(pt) Brazil, DECLARAÇÃO DO IV ENCONTRO NORDESTE DAS ORGANIZAÇÕES - ANARQUISTAS ESPECIFISTAS (en)
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Domingo, 15 de Dezembro de 2013 - 12:01:19 CET
De 14 a 16 de novembro realizamos o IV Encontro Nordeste das Organizações Anarquistas
Especifistas. Desta vez também contamos com a presença do Coletivo Anarquista Ademir
Fernando (CAAF) da Bahia e da região Norte, o Núcleo Anarquista Resistência Cabana (NARC).
O Encontro foi marcado pela comemoração dos 5 anos de existência da Organização
Resistência Libertária (ORL), bem como evidenciou a confluência das análises realizadas
pelas 6 organizações políticas presentes acerca do período recente das lutas sociais no
Brasil e seus apontamentos futuros. ---- Vale ressaltar nossa imensa alegria e avanço
politico de ter presente a companheirada do norte do país, que reassume seu posto na luta
- porque já vem de uma geração anterior do anarquismo especifista. Retoma os trabalhos em
um rico encontro de gerações fraternalmente associadas pelo sincero e combativo espirito
anarquista fundado em princípios caros a nossa tradição, como são o apoio mútuo, a
solidariedade e independência de classes, a ação direta, a autogestão, entre tantos outros
que nos nutrem para continuar na luta pelo socialismo libertário.
Nosso internacionalismo, entretanto, não nos faz deixar de refletirmos sobre o solo em que
pisamos. Salvando as devidas diferenças históricas, as regiões Norte e Nordeste guardam
inúmeras semelhanças desde a origem da invasão brasileira, onde, deveria ser explorado ao
máximo ambas as regiões, sem necessidade de contrapartida. Hoje ainda temos que lidar com
uma estrutura arcaica que mantém altos índices de analfabetismo e sucateamento escolar,
jovens vítimas de armas de fogo, insuficiência e precariedade no acesso à saúde pública,
desnutrição e "comercialização da seca" em pleno século XXI, traços estes marcantes de uma
herança coronelista e provinciana. Estas e outras questões ampliam a necessidade de
pensarmos para além do teto, sem tirarmos os pés do chão. As imagens vendidas pelos
grandes empresários e governantes destas regiões contrastam com a realidade da classe
oprimida que sobrevive com suor no rosto e sede de luta. Nesse cenário, nossa estratégia
especifista vem avançando, pois pensamos o todo sem deixarmos de considerar os sotaques e
particularidades distintas, que se unem na luta anticapitalista pela construção de um Povo
Forte e pelo Socialismo Libertário.
Este rico encontro regional e geracional nos possibilitou melhor compreender que "junho
não começou em junho": as jornadas de lutas populares já vêm de longa data! Não cremos nas
palavras tão difundidas de que o gigante acordou, porque a periferia nunca dormiu: ela
precisa estar sempre muito alerta para continuar resistindo aos terrorismos do estado,
diuturnamente! Afirmar que o povo acordou seria a negação das inumeráveis batalhas
cotidianas e históricas presentes no Brasil (e em todo o mundo, porque
internacionalista!), de norte a sul. São as lutas indígenas, quilombolas, das mulheres,
dxs obreirxs, dxs desempregadxs, dxs sem teto, sem terra, entre outrxs oprimidxs que se
confundem, se encontram, sofrem e resistem a toda sorte de serem as periferias dos poderes
centralizadores.
Mesmo assim, a tendência majoritária da opinião pública fabricada consiste no esquecimento
de nossa ancestral luta contra a dominação. Exemplo recente desta combatividade
invisibilizada são os setores (porque alguns estão fragilizados) dos povos originários no
norte do país em enfrentamento às forças do capital que só estabelecem relações
predatórias, levando-os, no limite, ao suicídio coletivo. As demonstrações desta
autodestruição são muitas e cada vez mais crescentes, ancoradas, por exemplo, em uma
lógica neodesenvolvimentista que casa com as identidades de países emergentes aspirando
"sentar à mesa" das chamadas superpotências, retroalimentando os ciclos de dominação
global. O BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) é uma expressão destes
agrupamentos de interesses de capitais transnacionais na sua busca por força a fim de
fazer frente aos estados mais fortes até então.
Há várias ações de sustentação em âmbito local e regional deste panorama atual do
capitalismo globalizado. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é só uma pequena
parte em escala nacional do que na América do Sul esta sendo chamado de Iniciativa para
Integração da Infraestrutura Regional da América do Sul (IIRSA). Esta iniciativa pode ser
considerada uma nova Aliança para o Livre Comercio das Américas (ALCA), porém muito mais
astuciosa e eficiente, uma vez que figura como se fosse um processo livre do sul da
América em seu próprio benefício, utilizando-se, inclusive, do discurso da integração
regional com referências a notáveis figuras que se firmaram neste imaginário como mártires
da luta contra o colonialismo e pela independência.
Estão sendo construídas rotas diversas para a facilitação do fluxo de matérias-primas em
nosso subserviente capitalismo extrativista e importador de produtos. Os megaeventos
entram nesta cadeia produtiva econômica colaborando politicamente para que se gere uma
série de pressões sociais no espaço urbano, materializando as políticas de higienização
social e gentrificaçãodas cidades. Quem se localiza na periferia do poder é jogado ainda
mais para escanteio, empurradxs cada vez mais para as margens territoriais deste mundo
hegemonizado pela injustiça!
Nos campos e nas cidades, as forças predatórias do capital se expandem. A UHE Belo Monte
(na bacia do rio Xingu, município de Altamira no Pará) é um caso emblemático dentro desta
nossa leitura, porque é expressão destes megaempreendimentos alimentados pelo
neodesenvolvimentismo que ignora o respeito à natureza e aos modos de vida dos povos
indígenas, ribeirinhos, caboclos e camponeses em geral.
Já as manifestações iniciadas em junho de 2013, bastante midiatizadas, deram maior
visibilidade a diversas questões e contradições sociais existentes, bem como inúmeras
bandeiras de luta. Em meio à Copa das Confederações da FIFA no "país do futebol", adveio
uma ebulição social inesperada que levou às ruas multidões de pessoas, rompendo com um
período de refluxo de grandes movimentações no meio urbano. Contudo, a maré de levantes
deve ser analisada com profundidade em relação ao seu conteúdo político no sentido de não
ficamos a mercê dos movimentos transitórios. Devemos aprender mais e melhor a desenvolver
as forças sociais na perspectiva de pôr fim aos sistemas de dominação.
O modelo de manifestação vendido pela "opinião pública" consistiu na ampla marcha cívica,
na participação passiva, na passeata pela liberdade abstrata, em detrimento das pautas
sociais vivas, embora em muitas cidades o estopim tenham se dado a partir de problemas
específicos, como o Passe Livre e a Copa do Mundo. Restou evidenciado o discurso pacifista
do "não vandalismo", a tímida presença de movimentos sociais e organizações sindicais de
base, o recrudescimento da repressão policial, midiática e judicial, regado por um forte
nacionalismo febril que pairou no ar. Precisamos de mais agudeza na análise e dureza na
atuação para revirar o jogo! Diante da ampla repressão e toda sorte de perseguições
sofridas pelo povo lutador, foi inevitável também o desgaste da imagem do Estado e dos
Governos, tanto no cenário local quanto internacional, em um momento em que o Brasil se
lança em forte campanha no panorama exterior como um grande país em vias de
desenvolvimento, sediando diversos eventos mundiais, a exemplo das Copas e da Olimpíada.
Na dinâmica das lutas, ficamos mais convencidxs de que a nossa forma de lutar sempre será
colocada à prova, porque o processo histórico julga implacavelmente a legitimidade de
nossa presença, ombro a ombro com a classe. O rechaço aos partidos políticos é um exemplo
disso: é fruto da falta de referência que estas mesmas organizações construíram. Nós
anarquistas não podemos ser responsabilizadxs por isto. Este entendimento exige a
indispensável e profunda autocrítica. Todavia, fomos atacadxs por várias forças
autoritárias, de direita e de esquerda, em suas incapacidades de sequer dar respostas e se
fazerem funcionais no processo. Não entramos nestas querelas. O que precisamos é que nossa
análise possa alertar para compreensão dos diferentes papéis e as táticas possíveis de
luta, bem como apontar alianças sociais e ferramentas que ampliem as forças pela
construção do Poder Popular. Faz-se necessário muita humildade, coesão, coragem e
disposição para aprender na luta. Assim a classe faz tremer o poder dominador!
Neste sentido, ressaltamos a importância de sempre pensar/atuar com vistas ao curto, médio
e longo prazo. Aqui situa-se o debate acerca da tática Black Bloc, que equivocadamente tem
sido entendida como um grupo, movimento, etc. Trata-se de uma ferramenta de luta, que
possui limitações, mas que deve estar a serviço da resistência popular frente às forças de
repressão do Estado acionadas quando rompemos o controle mental e nos fazemos multidões
nas ruas. Não esqueçamos que os aparelhos policial-militares de manutenção da ordem
vigente fundam-se na astuta lógica do monopólio da violência "legítima" pelo estado em
"defesa da sociedade", mas que atuam contra esta mesma.
O ano 2014 mostra-se com fortes indicações de que terá conjuntura mais radicalizada, uma
vez que ocorrerá a Copa do Mundo, será ano de eleições, haverá encontro do BRICS em
Fortaleza a fim de criar seu banco, dentre outros fatores. Para este cenário, devemos
tentar nos antecipar afim de garantir meios de reverter ganhos das lutas imediatas em
conquistas políticas para a perspectiva do Poder Popular.
Devemos estar atentxs às outras formas de atuação e organização, porém não esquecendo as
nossas experiências históricas, para não cairmos no erro de sempre começarmos do zero,
tentando "reinventar a roda". Não podemos nos furtar em dizer: o que aparece como novidade
agora (ação direta, autogestão, federalismo, etc.) é herança histórica de nossxs
companheirxs que deram suas vidas na luta por um mundo sem dominação e por isto tiveram
abafadas suas vozes, invisibilizadxs sua história. E hoje vêm à tona estas imagens, em um
período de grande desgaste desta falsa democracia, que nada mais é do que a atualização
histórica da organização da violência dominadora.
Que nos preparemos mais e melhor para 2014, pois será um ano repleto de situações comuns a
este contexto que apresentamos! Os mecanismos de controle e repressão estão sendo bastante
calibrados para que o povo não perturbe o fluxo dos negócios neoliberais. A legislação
antiterror também se faz simbólica neste sentido, pois consiste em mais um passo na
criminalização das lutas sociais. Nossa força de luta deve ser maior para dar lições
necessárias às elites! Precisamos de mais organização para fazer vencer e pôr-nos em
movimento por um mundo sem dominação!
Não podemos recuar!
Fortalecer a resistência popular para realizar um bom combate!
Avante as/os que lutam!
Lutar, Criar, Poder Popular!
Vida longa ao anarquismo desde o Norte/Nordeste!
Assinam esta declaração:
Coletivo Anarquista Ademir Fernando (CAAF) - Bahia
Coletivo Anarquista Núcleo Negro (CANN) - Pernambuco
Coletivo Anarquista Zumbi dos Palmares (CAZP) - Alagoas
Coletivo Libertário Delmirense (COLIDE) - Alagoas
Organização Resistência Libertária (ORL) - Ceará
Núcleo Anarquista Resistência Cabana (NARC) - Pará
Reunidas em Fortaleza, Ceará, nos dias 14, 15 e 16 de novembro de 2013.
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