(pt) (EZLN) De um anarquista ao subcomandante Marcos
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Segunda-Feira, 11 de Novembro de 2013 - 17:30:19 CET
(Esta carta é uma resposta à recente declaração do subcomandante Marcos, em nome do EZLN
relativamente ao anarquismo e às/aos anarquistas) ---- Que é um homem revoltado? Um homem
que diz não. Mas, se ele recusa, não renuncia: é também um homem que diz sim, desde o seu
primeiro movimento" ---- Albert Camus, O Homem Revoltado (1951) ---- Subcomandante
Insurgente Marcos ---- Exército Zapatista de Libertação Nacional -- Chiapas, México ----
Desculpará que lhe faça chegar a presente carta por meios indirectos, já que até este
momento careço ( e parece-me que V. também) de um apartado postal ou endereço electrónico
permanente. Esclareço que subscrevo esta carta a título de solitário-solidário, à margem
das responsabilidades que tenho como membro das Milícias Insurgentes - Ricardo Flores Magón.
Desculpará também que comece dedicando-lhe uma citação tirada da carta que Pierre Joseph
Proudhon dirigiu a Karl Marx: "não lhe prometo escrever muito nem com frequência;
ocupações de toda a espécie, em conjunto com uma preguiça natural, não me permitem esses
esforços epistolares" (1). Escrevo-lhe porque me senti visado no seu recente comunicado em
que se dirige aos que militamos e nos reivindicamos como anarquistas, e ainda que não
tenha nenhum interesse em responder "às críticas e às acusações nos meios de comunicação
social pagos" (2), gostaria de atrair a sua atenção para lhe dar conta de algumas das
minhas inquietações.
Emma Goldman referia-se ao anarquismo como a única filosofia que devolve à pessoa a
consciência de si mesma, desafiando-a a pensar, a investigar, a analisar cada proposta;
talvez por isso Goldman afirmava também que o anarquismo deve necessariamente esbarrar com
a ignorância e o repúdio envenenado do mundo que pretende reconstruir (3); de maneira que
não é de estranhar o desprezo, a vontade de escarnecer e o bombardeamento de vilipêndios
contra nós, anarquistas. Em paralelo, Goldman clarifica que a organização anarquista,
longe de representar o caos e a violência, apresenta-se como o resultado natural da fusão
dos interesses comuns, produzidos mediante a adesão voluntária, como uma condição
fundamental para cimentar a vida social (4).
Por outro lado, Piotr Kropotkin declarou, em síntese, que os anarquistas recusamo-nos a
tratar os outros como não gostaríamos de ser tratados por eles (5); sobre isto não é
necessário dar mais explicações, uma vez que, como bem o dizia Kropotkin: "é fácil ser-se
breve ao dirigirmo-nos a vocês, jovens do povo; a própria força das coisas impele-vos a
serem anarquistas" (6)
Julgo, Subcomandante Marcos, que V. conhece a complexidade inerente ao fomento da
participação política a partir duma perspectiva acrata, enquanto se organiza a sua defesa
frente ao embate das armas. V. sabe que essa complexidade não implica necessariamente uma
contradição inultrapassável, já que a própria ética anarquista é capaz de resolver o
paradoxo. V. faz parte de um exército de mulheres e homens livres que conseguiram alcançar
as suas aspirações enquanto povos índios, sem abandonar uma disciplina que permite cumprir
objectivos militares específicos. V. também sabe da enorme dificuldade que implica
transmitir a outros estas experiências; segundo tenho percebido, é nisso que andam agora
os zapatistas, a gerarem espaços para a troca destes conhecimentos com a sociedade civil.
Parabéns! Sobre algumas destas questões reflectia Plotino C. Rhodakanaty quando se
questionava sobre qual é o objectivo mais elevado e racional a que se pode consagrar a
inteligência humana, respondendo que este objectivo deve centrar-se na realização da
associação universal, de indivíduos e de povos, para o cumprimento dos destinos terrestres
da humanidade (7). Considero muito valioso o esforço zapatista por sintetizar as suas
próprias reflexões num processo formativo, aberto e plural.
De qualquer modo, a motivação para lhe escrever não é para reivindicar quaisquer
posicionamentos, o meu propósito tem a ver com uma franca provocação. Nestes tempos
críticos em que estamos a viver, pemito-me perguntar-lhe se é necessário aprofundar as
diferenças que nos dividem em vez de procurar saber se os pontos em comum que nos
identificam são suficientemente convincentes para nos continuarem aproximar.
Dito de outra forma, apesar das traições das "esquerdas" partidárias, do oportunismo e do
protagonismo de supostos líderes sociais e do embate implacável do inimigo, pergunto-lhe
se V. considera actuais os princípios que Mikail Bakunin defendia sobre a
autodeterminação, segundo os quais cada um é para todos, como todos são para cada um (8).
Porque sendo assim ficarei muito agradecido se me descrever os mecanismos concretos que V.
propõe para alcançar a liberdade de todos, sem que outros se sintam ameaçados na sua
liberdade, no meio do conflito armado que se generaliza por todo o território nacional.
Confesso-lhe que me sinto convocado quando V. faz o convite para aprender na escola
zapatista, tanto como me sinto motivado para levar uma faixa tricolor, a apagar a luz aos
sábados ou a assistir às acções de resistência civil que milhares de cidadãos impulsionam
através do Movimento de Regeneração Nacional (Morena) para repudiarem as reformas do mau
governo. Do mesmo modo que considero pertinente o apelo de alguns hierarcas da igreja
católica, intelectuais e políticos para integrara a Unidade Patriótica pelo Resgate da
Nação, ou como vejo urgente responder às convocatórias dos professores democratas para
levar a cabo acções contundentes de recusa da reforma educativa e para dissuadir a repressão.
Produdhon assinalava que na imaginação do povo, a política, do mesmo modo que a moral, é
uma mitologia e, como tal, pressupõe ídolos. Também advertia que aqueles que questionem ou
contradigam tais ídolos, mas que sobretudo escapem ao seu poder, serão tratados de
sacrílegos (9). Gostaria de lhe perguntar, com autêntico interesse, onde é que me poderei
informar acerca do Programa Nacional de Luta, que terá resultado da Outra Campanha, que V.
anunciou em 2006, apresentando-a como alternativa às campanhas daqueles célebres ídolos.
Pergunto-lhe tudo isto por me encontrar submerso num profundo pesar que vem do sangue
derramado por centenas de milhar de compatriotas assassinados. Poi sso, transmito-lhe
também a minha expectativa de que V. possa divulgar o apelo do Exército Popular
Revolucionário (EPR) para erradicar de forma total as causas que permitem a desaparição
forçada de pessoas no México.
Retomo o que disse Errico Malatesta relativamente à necessidade de continuar a lutar pela
anarquia e pelo socialismo, porque a anarquia e o socialismo devem ter uma expressão
imediata; a minha experiência pessoal em múltiplas derrotas dá conta da invencibilidade de
tais argumentos: "se hoje cairmos sem baixarmos a nossa bandeira, podemos estar seguros da
vitória de amanhã"; ainda que para viver e conseguir essa vitória não seja preciso
renunciar às mesmíssimas razões que nos dão vida e distorcer o seu carácter grandioso (10).
Em circunstâncias não muito distantes das que hoje sofremos no México, os amigos de
Durruti, durante a guerra civil espanhola, apelavam à "construção de uma Junta
Revolucionária" (11). Compreendo as enormes dificuldades que actualmente se colocam para
consolidar espaços onde possamos confluir os distantes grupos e indivíduos que nos opomos
ao despojo e ao saque nos nossos territórios, e é por isso que, por fim, lhe quero
perguntar de que maneira V. considera que podemos colaborar para facilitar o encontro, a
discussão e a coordenação táctica entre os movimentos sociais, sindicatos, organizações
(civis e armadas), colectivos e individualidades que procuramos contribuir à autodefesa da
nossa Soberania.
A história ainda não começou, achamo-nos ainda no último período da pré-história. Tal como
Bartolomeo Vanzeti estou convencido de que o progresso e a mudança serão determinados pela
inteligência e pela compreensão mútua. Se não nos aproximarmos desse ideal não teremos
obtido nada de efectivo (12).
Subcomandante Marcos não tenho que insistir no que já está dito, pela minha parte
continuarei a esforçar-me para que todos nos entendam, talvez assim, como sugeria
Malatesta, encontremos menos dificuldades e triunfemos como anarquistas, pela anarquia
(13). Despeço citando a Ricardo Flores Magón, esperando que "cada um se esforce para dar a
sua opinião sobre o que é preciso fazer para alcançar a realização das nossas aspirações,
que não são outras do que a liberdade de todos fundada na liberdade de cada um; o bem
estar de todos fundado no bem estar de cada um" (14)
Espero a sua resposta
Saúde e anarquia, companheiro!
"A palavra como meio para unificar tendências, a acção como forma de mudar e estabelecer
a vida"
"Instruí o cérebro para tornar efectivo o golpe do braço, armai o braço para proteger
contra as armas as criações do cérebro"
"Capitão Guilherme"
Milicias Insurgentes - Ricardo Flores Magón (MI-RFM)
Poyauhtlan, Anáhuac.
PS: Se o texto não couber na página tenha V. a amabilidade de tornar mais pequena a letra
até que caiba, obrigado."
Referências:
[1]Carta de Pierre Joseph Proudhon a Karl Marx, 17 de maio de 1846.
[2]Subcomandante Marcos, Malas y no tan malas noticias, novembro de 2013.
[3]Emma Goldman, Anarquismo: lo que realmente significa, 1910.
[4]Emma Goldman, En lo que yo creo, 1908.
[5]Piotr Kropotkin, La moral anarquista, Cap. VI, 1897.
[6]Piotr Kropotkin, A los jóvenes, Cap. III, 1880.
[7]Plotino C. Rhodakanaty, La cartilla socialista-republicana, Lección I. Del problema
social, 1883.
[8]Mijaíl Bakunin, Catecismo Revolucionario, Apartado II, 1866.
[9]Pierre-Joseph Proudhon, El Principio Federativo, Federalismo Político: Eficacia de la
garantía federal, 1863.
[10]Errico Malatesta, La anarquía, 1891.
[11]Los Amigos de Durruti, Hacia una nueva revolución, 1938.
[12]Bartolomeo Vanzetti, Historia de la Vida de un Proletario, 1921.
[13]Errico Malatesta, Sobre la responsabilidad colectiva, 1930.
[14]Ricardo Flores Magón, Los jefes, publicado no jornal Regeneración do dia 15 de junho
de 1912.
aqui:
http://periodicoellibertario.blogspot.pt/2013/11/de-un-anarquista-al-subcomandante-marcos.html#more
ENTREVISTA A LAS MILICIAS INSURGENTES RICARDO FLORES MAGON
http://www.cedema.org/uploads/MIRFM.pdf
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