(pt) São Paulo, rizoma janeiro de 2013 : região metropolitana fervendo, contra todos os aumentos! (por Caio Martins Ferreira) (en)
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Segunda-Feira, 28 de Janeiro de 2013 - 12:14:55 CET
Essas lutas trouxeram experiências de mobilização radicais às cidades, que já renderam
conquistas e certamente ficarão marcadas na memória da população. Por Caio Martins
Ferreira ---- Passadas as eleições municipais, o transporte público volta à pauta do dia –
agora não mais nas promessas de campanha, mas nos decretos dos prefeitos autorizando
aumentos na passagem. Na região metropolitana de São Paulo, o preço do ônibus [autocarro]
já subiu em pelo menos 18 cidades. Em boa parte desses lugares, as pessoas se organizaram
para protestar. Nessas organizações, em geral há uma ou outra pessoa que já participou de
mobilizações ou atividades do Movimento Passe Livre (MPL) em São Paulo, e que então entra
em contato com o movimento em busca de apoio. Na medida do possível, o MPL tem tentado
fortalecer essas lutas de rua, sempre junto com a Fanfarra do MAL (“Movimento Autônomo
Libertário”), bateria rebelde que dá a cadência das manifestações.
Cotia
Reeleito em Cotia, o prefeito Carlos Camargo decretou em novembro um aumento da tarifa de
ônibus para R$ 2,60. Em resposta, militantes locais organizaram um Comitê de Luta pelo
Transporte Público e convocaram um ato contra o aumento no centro da cidade. A
manifestação reuniu apenas 40 pessoas, mas ainda assim teve força, animada pela Fanfarra e
com grande apoio da população local – que ficou visível quando lojistas vaiaram um PM
[membro da Polícia Militar] que exibiu seu revolver para intimidar os manifestantes.
Após o ato, o Comitê decidiu que era preciso aprofundar o debate com a população e
realizar reuniões nas comunidades para discutir a situação precária do transporte – em
Cotia, ao mesmo tempo que os estudantes têm direito ao passe livre (conquistado com muita
luta nos anos 90), há 15 bairros da cidade não têm acesso ao transporte coletivo. Uma
primeira atividade com o MPL aconteceu no CDHU do Jd. São Miguel.
Osasco
Após o aumento na tarifa de R$ 3,00 para R$ 3,30 no início de dezembro em Osasco, um grupo
de estudantes de cursinho marcou uma manifestação por Facebook. Dos mais de mil
confirmados, apenas 50 compareceram. Eram manifestantes que, de modo geral, haviam
participado anteriormente apenas dos protestos contra a corrupção na cidade – atos que,
impulsionados por grupos de direita, em geral costumam ser tímidos, se limitando à
ostentação de cartazes na faixa de pedestres [passagem de peões]. Nesse contexto, a
intervenção da Fanfarra do MAL introduziu um elemento estético novo, que elevou a
experiência política a outro patamar, dando força ao ato e maior autoconfiança aos
manifestantes.
Em jogral, foi feita uma assembleia que decidiu tomar a rua e ir até à Prefeitura. Mas, ao
chegar na Prefeitura, a passeata encontra as portas fechadas. Decide-se voltar, porém
desta vez fazendo o trajeto pelo Viaduto dos Autonomistas – uma das principais vias de
entrada de Osasco. Entusiasmados com a força do ato, em cima da ponte, os manifestantes
decidem sentar e bloquear o fluxo de carros. Só meia hora depois chega a PM [Polícia
Militar] exigindo a liberação do trânsito. É feita uma negociação e a passeata retoma seu
trajeto de volta.
O segundo ato foi convocado logo para o dia seguinte, a fim de escrachar [insultar
colectivamente] o prefeito e seus secretários publicamente durante a entrega da reforma de
um largo. O evento da inauguração, porém, foi desmarcado na véspera. Mas a manifestação
aconteceu do mesmo jeito e, mesmo debaixo de muita chuva, 60 pessoas marcharam até o
Terminal Vila Iara.
Ao longo desses dois dias, foi visível o crescimento do movimento: um ato que começou como
um evento de Facebook e que talvez nem tivesse saído do local de concentração ganhou força
e radicalização a ponto de bloquear uma ponte por meia-hora e invadir um terminal. A
Fanfarra e o MPL certamente tiveram um papel fundamental no início desse processo, mas ao
final eles já eram completamente dispensáveis, pois os próprios manifestantes assumiram a
organização do ato. Em 2013, o grupo voltou a se reunir, marcou panfletagens, e um novo
protesto está sendo organizado.
Taboão da Serra
“R$ 3,30 é roubo”, dizia uma pichação em frente à Câmara dos Vereadores do Taboão no
início de 2013. Com a mesma palavra de ordem, militantes locais chamaram um ato contra o
aumento, que reuniu quase 100 pessoas e foi recebido na Prefeitura pelo secretário de
Comunicação. Os manifestantes rechaçaram a proposta do secretário de que fosse formada uma
comissão de negociação e exigiram que qualquer conversa fosse feita com todos ali
presentes. O secretário cedeu e ficou a proposta de uma reunião entre o Movimento, a
Prefeitura e as empresas de transporte. Para confirmar a proposta, uma segunda
manifestação aconteceu também no dia seguinte, e a reunião foi marcada para o dia 22.
No dia 16, porém, o prefeito Fernando Fernandes veio a público anunciar a revogação do
aumento da tarifa, que volta a custar R$ 3,00. A justificativa para a medida é de que,
segundo o contrato da Prefeitura com a Viação Pirajussara, deveria haver um intervalo de
pelo menos um ano entre cada aumento e, no caso do último reajuste, essa regra não foi
respeitada.
A reversão do aumento já era esperada por muitos militantes, pois Fernandes tinha
prometido abaixar o preço do ônibus durante a campanha eleitoral. Isso não diminui a
conquista da luta: a pressão exercida pelas mobilizações certamente teve um peso
importante na decisão do prefeito. Porém, o movimento continua alerta para qualquer
manobra política e não baixou a guarda: um novo ato está marcado para o dia 22, a fim de
exigir a garantia de que o aumento não voltará a acontecer.
Mauá e ABC
Em Mauá, onde a tarifa de ônibus subiu 40 centavos no fim de 2012, a mobilização foi
construída de forma mais sólida. Além de um intenso trabalho de divulgação, com colagem de
lambes e panfletagem pela cidade, os organizadores (que se identificam pela comunidade
virtual “Política Sim, Patifaria Não”) buscaram apoio não só do MPL e da Fanfarra, mas de
outros grupos organizados na região, como a Apeoesp, OAB, movimento estudantil,
anarcopunks e até militantes do PT (o mesmo partido do prefeito).
Resultado: o primeiro ato contra o aumento em Mauá, no dia 5, reuniu quase mil pessoas.
Despreparada para controlar uma passeata desse tamanho, a polícia levou um “olé” dos
manifestantes, que trancaram a entrada do Terminal Centro, paralisando o fluxo de ônibus.
Preocupados com a radicalização após uma hora de bloqueio, os organizadores chamaram o
ato, do alto do carro de som, para seguir em marcha e se encerrar na praça da Bíblia.
Vendo a força do movimento em Mauá, mas descontentes com a falta de espaço na organização
e no carro de som, correntes estudantis trotskistas convocaram a reunião de um Comitê
Unificado Contra os Aumentos na Região do ABCD e Mauá, sobrepondo-se aos espaços de
organização já existentes em cada município. A reunião aconteceu um dia antes de um ato
contra o aumento em São Bernardo que já vinha sendo chamado pelo grupo ativista Anonymous ABC.
No dia do ato, a presença de correntes organizadas se fez notar mais claramente, gerando
uma interminável polêmica em assembleia após os Anonymous reclamarem da presença de
bandeiras partidárias. Sob chuva constante, 80 pessoas marcharam e panfletaram pelas ruas
de São Bernardo embaladas pelas músicas da Fanfarra. A passeata invadiu o terminal
municipal, mas guardas civis empurraram os manifestantes para fora, impedindo que o fluxo
de ônibus fosse bloqueado.
No dia 12, sábado, aconteceu o segundo ato contra o aumento em Mauá, igualmente forte. O
ato seguiu até à avenida de acesso ao Terminal Centro, cuja entrada estava protegida por
uma linha de GCMs [Guarda Civil Metropolitana] com escudos e cassetetes. A contragosto do
carro de som, os manifestantes avançaram em direção do Terminal, entusiasmados pelos fogos
de artifício lançados pelos punks e pelas músicas da Fanfarra. O bloqueio se estendeu por
quase duas horas, a tensão com a polícia crescia – na linha de frente, já se sentia o gás
de pimenta – enquanto no microfone os organizadores insistiam em agradecer “à PM [Polícia
Militar], que está aqui para nos proteger”.
Teve início a repressão: pela frente avançaram os GCMs com cassetetes, seguidos por
guardas montados a cavalo, enquanto por trás a Força Tática da PM lançou bombas de
estilhaço, gás lacrimogênio e balas de borracha. O carro de som fugiu, parte dos
manifestantes correu e outros permaneceram, lançando pedras nos guardas. Cessadas as
bombas, o ato se reagrupou em torno da Fanfarra, que tocava “Macho Macho Man” para os
policiais. Foram contabilizados 20 feridos e 3 detidos. Em assembleia, decidiu-se marchar
até à delegacia, exigindo a libertação dos companheiros.
A cidade tinha parado. Nas ruas do centro, lixeiras viradas, pedras e projéteis no chão, o
comércio fechara as portas e a população se aglomerava nas calçadas observando a passeata,
que seguia firme embaixo da chuva. Recebiam os panfletos expressando solidariedade: “eles
roubam na condução e se a gente reclama, apanha!”. Os manifestantes seguiam por um caminho
tortuoso, pois a polícia ainda bloqueava algumas vias, até chegarem em frente à delegacia
[esquadra]. Cantavam: “Ou soltam os três ou prendem todos de uma vez!”. De repente, uma
viatura da Força Tática estaciona de sopetão na esquina e quatro meganhas [chuis] pulam
pra fora apontando armas. Alguns manifestantes começam a correr, mas a Fanfarra não recua
e o ato permanece unido. Não há repressão. Companheiros que estavam dentro da delegacia
chegam com a notícia: os três seriam liberados e os que estavam no pronto-socorro já
passavam bem.
E São Paulo?
Mobilizações aconteceram também em outras cidades da metrópole, como Barueri, Carapicuíba
e Franco da Rocha, onde a luta foi regionalizada, envolvendo Caieiras e Francisco Morato.
Já na capital paulista, a possibilidade de um aumento na tarifa do ônibus está colocada
desde o fim de 2012, quando a Câmara aprovou um Orçamento prevendo um corte de R$ 300
milhões no subsídio para compensação tarifária no transporte coletivo. Durante a votação
do Orçamento, o MPL chegou a se mobilizar, com ações de rua e intervenções nas audiências
públicas.
O prefeito eleito Fernando Haddad sempre foi enfático ao afirmar que seu único compromisso
é o de não aumentar acima da inflação. Mais recentemente, declarou que a passagem deve
subir ainda no primeiro semestre, talvez entre maio e junho, para evitar o impacto sobre
índices de inflação, a pedido do ministro da Fazenda.
Essa conjuntura gerou um cenário diferente dos últimos anos, quando o aumento em São Paulo
precedeu (e justificou) os aumentos nos municípios vizinhos. Nesses anos, foi a luta
contra o aumento em São Paulo que estimulou o desenvolvimento de lutas nas outras cidades.
Desta vez, temos o inverso: as lutas metropolitanas estão gerando um clima de tensão antes
mesmo da passagem subir na capital. Independentemente do quanto conseguirão se manter
firmes e fortalecer a batalha que está por vir em São Paulo, esses movimentos são
importantes por si só. Suas lutas trouxeram experiências de mobilização radicais às
cidades, que já renderam conquistas e certamente ficarão marcadas na memória da população.
Nota sobre o autor
Caio Martins Ferreira é militante do Movimento Passe Livre.
http://passapalavra.info/?p=71068
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