(pt) Apoio Mútuo #2 - Media, Estado e Capitalismo
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Domingo, 24 de Fevereiro de 2013 - 13:43:03 CET
Os Media e a Construção social da realidade ---- Aobjectividade, a imparcialidade, a
isenção dos(as) jornalistas ou comentadores(as), é um dado como adquirido. O 4o poder,
afirmase, são os Media. A realidade a acontecer acontece na televisão. O verdadeiro
espírito do jornalismo acontece na rádio. Se não deu nas notícias, não existiu, não
aconteceu. Estas são premissas do nosso quotidiano, as quais comentamos e reproduzimos no
nosso discurso e na nossa “abordagem pessoal” da realidade local mas igualmente
internacional, e na nossa relação com o mundo e, em particular, com o campo dos Media,
dos meios de informação jornalística. ---- A importância dos Media em grande parte das
sociedades “modernas” actuais tem uma marca histórica e social concreta e um percurso de
objectivação da realidade, de construção da mesma, que podemos encontrar no princípio do
séc.
XIX, mas cujas raízes podemos en-
contrar na malha antropológica da his-
tória humana. Pretendese salientar so-
bretudo que os Media são um produto
da sociedade capitalista, da sua forma
de organização e divisão do trabalho so-
cial, intimamente ligada ao consumo e
aos estilos de vida de onde deriva gran-
de parte da explicação da sua massifica-
ção. A importância que se atribui aos
Media e ao papel que desempenham nas
sociedades capitalistas é um aspecto
que deve ser central na crítica anarquis-
ta actual, pois esta é uma faca com dois
gumes e um terreno pantanoso em que
é necessária uma posição de permanen-
te confronto e de debate, porque o que
está aqui em causa é a construção social
da realidade por parte dos jornalistas e
dos meios de comunicação para os
quais trabalham. Temos que ter presen-
te a manipulação capitalista e democra-
ta forjada através das mensagens que
todos os dias comentamos, ouvimos, le-
mos e vemos nas notícias, comentários,
opiniões, desmascarando o seu discurso
para compreendermos o que se esconde
por detrás de cada mensagem.
Os Media, os meios de comunicação
e informação actuais, são uma das pe-
dras bases do sistema capitalista actual
e a sua influência junto da opinião pú-
blica um assunto de permanente debate
e rivalidade democrática entre partidos
e facções empresariais na luta pela pos-
se do poder de dominar através da in-
formação. É um campo de lutas ideoló-
gicas e de poder, assim como de interes-
ses políticos e económicos mais ou me-
nos dissimulados. Isto é facilmente ve-
rificável ao assistirmos à enorme pre-
ponderância de comentadores políticos
e económicos em especial na televisão,
rádios e jornais. Estes comentadores,
por muito que apregoem imparcialida-
de, a verdade é que não são jornalistas,
não podendo como tal esconderemse
com essa capa ética. São mediadores
dos corporativismos em que se movem
e dos interesses políticos e económicos
que se utilizam (e se deixam utilizar)
das suas capacidades oratórias e da me-
diatização que os rodeia. As luzes e as
câmaras são palcos de notoriedade, a
inscrição do nome por debaixo da colu-
na do jornal condição de status, o grau
académico de Doutor equivale a poder
opinar sobre tudo e todos com o maior
grau de certeza de que o que diz corres
ponde à mais pura e crua realidade. E
os jornalistas? Não possuem interesses-
nem valores individuais para além da
ética normativa jornalística? Sim, por-
que eles afirmam a sua objectividade e
imparcialidade porque se regem pelo
Código Deontológico que assim o exige.
Então, o que entendemos por neutrali-
dade jornalística? A faculdade do ou da
jornalista serem neutros no que dizem e
no que fazem na produção de uma notí-
cia, na apresentação de um facto jorna-
lístico? Vejamos: a realidade social, a
realidade que vivenciamos diariamente
em diversos pontos de globo, não é algo
totalmente coerente e homogéneo que
os Media se limitassem simplesmente a
revelar e a mostrar ao mundo; aquilo
que os jornalistas classificam como
“acontecimento” não existe como um
facto isolado, mas na convergência en-
tre a ocorrência e a percepção que te-
mos dele; os Media não são estruturas à
parte da sociedade, nem os jornalistas
vivem numa redoma separada do resto
dos comuns mortais, eles pertencem ao
ambiente que os rodeia e são agentes da
hierarquização e tematização da reali-
dade social, seleccionando as notícias
nessa simbiose de articulação entre
aquilo que são as convicções pessoais e
individuais de cada um e as directrizes
da orientação jornalística do meio de
informação ao qual pertencem; o olhar
jornalístico não é algo exterior e distan-
te, totalmente independente e com uma
neutralidade infalível, como se existisse
uma barreira entre o que se narra e o
jornalista. Factualmente não existe
qualquer distanciamento temporal, es-
pacial ou cultural por parte desse mes
mo olhar. Mais: o jornalista ao escrever
sobre alguma coisa, escreveo no interi-
or de um grupo de comunicação social,
que tem a sua própria prática de fazer
jornalismo, os seus valores e isso condi-
ciona objectivamente a prática jornalís-
tica. Vemos como em Portugal, e discu-
tese na praça pública este caso, temos
assistido à concentração de diversos
meios de comunicação em grandes gru-
pos empresariais (muitas vezes nem se-
quer ligados ao mundo do jornalismo) e
questionase até que ponto isso não irá
condicionar o trabalho dos jornalistas
devido à necessidade desses grupos em
fazerem dinheiro sem olhar à “qualida-
de” do que é produzido. Uma empresa
serve para fazer dinheiro e o mundo da
Gestão não é de modo algum o mundo
do jornalismo. A prática jornalística se-
rá sempre objectivamente condicionada
no que produz de modo a apresentar lu-
cros, levando à deterioração ainda mai-
or da maioria dos conteúdos jornalísti-
cos.
O AnarcoSindicalismo face aos
Media: pedagogia e acção
Narrar sobre alguma coisa, já é re-
flectir sobre aquilo que aconteceu, e
classificar esse procedimento e o seu
produto como total e inequivocamente
como realidade é ter um poder de do-
minação e de construção da opinião pú-
blica deveras preocupante e do qual de-
vemos ganhar consciência e capacidade
de compreender para além daquilo que
lemos, vemos ou ouvimos. Não nos di-
zem como pensar, mas indicamnos so-
bre o que pensar. E esse facto não signi
fica que tudo o que lemos, vemos e co-
mentamos é a total manipulação por
parte dos Media. Eles são, sem dúvida,
agentes sobre a forma como percepcio-
namos a realidade, mas felizmente hoje
possuimos ferramentas sociais e cultu-
rais provenientes das mais diversas áre-
as de conhecimento que nos permitem
questionar, recusar e lutar contra essa
imposição de uma realidade normativa.
O que nos coloca perante algumas
questões: como nos relacionamos e qual
a nossa posição, enquanto anarquistas e
anarcosindicalistas, face aos Media?
Como pensar os Media actuais no con-
texto inseparável de um mundo globali-
zado? Que formas de luta e de interven-
ção equacionamos neste campo? Deve
esta questão ficar no âmbito laboral ou
estender a sua actuação para outros?
Claro que podíamos colocar outras
questões, sobre os mais diversos assun-
tos, contudo proponho uma discussão e
uma reflexão aberta face a estas e que
mais possam surgir. Esta abordagem
privilegia a pedagogia e a educação nos
sindicatos e associações anarcosindica-
listas como base de formação teórica e
prática.
A forma como nos
relacionamos com os
Media não deve ser al-
go a tomar de ânimo
leve e automaticamen-
te descartado como um
inimigo a abater, é
desnecessário reafir-
mar o anticapitalismo
que norteia a acção
anarquista, logo, os
Media capitalistas in-
cluemse nesse rol. Ou
seja, énos impossível fugir ao efeito
que os Media têm sobre a sociedade e
sobre nós, por muito revolucionário que
seja o nosso coração, muit s de nós
compramos jornais que entendemos
pertencerem a esses Media capitalistas,
assim como lemos e comentamos diver-
sos assuntos baseados nas mais diversas
notícias desses meios de comunicação.
Podemos é ter uma atitude crítica face
aos mesmos, um constante e objectivo
ataque à construção mediática da desi-
gualdade e a muita da normatividade
que nos querem impor. Sim, porque
nem tudo o que lemos, ouvimos e lemos
nos Media é essencialmente capitalista
na forma de agir e nos objectivos de ex-
ploração a que se propôem, a dificulda-
de reside na filtração da informação
com que somos inundados a um nível
cada vez mais superior e a de propor al-
ternativas factuais da realidade do dia a
dia. Quanto à nossa posição, ideologica-
mente referi anteriormente a questão
anticapitalista, e desse ponto de vista
puramente teórico e prático, os Media
capitalistas incluemse nessa luta. Con-
tudo, julgo importante salientar que a
liberdade de imaginação e construção
com objectivos claros de recusa do pa-
pel de construção mediática da realida-
de por parte dos meios de comunicação
capitalistas é um ponto a ter em conta.
Pensar essa luta representa igualmente
compeender a linguagem dos Media e o
contexto em que operam, a nível global
e local. Como pensar então os Media
actuais no contexto de um mundo
globalizado? Essa questão deve ser
alicerçada (e colocada) na realida-
de em que vivemos a nível global e
concretizada pelas, e nas, diversi-
dades geográfica e cultural de cada
acção. Assim como o mercado de
trabalho e as condições laborais
variam de país para país, ainda
que a tendência seja a de uma
homogeneização cada vez maior,
os Media de cada país assentam
numa posição ideológica diversi-
ficada, variam no apoio a certa
cor partidária, pertencem a certa
empresa privada (que muitas das
vezes nem à área da comunicação per-
tence), têm nos seus quadros indivíduos
que são comentadores, lobbystas e
membros de partidos políticos ou de
interesses privados dissimulados, e
muito importante: empregam e explo-
ram trabalhador s que cada vez mais
são precários, inclusive na profissão de
jornalistas. Como lidar então com estes
factos? Esta questão remetenos tam-
bém para a necessidade de pensar as
lutas em termos laborais ou deslocan-
doa, num movimento pendular, para
outros campos. Nesta questão ela deve
ser colocada contextualizando o que é
desejável nos objectivos d s trabalha-
dor s face à situação que requer uma
intervenção da sua parte, ou seja, seria
interessante pensar justamente essa ac-
ção num movimento pendular de inter-
venção entre a contrainformação, ori-
entada para desmascarar a informação
capitalista, e a própria informação ca-
pitalista, que permita não simplesmente
uma aculturação ideológica das ideias
anarquistas, mas igualmente dos meca-
nismos de desinformação utilizados pe-
los Media vistos numa perspectiva ex-
terna ao contexto do grupo ou dos indi-
víduos anarquistas. Por exemplo, com
recurso ao conhecimento que já existe
nas ciências sociais sobre esses mesmos
mecanismos mediáticos, desse modo
contribuindo para esbater a desigual-
dade que existe entre os que têm aces-
so ao conhecimento e os que não têm,
porque tendoo, cada um decidirá co-
mo utilizálo.. Porque nem todos os
que pertencem a um sindicato ou asso-
ciação anarcosindicalista são, ou se-
rão, necessariamente anarquistas, e a
educação e propaganda que se faz no
seu interior e exterior não deve ser
mais uma voz crítica na multidão de
vozes críticas que diariamente ouvimos
no nosso quotidiano. Felizmente não
somos @s únic s a reclamar um
mundo melhor (ainda que os contor-
nos desse mundo sejam divergentes) e
se pensarmos que um dos principais
problemas apontados por um dos críti-
cos do marxismo, Herbert Marcuse1,
da modernidade, é justamente a tenta-
tiva de destruição do pensamento críti-
co através da acção cultural e social do
capitalismo sobre os indivíduos, é real-
mente reconfortante que existam mui-
tos espíritos críticos do capitalismo e
da democracia no sentido de um pen-
samento livre do ser humano, em que
nós possamos pensar sem constrangi-
mentos que nos consomem e destroem
as vidas.
Uma questão contudo fica por res-
ponder nesta reflexão: que formas de
luta e de intervenção equacionamos
neste campo? Essa resposta, no meu
entender, deve ficar na acção prática
dos indivíduos e na discussão aberta
desta questão. A luta anarcosindica
lista não é uma acção no seu essencial
dominada por constrangimentos teóri-
cos (ainda que ideológicos) mas assen-
te na acção directa, ou seja, na capaci-
dade de intervenção que tenha como
base a acção individual e/ou em grupo
sem constrangimentos de hierarquia
ou de poder, numa base antiautoritá-
ria, que tome nas suas mãos a decisão
de modificar as desiguais condições de
existência que o sistema capitalista im-
põe indiscriminadamente. Tratase de
agir sobre os problemas procurando
não a sua reforma, mas a sua melhoria,
ou a sua substituição como fomenta-
dores de desigualdade humana. Torna-
se importante reflectir sobre a prática
nesse campo porque está em causa a
transformação da nossa consciência
que posteriormente terá repercurssões
no campo da acção, porque o que pen
samos e agimos deve ser coerente com
a crítica de uma realidade transforma-
da pelos meios de comunicação capita-
listas.
Nuno
1 - Marcuse, Herbert, A Ideologia da Socieda-
de Industrial, 1 964, Zahar Editores, Brasil.
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