismo e de
sua estrutura de classes, ela certamente se manifesta de diferentes formas ganhando um
potencial mais destrutivo e desumano em realidades como a alagoana.
Em paralelo, as elites políticas e econômicas seguem com seus mandos e desmandos. Se por
um lado, tem sido mais comum vir à tona casos de corrupção e desvios de verba, por outro,
muitos dos envolvidos continuam ocupando seus cargos políticos. O mesmo vale para casos
como o do Grupo João Lyra, que tem sua decretação de falência arrastada na justiça
enquanto os trabalhadores de suas empresas sofrem com salários em atraso e diversos
benefícios trabalhistas não cumpridos pelas empresas do deputado federal de mesmo nome e
figura emblemática do perfil da elite alagoana.
Este ano de 2014 marca o fim do segundo mandato de Teotônio Vilela (PSDB) que anunciou que
não irá concorrer a nenhum cargo nas próximas eleições, cumprindo o fim do segundo mandato
de governador. O desgaste de 8 anos de mandato, exercido sobre uma linha dura frente as
reivindicações populares, em especial as do funcionalismo público, certamente contribuiu
nesta decisão. Arrocho salarial, insistência em não fazer concurso e descumprimento dos
parcos acordos fechados com as entidades sindicais são marcas do governo. Blindado atrás
do discurso da Lei de Responsabilidade Fiscal busca justificar os cortes e "apertos" na
educação ou saúde, enquanto, por outro lado, gasta milhões em propaganda do próprio
governo. Além do governo de estado, o PSDB está à frente da Prefeitura de Maceió através
do jovem Rui Palmeira. Tanto em um como em outro, nota-se o esforço em querer construir
uma imagem de políticos honestos e sem envolvimento direto nos grandes últimos escândalos
de corrupção e com "projetos modernizadores" que se associam ao receituário neoliberal. O
que eles de fato não podem esconder é a ligação direta, familiar inclusive, com a elite
política e econômica de Alagoas e suas relações com políticos e empresários que cometem
seus mandos e desmandos e que continuam impunes.
Se de fato Vilela não vai para o pleito eleitoral (no caso, o senado) ainda não se sabe.
Porém, PSDB e Vilela irão ter como "oposição" de direita a chapa/quadrilha articulada por
Renan Calheiros e Fernando Collor e a base do governo federal do PT no estado. Uma disputa
entre oligarquias, com suas relações histórias com os grupos dominantes, a exemplo dos
usineiros, com a estrutura latifundiária, como os novos grupos e setores econômicos que
vão ganhando expressão no estado e/ou algumas regiões e, sobretudo, com a degradação das
condições de vida do trabalhador alagoano em favor de projetos particulares de poder.
Do nosso chão, seguir lutando
As reivindicações e lutas por ganhos imediatos, são necessárias e fundamentais na
resistência por melhores condições de vida para os oprimidos. Da luta por mobilidade
urbana e contra a máfia de empresários do transporte. Do combate à criminalização da
pobreza e do protesto. Pela qualidade de serviços públicos, aliando a luta dos
trabalhadores com aqueles que necessitam do serviço. No campo com o combate ao latifúndio
e as políticas que beneficiam o agronegócio e a estrutura agrária destrutiva.
Porém, tão importante quanto as conquistas são os meios em que por ela se alcançam. Fazer
valer a força das ruas e das lutas no local de trabalho, estudo e moradia é garantir que a
"voz das ruas" não seja calada ou usurpada por interesses eleitorais. É preciso também
associar a luta por direitos e conquistas a uma luta de longo prazo, desenvolvendo a
capacidade de transformação social dos oprimidos fomentando a ação direta enquanto método
em diferentes níveis da luta popular.
Desde nosso chão, da terra de Palmares, sem perder a dimensão da luta para além das
fronteiras dos estados, seguimos buscando construir, com nossa modéstia força, horizontes
de justiça e liberdade.
Anarchist Collective Zumbi dos Palmares - Alagoas: Founded in 2002. Integral Brazilian
Anarchist Coordination Organization (CAB)
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