(pt) Federação Anarquista do Rio de Janeiro - Voto ou Ação Direta: Liberdade da Lei Áurea ou de Palmares? (en)
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Quinta-Feira, 16 de Janeiro de 2014 - 08:08:22 CET
Vocês estão sendo enganados, bons eleitores, vocês estão sendo ludibriados, eles os
bajulam quando dizem que vocês são a justiça, o direito, a soberania nacional, o povo-rei,
homens livres. Colhem seus votos e é tudo. Vocês não são mais do que frutas... bananas.
---- Zo d'Axa. "Aos eleitores". 3 de maio de 1898. ---- Mais um ano eleitoral chegou. E,
mais uma vez, lá estão os políticos. Nas ruas, nos jornais, nos onipresentes "santinhos"
ou na tela da televisão: prometem transformações, vomitam slogans ridículos, dizem que
"agora vai ser diferente". No entanto, passam as eleições e as coisas não mudam
profundamente. ---- Escândalos de corrupção, elevados níveis de violência, precário
sistema público de saúde, falência da educação, repressão aos anseios camponeses por
reforma agrária, criminalização de movimentos sociais populares.
Mazelas e misérias historicamente construídas pelo modo capitalista de viver e de
organizar a sociedade.
Se há mudanças mínimas, liberdades duramente conquistadas e relativos alargamentos na
"área da cela" na qual sobrevivemos (como diria o anarquista Noam Chomsky) elas foram
fruto da pressão de movimentos organizados, do clamor das ruas. Movimentos que não se
contentaram em ser guiados pela pauta das casas legislativas.
Ainda que, a partir do século XVIII, a burguesia tenha se voltado contra o absolutismo do
Antigo Regime - em nome de "liberdade, igualdade e fraternidade" - a noção de soberania
popular foi se relativizando (e se enfraquecendo) na medida em que o poder burguês foi
consolidado. Uma vez no comando, a burguesia não hesitou em limitar a participação popular
a um mínimo, utilizando-se de ferramentas tanto de repressão quanto de convencimento. E,
com muito custo, foi absorvendo em seu favor alguns dos anseios das massas - sufrágio
universal, participação da mulher, voto secreto, etc.
Atualmente, os elementos persuasivos são largamente utilizados por um eficiente aparato de
propaganda. O slogan governamental decreta: "O destino do eleitor está em suas próprias
mãos". Assim, o discurso oficial identifica o ato de votar (ou apertar botões, em sua
versão mais moderna) como o momento máximo de "cidadania". Não se discutem evidentemente,
os limites desse modelo ou as formas de aumentar a participação de todos em seus destinos,
de modo efetivo. A eleição acaba sempre sendo um bom negócio paras as elites. Uma das
maiores armas das oligarquias é justamente a desmobilização - que se amplifica
ciclicamente no ritual das urnas. A direita só clama por mobilização popular quando se
organiza com vistas ao retorno da "ordem" ou ao fascismo. Mas o fascismo torna-se
necessário apenas quando as ameaças parecem transbordar as urnas, e as ameaças às
estruturas do sistema só ocorrem com muita mobilização e organização popular.
A pseudodemocracia vigente adormece a possibilidade de esclarecimento, de conscientização,
de organização e de ação política em seu sentido mais incisivo: o de atuar na pólis, na
cidade, no bairro, no cotidiano, a partir de organismos autônomos, horizontais,
assembleias, associações de bairro, conselhos de operários - ou quaisquer outras
definições do que, na essência, significa democracia direta.
Os anarquistas sempre estiveram atentos frente às estratégias mistificadoras da democracia
burguesa. Buscando fugir da ação política institucionalizada - como diria Jaime Cubero,
essa grande "arma burguesa de retardamento" da democracia direta - a proposta anarquista
caminha no sentido de estimular a autonomia, o protagonismo dos cidadãos, a política feita
de forma direta; distinguem-se assim de outros setores da esquerda que apostam em vias
eleitorais.
A participação nas eleições pelos partidos políticos de esquerda nos mostra a problemática
de usar meios inadequados para alcançar certos fins. Há os que querem usar as eleições
"apenas como propaganda", como se fosse possível competir com o aparelho burguês por seus
próprios mecanismos, sem caricaturar ou ridicularizar as propostas socialistas em rede
nacional!
Outros dão ênfase apenas à questão tática da eleição, argumentando que seria perfeitamente
possível aliar a luta parlamentar às estratégias de massas - a dos movimentos sociais. No
entanto, percebe-se que essa ação "inofensivamente" tática vai se tornando paulatinamente
"estratégica", fazendo que estes grupos progressivamente deformem o projeto original que
defendiam. Estes vão ajustando lentamente seus projetos aos meandros da democracia
burguesa, dos gabinetes, das condições legais, muito eficazes em anular projetos radicais.
Não se trata de uma questão substancialmente "moral" ou de "traição" - ainda que a
imoralidade e a mentira possam também fazer parte de todo o processo. Estamos falando de
um tipo de dinâmica que é própria da ação parlamentar: a ação institucional vai solapando
a ação de massas. O que era um projeto "periférico" ganha cada vez mais contornos de
"centro". Nas novas periferias geradas no processo, ficarão os movimentos sociais que
esses partidos hegemonizam ou influenciam (as suas "bases de apoio").
Os parlamentares e mandatos "combativos" destes partidos de esquerda - já encastelados
como centros, ou seja, poderosos aglutinadores de recursos financeiros e políticos -
impõem assim o ritmo das lutas de fora para dentro dos movimentos. O resultado é o pior
possível: movimentos que ficam subordinados aos limites da legalidade burguesa ou às
figuras carismáticas - a forma mais irracional de subordinação política. A elite sabe
que, se um candidato "radical" se candidata para contestar estas estruturas, é possível
aplicar a mais antiga das fórmulas democrático-burguesas: caso se candidate que JAMAIS se
eleja; caso se eleja garanta que não governe; e caso governe... derrube-o!
Nestas eleições, portanto, tanto faz votar nulo, no "menos pior" ou não ir votar. O voto
útil "contra a direita" e a política cínica (ou ingênua) do "melhorismo" ignoram que os
exploradores já têm seus postos garantidos na estrutura de poder independente do resultado
das eleições: estão representados no BNDES, nos projetos das empreiteiras, nos monopólios
de comunicação, nas estruturas verticais de trabalho e de organização e no extermínio da
juventude pobre e negra pela polícia.
Um governo "mais à direita" pode reprimir mais os movimentos sociais é verdade. Um "mais à
esquerda", pode ao invés de reprimi-los, comprar ou cooptar os movimentos. Contudo, os
prejuízos de ambas as políticas são igualmente terríveis, se a primeira ataca mais os
direitos dos trabalhadores, a segunda os desarma completamente para defendê-los. Os
governos evidentemente mudam, e enquanto houver capitalismo, todos sabem que isso não é
nenhuma novidade.
Deveríamos nos perguntar, não as condições que desejamos para construir nossas lutas, mas
sim, como podemos impor nossas pautas - a dos movimentos sociais -, aos carniceiros, sejam
eles de direita ou de esquerda? Que tática e princípios nos servimos para enfrentar a
repressão ou a cooptação?
Decerto não os removeremos destes postos sem um intenso e árduo trabalho de organização
popular que possua fins revolucionários. Para isso, é necessário criar, fomentar e
desenvolver a autonomia da classe em seus próprios organismos; fortalecermos um movimento
de movimentos; criarmos um povo forte. Um povo que não dependa de líderes, messias ou
candidatos a super-heróis.
É somente pela base que construímos experiências concretas de organização popular e
assentamos as experiências de poder popular. Com a massificação dos organismos populares e
a generalização da democracia direta, poderemos um dia ameaçar a ordem vigente e
construir, nos mecanismos que levam à sua ruptura, uma nova experiência político-social.
Assim fizeram os comunnards da Comuna de Paris em 1871; os trabalhadores espanhóis em
1936; os operários e camponeses russos em 1905 e 1917. Assim fazem os zapatistas, e assim
fez o povo de Oaxaca em 2006, que, com suas assembleias populares, expulsou o governo e a
polícia da cidade e se autogeriu politicamente, dando vida à Comuna de Oaxaca.
Aqui vamos tentando, experimentando e caminhando; mas tendo a certeza de que os caminhos
da emancipação popular definitivamente não passam pelas urnas. Se passassem -
parafraseando um velho ditado libertário - as eleições seriam obviamente proibidas.
Outra Campanha: Nossas urgências não cabem nas urnas!
A Outra Campanha - inspirada no exemplo de ação autônoma dos zapatistas mexicanos - busca
construir uma nova forma de fazer política, com base no protagonismo e na luta popular. E,
em vez de pedir o voto, incita a organização autônoma, a formação de coletivos, a vontade
de interferir no próprio destino. E, no lugar de "santinhos" e slogans, quer: "autogestão,
cooperativismo, ajuda mútua, ação direta, ocupações, mobilizações, socialismo libertário,
gestão não-hierárquica, democracia direta, organização em grupos locais e coletivos em
federações, e reforma agrária coordenada pelos próprios camponeses". No Brasil, a Outra
Campanha está sendo organizada por vários grupos e conta com adesões nos estados do
Alagoas, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo, etc. Saiba mais sobre a Outra
Campanha no site:
http://outracampanhabrasil.blogspot.com
[1] Apud: VVAA. Os anarquistas e as eleições. São Paulo: Imaginário, 2000.
[i] O que leva a deformações como assistir a partidos de esquerda falarem em rede
nacional, de "democracia direta".
[ii] Foi assim com o PT e com a maioria dos partidos verdes da Europa, que, partindo de
projetos gestados no interior dos movimentos sociais, tornaram-se apenas geradores de
quadros da nova burocracia.
[iii] Ou diríamos "a infantilização da política"? Uma projeção da forma familiar
paternalista-burguesa ao nível político?
[iv] Cf. COUTO, Evandro. Como Votam os Anarquistas? In Socialismo Libertário nº 18.
Publicado no LIBERA # 146
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