(pt) Anarkismo.net: Lulismo, trabalhismo e a possibilidade de reeleição by BrunoL (en)
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Quinta-Feira, 14 de Agosto de 2014 - 07:00:33 CEST
Estamos em pleno ano eleitoral, e no momento em que escrevo estas linhas, tardam menos de
dois meses para o pleito. Existe a real possibilidade de reeleição da presidenta Dilma
Rousseff (PT) e com isso seria concretizado um feito inédito de dupla reeleição. Dois
debates entendem-se como necessários para traçar tanto uma análise do cenário eleitoral
como de uma conseqüente crítica por esquerda. O primeiro aborda o cenário eleitoral e as
candidaturas oficiais por direita, além do próprio risco de não conseguir emplacar um
segundo mandato. O seguinte trata da comparação do espaço político, ocupado pelo lulismo,
como uma "continuidade descontínua" do trabalhismo contemporâneo. ---- O lulismo se
aproxima do varguismo como versão contemporânea da relação direta entre líder político e
milhões de assistidos
O cenário eleitoral de 2014
A corrida às urnas de 2014 tem o seguinte perfil. A situação - favorita - é marcada pela
aliança do PT com o PMDB, ainda que os correligionários do vice-presidente Michel Temer
sejam, na prática, uma coligação de oligarquias estaduais, cuja cúpula controla a
convenção e o muito disputado tempo de TV. A aliança com o Partido Progressista (em escala
nacional, trata-se da Arena que não pulou da nau naufragada chamada de PDS), segue o mesmo
padrão - controle de cúpula e interesses estaduais difusos - tal e como a composição da
pouco leal "base aliada".
A hegemonia da ala de centro-esquerda do governo afugentou um aliado histórico, o PSB dos
herdeiros pouco orgânicos de Miguel Arraes, atiçando em Eduardo Campos e sua vice de
circunstância, Marina Silva (cacique de uma legenda não legalizada), a vontade de tentar
marcar uma espécie de "terceira via" nacional. O discurso de Marina (cacifado pelo
desempenho em 2010), como ex-ministra do Meio Ambiente de Lula, e sobrevivente do Acre dos
conflitos de seringueiros, não colou no ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos. Para
sorte dos seguidores de Luiz Inácio, as possibilidades de Campos e Marina irem ao segundo
turno são pequenas. Caso isso ocorresse, esta chapa de meia-oposição receberia apoios
massivos dos grupos de direita (mais à direita), podendo atingir um empate técnico.
Por direita (totalmente alinhada com o ocidente), a oposição ao lulismo vê na chapa
puro-sangue tucana, com Aécio Neves e o senador paulista Aloysio Nunes, a esperança de que
ao menos, a legenda de Fernando Henrique Cardoso e José Serra tenha chegado unificada ao
pleito. Os dois maiores colégios eleitorais do país (Minas e São Paulo) são o alvo
prioritário do PSDB que vem fazendo governos estaduais nas Gerais e governa São Paulo de
forma ininterrupta desde 1994. Acompanhando o tucanato, além do capital financeiro e os
maiores grupos de mídia (com o Estadão à frente, seguido de Folha e Globo), está a parcela
sobrevivente da UDN, revivida nos Democratas (DEM, "ah quanta ironia nas siglas
partidárias"), tão democráticos como os correligionários de Carlos Lacerda e do brigadeiro
Eduardo Gomes.
Aécio repete basicamente as mesmas teses dos anos '90, agora com dois agravantes. Um é
positivo para os neoliberais, pois após mais de uma década no Poder Executivo, o PT
transformou-se em uma caricatura (grotesca) de si mesmo, estando cada vez mais parecido
com os oligarcas aos quais se associa, embora levante a bandeira de algum grau de
soberania combinada com políticas sociais tímidas. O agravo para os tucanos é na
comparação de governo. Não há como comparar, dentro do marco de governos capitalistas sem
nenhuma predisposição para romper total ou parcialmente com a ordem estabelecida, os
feitos de FHC com Lula e seus herdeiros. Apenas fazendo o óbvio, o lulismo deu respostas
comparáveis a Vargas em seus momentos auge.
A desorganização do tecido social e a fragmentação da esquerda eleitoral
Diante de tamanha vantagem, como ainda cogitar um segundo turno apertado e com alguma
chance de vitória neoliberal sobre a aliança centro-esquerda com as oligarquias? Uma pista
está no controle do aparelho midiático; outra se localiza na desorganização quase que
completa do tecido social oriundo do reformismo radical dos anos '80. A desorganização é
tamanha que não se conseguiu retomar uma central sindical aglutinando a esquerda restante
no país. O mesmo se dá na esfera eleitoral. Três candidaturas apostam na construção
partidária (PSOL, PSTU e PCB) e não na montagem de uma Frente de Esquerda (ainda que no
cenário eleitoral). Seria interessante para a política brasileira uma grande coligação -
por esquerda - nas urnas, pois isso facilitaria duas separações necessárias para a
acumulação que veio após os protestos de 2013 e a atual repressão política de 2014.
Primeiro separaria as esquerdas eleitorais das não-eleitorais. A opção de tomar parte do
jogo da democracia representativa sempre foi um divisor de águas no pensamento socialista
e agora segue sendo. A segunda divisão seria dentro do grande campo de esquerdas
não-eleitorais. Nesta haveria a divisão das de matriz libertária daquelas que são
estatistas ou de perfil hierárquico. Neste campo, o Brasil hoje oferece a possibilidade
organizativa do especifismo anarquista (através da Coordenação Anarquista Brasileira) e do
maoísmo, através de movimentos como o MEPR. Facilitaria a opção política dos brasileiros,
a subdivisão política aqui apregoada. Mas, o fato é que a "fragmentação maldita", fenômeno
social dos anos '90, hoje se nota na esfera política específica.
Apontando conclusões: lulismo e varguismo
Tanto a desorganização dos rachas do PT e seus aliados, antes e depois de Luiz Inácio
assumir em 1º de janeiro de 2003, como a fragmentação sindical - esta sim, obra nefasta do
ex-líder metalúrgico que segundo o próprio "nunca foi de esquerda" podem ser lidas como
vitórias políticas do Lulismo. Na campanha de 2002, a não presença da pauta da ALCA na
campanha veio junto da Carta ao Povo Brasileiro e a aliança com o empresário mineiro José
Alencar para vice-presidente. A escolha do pragmatismo político somada ao modus vivendi do
andar de cima, mimetizaram-se de tal modo no PT que este sequer tinha uma ala à esquerda
consolidada na segunda metade do primeiro mandato. Dez anos depois, temos no Brasil duas
novas realidades.
Massifica-se em 2013 uma nova forma de protesto, bastante semelhante ao que vem ocorrendo
em outras partes do mundo. Esta acumulação, ainda que parcial, pode ser disputada entre a
fragmentada esquerda eleitoral e as forças que não participam do pleito, conforme já
citado acima. O mesmo padrão de lealdade e acumulação difusa verifica-se na massa de
milhões de brasileiros (em torno de 44 milhões), atendidos pelas políticas sociais, como
habitação, renda mínima, estudo superior e emprego direto. Como a inclusão e o
reconhecimento dos direitos não tiveram um receptor para além do próprio líder
carismático, o Lulismo transforma-se no túmulo do PT histórico. Foi o inverso do PTB sem
Vargas. Ao longo dos dez anos antes do Golpe de '64, o trabalhismo transforma-se no pacto
capital-trabalho com ênfase eleitoral e chance de vitória. O partido (o antigo PTB, de
Brizola, Jango e Pasqualini) cresceu ao pé da tumba do ditador que o fundara. Com Luiz
Inácio, a legenda outrora reformista dilui-se nas alianças de ocasião e no pacto
oligárquico. Existe uma reserva eleitoral típica da América Latina, e frágil como seria de
se esperar sem organização de base à altura dos milhões de incluídos no mundo consumo e do
emprego. É esta a massa que pode garantir a reeleição, mas que patina na identificação das
realizações do partido de governo.
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