(pt) «A BATALHA» N. 213 - FALANDO DE ESPANHA: A CONFUSÃO ENTRE ANARCOSINDICALISMO E POLÍTICA
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Quarta-Feira, 2 de Novembro de 2005 - 21:13:32 CET
Pier
Francesco
Zarcone
Os aniversários dos eventos históricos, quando celebrados para os que vêem
neles uma parte da sua própria história, em linha geral são comemorações
apologéticas: aí não cabe o espírito crítico. De qualquer forma
compreende-se o desejo de não estragar a festa.
Em 2006 comemoram-se os setenta anos do início da revolução espanhola, em
relação à qual è praticamente impossível esconder o cunho libertário que
animou as massas populares na luta contra o fascismo e na prática das
colectivizações espontâneas.
Deixemos que as celebrações se desenvolvam como de costume, e antecipemos
temporalmente um fragmento de discurso crítico. O assunto da revolução
espanhola tem uma amplitude imensa, e nestas poucas linhas vamos falar
apenas duma questão que as mais das vezes é descurada nos escritos sobre
o anarquismo espanhol; mas que, apesar disso, apresenta relevância
notável, dado que o seu conteúdo não se esgotou nos anos da guerra civil,
mas prosseguiu nas décadas sucessivas: falamos da confusão de papéis
entre o anarco-sindicalismo e o anarquismo político.
Numa perspectiva abstracta e teórica a situação era clara: a CNT
constituía a organização sindical e a FAI a entidade política
anarquista. A confusão à qual nos referimos começa a manifestar-se
aquando da participação da CNT, em nome do anarquismo espanhol, no
governo regional de Catalunha e depois no da república, chefiado por
Francisco Largo Caballero.
Esta escolha táctica que depois infelizmente se revelou quase
estratégica sabe-se que originou críticas muito fortes no meio
anarquista internacional. Pessoalmente não sendo nem dogmático nem
reformista por vocação considero esta decisão um erro político
terrível: melhor seria proclamar o comunismo libertário, custasse o que
custasse, e lutar decididamente contra o ressurgimento do Estado burguês.
Contudo e de qualquer forma, podia-se revelar uma táctica discutível e
perigosa mas útil, se desenvolvida astutamente: ou seja, para condicionar
desde o interior os governos de Espanha e de Catalunha (considerando a
força do anarquismo espanhol nas massas em 1936), por forma a que estes
governos não fossem um obstáculo para a revolução proletária que eclodiu
na zona republicana toda.
Na prática, ao invés, a escolha da participação nos governos burgueses
tornou-se um erro fatal e auto-lesivo por causa do espírito de lealdade,
digno de melhor causa, que animou os aparelhos da CNT e da FAI, até
mesmo quando a burguesia e os estalinistas chegaram a usar as armas
contra a revolução libertária. Isto junto com outros erros, tais como
deixar o ouro do Banco de Espanha nas mãos do governo da república, não
dar impulso a uma revolta no Marrocos espanhol, não organizar guerrilhas
por detrás das linhas franquistas, e sofrer o condicionamento psicológico
do temor de as democracias ocidentaisse tornarem inimigas da república
durante a guerra civil!
À parte isto, a coisa que estranha mais è o facto de ter sido a CNT a
assumir a representação anarquista no governo da república (o único
sindicato no governo), e não a FAI, como ao invés se podia esperar na base
da distinção de competências acima lembrada. Mal menor, considerados os
erros comuns às duas organizações? Não sei. E não sei, porque desta
maneira acabou por ser vinculada à escolha governamental a organização de
massa cujos militantes andavam a fazer a revolução social, enquanto parte
integrante das massas populares.
Assim a confederação sindical, tendo entrado no governo em representação
do movimento libertário espanhol, fez como tal uma escolha de campo que
não lhe deixou as mãos livres para actuar no seio dos trabalhadores, como
sujeito revolucionário: com muitas saudações ao Congresso Confederal de
Saragoça de 1936, que sancionou o comunismo libertário como objectivo de
acção da CNT na sociedade espanhola. O resto foi consequência.
Como dito no início, esta confusão de papeis prosseguiu após a guerra
civil, produzindo desastres, se não definitivos .. quase. Em Março de 2004
foi publicado pelo Siglo XXI de Espanha Editores um livro fundamental de
Angel Herrerín López: La CNT durante el franquismo. Clandestinidad y
exilio (1939-1975), muito rico em documentação e análises, que proporciona
uma interessante história orgânica do anarco-sindicalismo espanhol naquela
altura.
Mas o que è que aconteceu em concreto com referência ao nosso assunto? É
que a confusão da qual falamos, não só se manteve, mas actuou além dos
limites das questões espanholas (do interior de Espanha como do exílio). É
necessário dizer que aqui só podemos fazer uma exposição esquemática,
apenas em torno do nosso tema principal: em virtude disto outras causas e
outros factores não secundários - foram necessariamente afastados. Damos
também por conhecidas, pelo menos em traços largos os longos contrastes
entre a maioria possibilista dos anarco-sindicalistas do interior de
Espanha (os quais viviam dia a dia a repressão da ditadura franquista) e a
maioria ortodoxa e intransigente do exílio, hegemonizada pelo aparelho
cenetista sob o controlo discutível da família Esgleas (do apelido de
Germinal Esgleas, marido de Federica Monteseny).
Paralelamente a este contraste coloca-se a atitude negativa assumida
dogmática e rigorosamente pela FAI em relação às tácticas e alianças da
CNT que envolvessem outras entidades políticas. A CNT foi fortemente
condicionada pela FAI neste sentido. Assim, aquela orientação política da
FAI que seguramente pode ser vista como uma legítima determinação desta
organização política revolucionária foi transferida também à AIT.
Daí resultou uma atitude de aproximação à realidade que tinha um
pressuposto infelizmente não realista: não ter acontecido nada no mundo
depois dos anos 30, e revolução proletária e comunismo libertário estarem
ainda ao alcance da mão no espaço de uma ou dois gerações. Atitude que
custou caro à AIT como à sua mais importante aderente: a CNT. A AIT é hoje
a pálida sombra duma teórica internacional sindical dos trabalhadores;
prossegue a prática das expulsões das sus poucas organizações aderentes
quando imputadas de reformismo. A AIT, que sem a CNT (embora hoje
bastante pequena) seria menos que nada, dentro do movimento dos
trabalhadores permanece numa posição que se poderá definir como marginal,
no mínimo.
A AIT foi sob o condicionamento da CNT (e, a través desta, das políticas
da FAI) pelo menos desde a guerra civil espanhola, quando a AIT aceitou a
posição naquela altura defendida pela CNT, que participava nas
instituições da república burguesa: ser possível conseguir as finalidades
libertárias a través da escolha táctica de colaboração política com
partidos antifascistas. E depois da guerra civil quando a chamada
facção ortodoxa da CNT obteve a hegemonia entre os anarco-sindicalistas
no exílio, pelo amor ou pela força. Assim foi que a AIT (pelo empurre
desta componente da CNT, onde actuavam militantes que nos anos 36-39
aderiram à colaboração governamental) escolheu o rigorismo mais absoluto
que a condenou à esterilidade sindical.
A sorte da CNT foi parecida: manteve uma espécie de representação do
movimento libertário que unia papel político revolucionário e papel
sindical na resistência (também militar) ao franquismo; não conseguiu
pelas contradições interiores já referidas desenvolver na sociedade
espanhola, não mais revolucionária, uma implantação (legitimada pela
heróica luta antifascista dos seus militantes) que pudesse contrapor-se
eficazmente à socialista UGT e às comunistas Comisiones Obreras, nem
realizar uma eficaz estratégia de alianças políticas e/ou sindicais;
perderam-se as bases da unidade interior; e quando como nota Herrerín
López - o lugar ocupado em Espanha à morte de Franco por cada organização
constituía o fundamento da luta sindical, para a CNT apesar do séquito
de massa que ainda tinha imensas foram as dificuldades encontradas na
tarefa de ocupar um espaço numa sociedade mudada em todas as suas
estruturas: na economia, política, cultura, sistema jurídico do trabalho,
etc.
Com o resultado que hoje existirem bem quatro organizações sindicais que
se consideram anarco-sindicalistas: a CGT (a terceira confederação
sindical de Espanha), a mais pequena CNT, a pequena Solidaridad Obrera e a
CNT-Catalã desconfederada
Por amor do passado heróico, talvez é melhor não julgar a árvore em geral
pelos frutos deste árvore particular.
Preparemo-nos para as celebrações do ano próximo.
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